sábado, 22 de outubro de 2016

O PROCESSO DO DESEJO

(...) Em direção a que nada a vassoura das feiticeiras os arrastam? E para onde Moby Dick arrasta Ahab tão silenciosamente? Lovecraft faz com que seu herói atravesse estranhos animais, mas enfim penetre nas últimas regiões de um Continuum habitado por ondas inomináveis e partículas inencontráveis. A ficção científica tem toda uma evolução que a faz passar de devires animais, vegetais ou minerais, a devires de bactérias, de vírus, de moléculas e de imperceptíveis. O conteúdo propriamente musical da música é percorrido por devires-mulher, devires-criança, devires-animal, mas, sob toda espécie de influências que concernem também os instrumentos, ele tende cada vez mais a devir molecular, numa espécie de marulho cósmico onde o inaudível se faz ouvir, o imperceptível aparece como tal: não mais o pássaro cantor, mas a molécula sonora. Se a experimentação de droga marcou todo mundo, até os não-drogados, é por ter mudado as coordenadas perceptivas do espaço-tempo, fazendo-nos entrar num universo de micropercepções onde os devires moleculares vêm substituir os devires animais. Os livros de Castañeda mostram bem essa evolução, ou antes essa involução, onde os afectos de um devir-cachorro, por exemplo, são substituídos por aqueles de um devir-molecular, micropercepções da água, do ar, etc. Aparece um homem cambaleando de uma porta a outra e desaparecendo no ar: "tudo o que eu posso te dizer, é que nós somos fluidos, seres luminosos feitos de fibras" . Todas as viagens ditas iniciáticas comportam esses limiares e essas portas onde há um devir do próprio devir, e onde muda-se de devir, segundo as "horas" do mundo, os círculos de um inferno ou as etapas de uma viagem que fazem variar as escalas, as formas e os gritos. Dos uivos animais até os vagidos dos elementos e das partículas.
(...)
G. Deleuze e F. Guattari in Mil platôs, vol. 4 

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