Este blog busca problematizar a Realidade mediante a expressão de linhas múltiplas e signos dispersos.
terça-feira, 31 de outubro de 2017
segunda-feira, 30 de outubro de 2017
MONSTROS
Pense. Preste atenção na sua vida. Olhe bem para seus problemas. Observe a situação do país. Você acredita mesmo que a grande ameaça para o Brasil – e para você – são os pedófilos? Ou os museus? Quantos pedófilos você conhece? Quantos museus você visitou nos últimos anos para saber o que há lá dentro? Não reaja por reflexo. Reflexo até uma ameba, um indivíduo unicelular, tem. Exija um pouco mais de você. Pense, nem que seja escondido no banheiro.
Seria fascinante, não fosse trágico. Ou é fascinante. E também é trágico. No Brasil atual, os brasileiros perdem direitos duramente conquistados numa velocidade estonteante. A vida fica pior a cada dia. E na semana em que o presidente mais impopular da história recente se safou pela segunda vez de uma denúncia criminal, desta vez por obstrução da justiça e organização criminosa, e se safou distribuindo dinheiro público para deputados e rifando conquistas civilizatórias como o combate ao trabalho escravo, qual é um dos principais assuntos do país?
(...)
Eliane Brum, El País, São Paulo, 30/102017, 16:18 hs
MACHISMO, A INSTITUIÇÃO
Talvez se possa conceber o machismo sob uma ótica institucional. Ou seja, de que ele não é constituído e/ou executado por pessoas, mas ao contrário, pessoas é que são feitas e executadas por ele. Abstrato, sim, por que não tem uma forma estável. Essencialmente concreto, sobrevive porque não está só. Instituições o apoiam em manobras práticas (tudo é prática e prático!) secretando imagens do Horror que colore o dia-a-dia midiático-familiar. São nutridas por glândulas do corpo da Terra secretando seus hormônios rumo ao declínio ético planetário. O machismo não tem essência, não tem natureza, não tem culpado único e último, não funciona à base de transcendências como a do eu, do indivíduo,do estado, do Espírito, do Bem etc. Ele, desde tempos imemoriáveis, viajou até os nossos dias civilizados, selando o casamento aparentemente indissolúvel com a era do capital. Um universo semiótico macho, branco, cristão, capturou a Arte, e em nome dos ideais do Progresso, suga com gozo a mais ínfima expressão da diferença. A Terra se fez e se faz, inabitável.
A.M.
DESAPARECER
(...)
Felipe é um dos 693.076 boletins de ocorrência registrados por desaparecimento no Brasil de 2007 a 2016, segundo dados inéditos compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em estudo feito a pedido do Comitê internacional da Cruz Vermelha. Em média, 190 pessoas desapareceram por dia nos últimos dez anos, oito por hora. É a primeira vez que dados de desaparecimento estão presentes no anuário de violência do Fórum. Só no ano passado, 71.796 desaparecimentos foram registrados.
Em números absolutos, São Paulo lidera as estatísticas, com 211.965 registros de desaparecimentos de 2007 a 2016, seguido por Rio Grande do Sul, com 75.214, e Minas Gerais, com 52.217. Acre, Amazonas, Amapá, Bahia, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná e Roraima não passaram os dados completos de todos os últimos dez anos.
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Cintia Acayaba, G1, SP,em São Paulo, 30/10/2017, 05:00 hs
domingo, 29 de outubro de 2017
(19 DE JANEIRO)
Até esta chegar às suas mãos
eu já devo ter cruzado a fronteira.
Entregue por favor aos meus irmãos
os livros da segunda prateleira,
e àquela moça —a dos "quatorze dígitos"-
o embrulho que ficou com teu amigo.
Eu lavei com cuidado o disco rígido.
Os disquettes back-up estão comigo.
Até mais. Heroísmo não é a minha.
A barra pesou. Desculpe o mau jeito.
Levei tudo que coube na viatura,
mas deixei um revólver na cozinha,
com uma bala. Destrua este soneto
imediatamente após a leitura.
