O PROCESSO DO DESEJO
(...) Em
direção a que nada a vassoura das feiticeiras os arrastam? E para onde Moby
Dick arrasta Ahab tão silenciosamente? Lovecraft faz com que seu herói
atravesse estranhos animais, mas enfim penetre nas últimas regiões de um
Continuum habitado por ondas inomináveis e partículas inencontráveis. A
ficção científica tem toda uma evolução que a faz passar de devires animais,
vegetais ou minerais, a devires de bactérias, de vírus, de moléculas e de
imperceptíveis. O conteúdo propriamente musical da música é percorrido
por devires-mulher, devires-criança, devires-animal, mas, sob toda espécie
de influências que concernem também os instrumentos, ele tende cada vez
mais a devir molecular, numa espécie de marulho cósmico onde o inaudível
se faz ouvir, o imperceptível aparece como tal: não mais o pássaro cantor,
mas a molécula sonora. Se a experimentação de droga marcou todo mundo,
até os não-drogados, é por ter mudado as coordenadas perceptivas do
espaço-tempo, fazendo-nos entrar num universo de micropercepções onde os
devires moleculares vêm substituir os devires animais. Os livros de
Castañeda mostram bem essa evolução, ou antes essa involução, onde os
afectos de um devir-cachorro, por exemplo, são substituídos por aqueles de
um devir-molecular, micropercepções da água, do ar, etc. Aparece um
homem cambaleando de uma porta a outra e desaparecendo no ar: "tudo o
que eu posso te dizer, é que nós somos fluidos, seres luminosos feitos de
fibras" . Todas as viagens ditas iniciáticas comportam esses limiares e essas
portas onde há um devir do próprio devir, e onde muda-se de devir, segundo
as "horas" do mundo, os círculos de um inferno ou as etapas de uma viagem
que fazem variar as escalas, as formas e os gritos. Dos uivos animais até os
vagidos dos elementos e das partículas.
(...)
G. Deleuze e F. Guattari in Mil platôs, vol. 4
Nenhum comentário:
Postar um comentário