DA EXPERIÊNCIA DOS SIGNOS
O ser amado é como a qualidade sensível, vale pelo
que envolve. Seus olhos seriam apenas pedras e seu corpo um pedaço de carne,
se não exprimissem um mundo ou mundos possíveis, paisagens e lugares, modos de
vida que é preciso explicar, isto é, desdobrar, desenrolar como os pedacinhos
de papel japonês: como a Srta. de Stermaria e a Bretanha, Albertina e Balbec. O amor e o
ciúme são estritamente comandados por essa atividade de explicação. Há mesmo
como que um duplo movimento pelo qual uma paisagem necessita enrolar-se numa
mulher, como a mulher, desenrolar as paisagens e os lugares que "contém"
encerrados em seu corpo. A expressividade é o conteúdo de um ser.
Aí, também, poder-se-ia acreditar que exista apenas uma relação de associação
entre o conteúdo e o continente. Entretanto, embora a cadeia associativa seja
estritamente necessária, há algo a mais, que Proust define como caráter indivisível
do desejo que quer dar uma forma a uma matéria e preencher de matéria uma
forma.Mas o que mostra ainda que a cadeia de associações só existe
em relação com uma força que a vai romper é uma curiosa distorção pela qual se
é tomado no mundo desconhecido expresso pelo ser amado, esvaziado de si
próprio, aspirado para esse outro universo. De tal modo que ser
visto faz o mesmo efeito que ouvir pronunciar seu nome pelo ser amado; o efeito
de aparecer nu em sua boca. A associação da paisagem e do ser
amado no espírito do narrador é, portanto, rompida em proveito de um ponto de
vista do ser amado sobre a paisagem, em que o próprio narrador é tomado, mesmo
que seja para ser excluído, recalcado. Mas, desta vez a ruptura da cadeia
associativa não é superada pela aparição de uma essência; ela é aprofundada por uma operação de esvaziamento que restitui
ao narrador o seu próprio eu.
(...)
Gilles Deleuze in Proust e os signos
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