quarta-feira, 12 de outubro de 2016

EM QUE ACREDITAR? - II

Como foi dito em outro texto neste blog, a questão do delírio é a questão da verdade. Esse dado aproxima a pesquisa em psicopatologia do real chamado coletivo. Entendemos "coletivo" como a realidade em si mesma composta por multiplicidades. Se há crenças, só acreditamos no "múltiplo", exatamente porque ele não acredita, só deseja. Assim, entender o que é delírio é tentar entender o que é "verdade" num mundo em que a verdade é produzida com o objetivo (disfarçado) de controlar corpos e mentes, ao tempo que o sem-sentido da existência é tamponado via produção-consumo incessante. Isso inclui o consumo de ideias, valores, princípios, normas, diagnósticos médicos, técnologias, etc. Assim, a pergunta "em que acreditar?" desloca-se para "em quem acreditar?". Ora, não há um "quem-sujeito" "quem-indivíduo", mas o universo-mundo, o império da política movido por forças e contra-forças, poderes, enfim (tudo é poder...) secretando crenças e mais crenças numa espiral subjetiva voltada à aceleração da velocidade dos afetos. Falamos em multiplicidades já que a referência do cristianismo dualístico " o Bem ou o Mal?" cedeu lugar à velocidade do tempo inumano (o virtual) ao tempo em que as crenças (ainda) permanecem ancoradas em territórios de morais e opiniões do senso comum. Dito de outro modo, a velocidade tecnológica convive hoje com um endurecimento totalitário e fascista das crenças, o que se nota, por exemplo, no recrudescimento de aportes religiosos agindo em territórios-abrigos povoados pela devastação da subjetividade como eu-consciência. É que não há mais o eu, nem a pessoa, não há mais tempo para relexões, tomadas de consciência, orações apocalipticas,  gritos  de socorro para o além-mundo, esoterismos refinados, teleologias históricas, holismos cósmicos e cômicos, sociodemocracias, liberalismos cínicos, messianismos, e muito mais ilusões convincentes, exceto como munição discursiva salvacionista para um entorpecimento eficaz e eficiente do desejo.

A.M.

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