Paulo Henriques Britto
PÁRIAS DA MENTE
Existe uma população oculta de psicóticos "apáticos" (que psicoses? seriam realmente psicóticos? quais os diagnósticos? etc) improdutivos, negativistas, apragmáticos, vivendo em suas casas, com suas famílias (ou não...), em cotidianos quase parados, organismos travados, figuras modernas de zumbis farmacologizados ou semi-farmacologizados...Não saem à rua, não realizam tarefas domésticas,não trabalham, não se divertem, falam pouquíssimo, atendem às solicitações mínimas, expressam rostidades debilitadas (existencialmente), enfim, mortos-vivos se arrastando no tempo à espera da morte. Constatei esse dado após haver realizado, durante vários meses, visitas domiciliares (como psiquiatra da secretaria de saúde da prefeitura e técnico do Caps II ) na cidade de Vitória da Conquista.O que fazer? Uma ideia simples (ou não tão simples) seria a criação de uma equipe técnica itinerante em saúde mental. Ela trabalharia esses pacientes no sentido de 1-melhorar a sua qualidade de vida, mesmo que eles não saíssem de casa; 2-obter um mínimo de capacidade de autonomia social, como por exemplo, ir à padaria comprar um pão, andar só, resolver pequenos problemas do cotidiano, etc; 3-reintegrá-los, dentro de critérios clínicos estabelecidos, à participação terapêutica no Caps ou outros serviços.; 4-reavaliar, clínicamente, a "verdadeira"psicopatologia que se esconde sob os escombros de existências malogradas, derrotadas, naturalizadas pelo fator social marginalizante; dito de outro modo: ele está de fato doente? Uma análise seria possível fora do modelo biomédico? 5-não construir uma espécie de cadastro dos irrecuperáveis, mas restaurar, inventar (ou tentar) uma atitude singular da chamada equipe em saúde mental para com vidas subjetivas destruídas, humilhadas, ofendidas; 6-por fim, trabalhar no sentido de separar o que é da psiquiatria (fatores bioetiológicos, quadro clínico, etc) do que não é, mesmo que pareça que seja: quadros nosológicos produzidos pela miséria sócio-familiar e pela cultura capitalística que penetram sorrateiramente os poros da subjetividade. São tópicos, entre outros, a serem pensados e elaborados no quadro de um projeto amplo da rede pública em saúde mental.
A.M.
Obs. - Texto republicado.
sábado, 28 de outubro de 2017
Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:
a) Que o esplendor da manhã não se abre com faca
b) O modo como as violetas preparam o dia para morrer
c) Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas têm devoção por túmulos
d) Se o homem que toca de tarde sua existência num fagote, tem salvação
e) Que um rio que flui entre dois jacintos carrega mais ternura que um rio que flui entre dois lagartos
f) Como pegar na voz de um peixe
g) Qual o lado da noite que umedece primeiro.
etc
etc
etc
Desaprender oito horas por dia ensina os princípios.
Manoel de Barros
QUEER
Judith Butler, teórica do movimento queer e antes de tudo uma feminista de pensamento global, talvez seja a feminista com mais gabarito internacional e a que está prestes a deixar um rastro maior. Em uma de suas passagens por Barcelona, ela falou sobre a violência de Estado e insistia em que pertencer ao movimento queer implicava uma defesa da aliança entre diversas minorias “por meio da diferença”, ou seja, que conseguir “uma aliança forte da esquerda” passava por combater políticas favoráveis à discriminação, citando sobretudo as minorias sexuais, raciais, religiosas e as mulheres.
(...)
Mª Ângeles Cabré, El País, 27/10/2017, 19:53 hs
NÃO VERÁS PAÍS NENHUM
O deputado-presidiário Celso Jacob, peemedebista carioca, já deveria estar recolhido na sua cela na Papuda nesta altura da noite - pode exercer o mandato apenas durante o dia -, no entanto faz o seu “corre” para salvar mais uma vez o colega de “quadrilhão” Michel Temer. Coube a Jacob registrar o voto 171 no painel do Congresso.
Quem precisa de ficção no Brasil, quem precisa do mundo paralelo de Stranger Things se um embusteiro com quase zero de aprovação consegue impor a um país inteiro as assombrações que bem entende?
