sábado, 22 de outubro de 2016

DA EXPERIÊNCIA DOS SIGNOS

O ser amado é como a qualidade sensível, vale pelo que en­volve. Seus olhos seriam apenas pedras e seu corpo um pedaço de carne, se não exprimissem um mundo ou mundos possíveis, paisagens e lugares, modos de vida que é preciso explicar, isto é, desdobrar, desenrolar como os pedacinhos de papel japonês: como a Srta. de Stermaria e a Bretanha, Albertina e Balbec. O amor e o ciúme são estritamente comandados por essa ativi­dade de explicação. Há mesmo como que um duplo movimento pelo qual uma paisagem necessita enrolar-se numa mulher, como a mulher, desenrolar as paisagens e os lugares que "con­tém" encerrados em seu corpo. A expressividade é o conteúdo de um ser. Aí, também, poder-se-ia acreditar que exista apenas uma relação de associação entre o conteúdo e o continente. Entretanto, embora a cadeia associativa seja estritamente ne­cessária, há algo a mais, que Proust define como caráter indi­visível do desejo que quer dar uma forma a uma matéria e preencher de matéria uma forma.Mas o que mostra ainda que a cadeia de associações só existe em relação com uma força que a vai romper é uma curiosa distorção pela qual se é tomado no mundo desconhecido expresso pelo ser amado, esvaziado de si próprio, aspirado para esse outro universo. De tal modo que ser visto faz o mesmo efeito que ouvir pronunciar seu nome pelo ser amado; o efeito de aparecer nu em sua boca. A associação da paisagem e do ser amado no espírito do narrador é, portanto, rompida em proveito de um ponto de vista do ser amado sobre a paisagem, em que o próprio narrador é tomado, mesmo que seja para ser excluído, recalcado. Mas, desta vez a ruptura da cadeia associativa não é superada pela aparição de uma essência; ela é aprofundada por uma operação de esvaziamento que restitui ao narrador o seu próprio eu. 
(...)
Gilles Deleuze in Proust e os signos

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