O presidente Temer é internado com uma obstrução urológica e o índice da Bolsa de Valores despenca. Quem necessita de coisas estranhas tipo anos 80? Diga, amigo meu, quem carece de ficção genuinamente brasileira?
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Xico Sá, El País, 27/10/2017, 18:16 hs
quinta-feira, 26 de outubro de 2017
quarta-feira, 25 de outubro de 2017
As bases da subjetividade
A clínica das multiplicidades necessita problematizar a origem dos chamados transtornos mentais e propor uma teoria da subjetividade. Desse modo, considera o conceito de subjetividade a partir do contexto sócio-cultural onde se insere o indivíduo. Em tempos atuais, tal contexto está plenamente identificado com a realidade do capital . O registro é o das relações sociais onde tudo começa, mesmo o nível biológico. A título de esquematizar a discussão, o “subjetivo” é colocado como um modo de expressão do indivíduo. Ora, tal posição se ancora em três vetores. Primeiro, o dos processos físico-químicos que se subdividem em fatores genéticos, orgânicos, bioquímicos, etc. O segundo, marcado pela história psíquica, inclue valores e significados que o paciente atribui a si mesmo e à Realidade. O terceiro compreende a instância do socius (papéis sociais) por sua vez determinada pelo funcionamento das instituições (o cultural-em-nós).A proximidade destes fatores com o clássico tripé bio-psico-social é evidente. O que não é evidente é a linha de fronteira entre eles. Onde termina o bio? onde começa o psi ? e o socius? ou o inverso... Não obstante, limites frouxos podem ser úteis para uma visão transdisciplinar do problema. Nosso interesse é, pois, a subjetividade, o que parece não interessar à psiquiatria, marcada pelo isolamento do cérebro como objeto de pesquisa. Não parece ser , mas é. Na verdade, a psiquiatria se ocupa, sim, ainda que por meios enviesados, da subjetividade para melhor adestrá-la a dogmas cientificamente respaldados e interesses concretos. Temos então uma subjetividade-doente-mental (ou portador-de-transtorno-mental) que se constitui como um a priori da epistemologia psiquiátrica. Um “já estar lá”. Uma clínica das multiplicidades é outra coisa: busca trabalhar como produção e não como produto. Isso constitui um olhar sobre o doente que difere em natureza do olhar psiquiátrico. Em outros termos, o interesse da psiquiatria estabelecida sobre a subjetividade é fruto de investimentos (econômico-desejantes) no campo do biopoder . Assim, o primeiro passo para uma outra compreensão da subjetividade seria o de efetuar uma espécie de descolamento do conceito de indivíduo. É que a forma-indivíduo cola na figura do doente mental a “confirmação” visível de um suposto mau funcionamento do cérebro. Tal fato acaba por ocultar o pressuposto teórico que sustenta tal enquadre metodológico. Não partimos do indivíduo e sim dos processos subjetivos. Evidentemente estes incluem o cérebro já que, como multiplicidades, são o real em si mesmo. É uma opção metodológica com implicações éticas, políticas e clínicas.
A.M.
terça-feira, 24 de outubro de 2017
segunda-feira, 23 de outubro de 2017
ENTRE A PÓS-VERDADE E O TEATRO DO ABSURDO
O Brasil, às vésperas da eleição presidencial de 2018, está vivendo uma mistura explosiva entre a mentira emotiva da pós-verdade, e a obra de teatro do absurdo, materializada na genial peça, “Esperando Godot”, do dramaturgo Samuel Beckett. Na obra do dramaturgo irlandês sabemos que Godot nunca vai chegar e, mesmo assim, todos continuam esperando por ele. O escritor ironiza que a vida é o que está acontecendo e não o que estamos esperando, do contrário, acabaríamos não vivendo a realidade. Ou alguém imagina que em 2018 vai chegar o Godot para redimir o Brasil de todos seus males? Ou que teremos o milagre de contar com um Congresso novo, expurgado dos caciques que dominam hoje, com políticos limpos de corrupção? Ou um Supremo que, finalmente, também colocará os políticos de luxo na prisão, que seja apenas a garantia da Constituição, sem se sujar em obscuros jogos políticos? Ou que dedique seu tempo discutindo se os cigarros podem ter sabor? O tabaco mata, com ou sem sabor. Todos sabem.
Não é pessimismo, é simples observação da realidade.
(...)
Juan Arias, El País, 20/10/2017, 23:03 3hs
PIOR COM A INTERNET?
Quando a internet entrou na vida de todos nós – ou na de quem viveu antes dela –, era vista como força libertadora. Vendedores, criadores e artistas se veriam livres da tirania dos intermediários, das imposições corporativas e da pasteurização cultural. A multiplicidade de vozes traria força à democracia, sufocaria o autoritarismo, o chauvinismo, o comunismo e todos os “ismos” dependentes do controle da informação. O mundo ficaria ainda mais globalizado, com um grau de integração entre os povos jamais visto. Um salto incomparável de produtividade traria uma era ininterrupta de prosperidade e crescimento econômico. Pois, mais de duas décadas depois, a realidade demonstra que todas essas promessas foram frustradas. Já passou da hora de reconhecer: ao menos nessas frentes, a internet mudou o mundo para pior.
Na economia, serviu de pretexto para os bancos centrais inflarem duas bolhas, cujos estouros sucessivos lançaram o planeta na maior depressão desde a crise de 1929. Os estudos mais sérios e exaustivos demonstram que a tecnologia digital jamais trouxe – e dificilmente trará – um salto de produtividade comparável ao das revoluções da máquina a vapor, das ferrovias ou da eletricidade. Na política, as redes sociais permitiram o renascimento do nativismo chauvinista, deram voz a toda sorte de idiotice tacanha, retrógrada e pseudocientífica, contribuíram para a polarização e para a ascensão de líderes autoritários à esquerda e à direita. A democracia só recuou no planeta na última década, segundo três rankings globais (Economist Intelligence Unit, Freedom House e Polity Project).
(...)
Helio Gurovitz, Época, 22/10/2017, 10: 00 hs
domingo, 22 de outubro de 2017
Eu sou o olhar que penetra nas camadas do mundo,
ando debaixo da pele e sacudo os sonhos.
Não desprezo nada que tenha visto,
todas as coisas se gravam pra sempre na minha cachola.
Toco nas flores, nas almas, nos sons, nos movimentos,
destelho as casas penduradas na terra,
tiro os cheiros dos corpos das meninas sonhando.
Murilo Mendes
DE VOLTA AO SÉCULO XVI
(...)
O que assusta no governo Temer não é a sua crueldade. Se os primeiros meses da atual gestão ensinaram alguma coisa é que ninguém deve esperar qualquer tipo de hesitação altruísta do PMDB. Temer avança ou recua segundo a moral da sobrevivência. Assustadora mesmo é a sina dos brasileiros. Depois de serem despudoradamente assaltados por sucessivos governos, os mais de 200 milhões de brasileiros passaram a ser governados por 200 deputados da bancada ruralista da Câmara, cuja prioridade é escravizar Temer para levar o Brasil até o Século 16.
Do Blog do Josias de Souza, 21/10/2017, 01:30 hs
sábado, 21 de outubro de 2017
A DANÇA DOS CORPOS
(para M. V. L. e K.)
A Medicina trabalha com o corpo-organismo. Este é o seu objeto. Não apenas numa relação de exterioridade entre o médico e o seu paciente. Ora, é preciso escapar do raciocínio tosco da visão humanitária e bem intencionada da medicina. Se ela é uma instituição como tantas outras, é preciso captar o real em si mesmo. Algo mais profundo e menos evidente acontece, dado que Michel Foucault aponta em suas pesquisas. Isso diz respeito às relações de poder. Elas preenchem a teia institucional de tão prestigiosa carreira. Tal ato profissional (técnico) intervêm no organismo humano, que por sua vez é de antemão produzido por formações do poder médico interessadas em identificá-lo individualmente. Eis "o doente paciente". Uma das consequências desse fato aparentemente banal é a surdez médica à fala do outro, já que o suposto saber ("ouça o médico porque ele estudou!") dispensa as linhas vivenciais singulares daquele que sofre e portanto encontra-se vulnerabilizado. Assim, o Organismo, concebido como uma organização/sistema dos órgãos, é o que interessa ao médico na ação clínica e/ou cirúrgica de curá-lo ou pelo menos de melhorar a sua qualidade de vida. No entanto, funcionando no lusco-fusco dos afetos oprimidos, e lado a lado com o Organismo hegemônico das praticas médicas, há o corpo invisível das intensidades afetivas, o corpo sem forma, o corpo das potências irradiantes, o corpo erógeno, o corpo composto por fibras de Luz (como diria Castañeda), o corpo vibrátil, expansivo, dançante, corpo funcionando sob o combustível desejo. Não se trata, claro, de um corpo latente ao modo da psicanálise mais antiga, a chamada "outra cena". Nada mais enganoso. O corpo está aí, está aqui, está entre nós rosnando sem cessar suas animalidades envolventes. Trata-se do corpo como expressão no mundo, numa palavra, a materialidade do espírito, o corpo-criança e sua alegria sustentada no sem-sentido do nada. A medicina não enxerga esse corpo porque os seus técnicos não foram treinados para tal, e porque suas bases epistemológicas desmoronariam se aceitassem e promovessem o que pode um corpo, como diria Espinosa.
A.M.
O LUGAR MAIS SOMBRIO
Brasília surgiu no meio do cerrado como uma utopia, o símbolo de um país que se avizinhava novo e integrava seu próprio território. Em pouco, transformou-se em distopia. Sob a ditadura militar e seus atos institucionais, as avenidas largas, as quadras planejadas, os espaços rarefeitos de edifícios e gentes, o vazio de uma cidade erigida do zero se aliou ao vazio existencial e político do Brasil. O que resultou disso foi uma sensação de obra inconclusa, de alienação. É esse o cenário de A Noite da Espera, o primeiro volume da trilogia O Lugar Mais Sombrio, que o escritor Milton Hatoum lança no dia 27 de outubro pela editora Companhia das Letras.
(...)
André de Oliveira, El País, São Paulo, 20/10/2017, 20: 23 hs
sexta-feira, 20 de outubro de 2017
Outra vez nos braços do amor perdido.
Sempre o declive. Sempre a vertigem.
Às vezes o abismo.
Posso inflar
as velas de outra imagem
e assim navegar teus canais azulados,
minha lúcida amiga.
No céu-da-boca desta manhã
fica apenas um risco:
relâmpago longo como o olhar.
Luz. Outra luz. Louca luz.
O mesmo anjo que beija tua orelha fina
invade o cinema como um vento fictício
Eudoro Augusto
DO QUE SE TRATA?
A questão do farmacologismo em psiquiatria não se resume a passar remédios químicos em excesso. Isso é demasiado evidente.Psiquiatras biológicos e remedeiros se multiplicam...Queremos dizer outras coisas, não necessariamente nesta ordem de importância: em primeiro lugar,o psicofarmacologismo se impõe graças ao efeito da insuficiência atual das pesquisas em psicopatologia clínica. Em segundo, ao mecanicismo científico instituído como verdade epistemológica (relação linear causa-efeito, o cérebro reificado). Em terceiro, pelo efeito (rápido) de controle químico sobre as condutas ditas anormais. Em quarto, aos interesses poderosos das multinacionais farmacêuticas. Em quinto, pela ausência de uma teoria psiquiátrica da subjetividade. Em sexto, pelos grandes buracos semiológicos pregados na grade nosológica psiquiátrica. Em sétimo, pela medicalização generalizada dos problemas sociais, manobra "esperta" dos poderes vigentes. Em oitavo, pelo desejo contemporâneo de buscar tamponar quimicamente a tragédia humana (nada de angústia...) e, por extensão, sua alegria oculta. Estes 8 ítens não esgotam a análise do problema, mas são eixos para se pensar.
A.M.
Obs.: texto republicado
VOCAÇÃO PARA A MORTE
Finalmente, o PSDB descobriu sua vocação política. O partido está vocacionado para a morte. O tucanato faz tudo para morrer o mais depressa possível. As práticas da legenda, suas ambiguidades, suas contradições mal disfarçam a vontade, a urgência da morte. Protagonista do seu próprio cortejo fúnebre, o PSDB caminho rumo ao fenecimento carregando as alças de dois pesos mortos: o caixão do governo Temer e o caixão de Aécio Neves.
Temer é um defunto com caneta e Diário Oficial. Com a ajuda de um coordenador político tucano, ele compra na Câmara mais um ano de sobrevida. Aécio, trancado em casa e em seus rancores, parecia fora de combate. Mas o Senado deu-lhe uma sacudida. E o personagem, insepulto, tranforma o PSDB no primeiro partido da história a ter como presidente um defunto.
O nome mais cotado para representar o PSDB na disputa presidencial de 2018 é Geraldo Alckmin. Jurado de morte até pelo seu pupilo João Doria, Alckmin se finge de vivo. Mas revela-se um vivo pouco militante. Não consegue se posicionar com clareza sobre o rompimento com Temer e o expurgo de Aécio. Não é à toa que frequenta as pesquisas como um sub-Bolsonaro. É como se Alckmin pedisse aos eleitores não votos, mas coroas de flores.
Do Blog do Josias de Souza, 20/10/2017, 00:53 hs
quinta-feira, 19 de outubro de 2017
PERSONAGENS CONCEITUAIS
Numa psiquiatria da diferença, é possível trabalhar com personagens conceituais. Entre eles, a criança, o artista e o louco A criança, pela leveza, alegria e ausência de ressentimento. O artista, pela criação de territórios existenciais que valem por si mesmos.O louco, pelo não-lugar "preenchido" pelo delírio e a tudo que ele remete. Resumindo, há uma criança que escapa a infantilidade outorgada pelo adulto. Um artista que escapa do clichê da arte-monumento e/ou mercantil. Por fim, um louco com um delírio não formatado pelas instâncias do poder médico.
A.M.
quarta-feira, 18 de outubro de 2017
terça-feira, 17 de outubro de 2017
Seu mundo não lhes permitia aceitar as coisas naturalmente, não os deixava ser sãos de espírito, virtuosos, felizes. Com suas mães e seus amantes; com suas proibições, para os quais não estavam condicionados; com suas tentações e seus remorsos solitários; com todas as suas doenças e intermináveis dores que os isolavam; com suas incertezas e sua pobreza - eram forçados a sentir as coisas intensamente. E, sentindo-as intensamente (intensamente e, além disso, em solidão, no isolamento irremediavelmente individual), como poderiam ter estabilidade?
Aldous Huxley
BANALIDADE DO MAL
O governo de Michel Temer baixou portaria para dificultar a punição do trabalho escravo no país. Pense nisso sem pensar no resto. Esqueça a crise econômica e a crise moral. Pense só nisso. O trabalho análogo à escravidão, cuja existência em pleno século 21 já era um escândalo, virou um escárnio. Temer atende a uma exigência da bancada ruralista, que ameaçava votar a favor da denúncia contra o presidente na Câmara.
A pretexto de salvar o que lhe resta de mandato, Temer desdenha da posteridade para, conscientemente, criar embaraços para os fiscais do trabalho escravo. É como se o presidente da República, para preservar o próprio pescoço, se tornasse escravo dos interesses mais mesquinhos. O governo alcançou o estágio da banalidade do mal. Assume sua vilania, sua crueldade gratuita, com hedionda naturalidade.
Experimente colocar a portaria que cria embaraços à fiscalização do trabalho escravo nas suas circunstâncias. Pense na reunião em que o presidente discutiu com seus auxiliares o atendimento às demandas dos deputados ruralistas. Não ocorreu a ninguém dizer ‘quem sabe no combate ao trabalho escravo a gente não mexe!’ Ou ‘vamos oferecer mais cargos e emendas para essa gente’. Nada disso. Não ocorreu a ninguém dizer ‘gente, trabalho escravo pode pegar mal’. O mais trágico não é nem a crueldade. A tragédia está na percepção de que, para salvar Temer, até a sensibilidade humana foi levada ao balcão.
Do Blog do Josias de Souza, 17/102017, 00:11 hs
segunda-feira, 16 de outubro de 2017
Que importa àquele a quem já nada importa que um perca e outro vença .. se a aurora raia sempre ... se cada ano com a Primavera as folhas aparecem ... e com o Outono cessam? E o resto, as outras coisas que os humanos acrescentam à vida, que me aumentam na alma? Sim, sei bem que nunca serei alguém. Sei, enfim, que nunca saberei de mim. Sim, mas agora, enquanto dura esta hora, este luar, estes ramos, esta paz em que estamos .. deixem-me crer o que nunca poderei ser. Ser um é cadeia, ser eu é não ser. Viverei fugindo mas vivo a valer. O mistério do mundo, o íntimo, horroroso, desolado, verdadeiro mistério da existência, consiste em haver esse mistério. Quanto mais fundamente penso, mais profundamente me descompreendo. Só a inocência e a ignorância são felizes, mas não o sabem. São ou não? Que é ser sem o saber? Ser, como a pedra, um lugar, nada mais. Quanto mais claro vejo em mim, mais escuro é o que vejo. Quanto mais compreendo menos me sinto compreendido.
Fernando Pessoa
domingo, 15 de outubro de 2017
GOIÂNIA QUENTE
Os termômetros de Goiânia marcaram 39,2°C no sábado (14), que foi, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), o dia mais quente do ano, com a segunda temperatura mais alta registrada na história da capital. Segundo o órgão, a situação é de alerta em todo o estado, devido a umidade relativa do ar, que pode cair a 15% neste domingo (15).
O dia mais quente da história de Goiânia foi 15 de outubro de 2015, quando os termômetros marcaram 39,6°C, com umidade do ar em 11%, e, segundo o Inmet, foi registrada a temperatura máxima absoluta na cidade.
(...)
Murilo Velasco, G1 GO,15/102017, 11:58 hs
Tragédia brasileira
Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de idade,
Conheceu Maria Elvira na Lapa, – prostituída, com sífilis, dermite nos dedos, uma aliança empenhada e o dentes em petição de miséria.
Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Estácio, pagou médico, dentista, manicura… Dava tudo quanto ela queria.
Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou logo um namorado.
Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não fez nada disso: mudou de casa.
Viveram três anos assim.
Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael mudava de casa.
Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos, Bonsucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra vez no Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Inválidos…
Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado de sentidos e de
inteligência, matou-a com seis tiros, e a polícia foi encontrá-la caída em decúbito dorsal, vestida de organdi azul.
Manuel Bandeira
SEXO E PODER
Não sei se é preciso ser mulher para se enojar com os relatos das atrizes de Hollywood sobre os métodos de seleção do poderoso produtor de cinema Harvey Weinstein, bilionário aos 65 anos. Ao ler em detalhe os depoimentos das vítimas de Weinstein, todas no viço dos 20 anos quando foram atacadas pelo predador sexual grande e forte, pensei: quando chegará o momento de desmascarar os tarados poderosos no Brasil? Por enquanto, só quem ejacula em ônibus acaba preso.
(...)
Ruth de Aquino, Época,13/10/2017, 16:00 hs
O amor de agora é o mesmo amor de outrora
O amor de agora é o mesmo amor de outrora
Em que concentro o espírito abstraído,
Um sentimento que não tem sentido,
Uma parte de mim que se evapora.
Amor que me alimenta e me devora,
E este pressentimento indefinido
Que me causa a impressão de andar perdido
Em busca de outrem pela vida afora.
Assim percorro uma existência incerta
Como quem sonha, noutro mundo acorda,
E em sua treva um ser de luz desperta.
E sinto, como o céu visto do inferno,
Na vida que contenho mas transborda,
Qualquer coisa de agora mas de eterno.
Dante Milano
A MEDICINA CURA? (V)
Os dois eixos de análise da Medicina aqui tratados (o epistemológico e o institucional) se conjugam na fabricação de um modo subjetivo de ser: o médico. Neste caso não está em jogo a chamada pessoa ("ele é uma boa pessoa e um bom médico"), mas modos de subjetivação encaixados no funcionamento social e técnico onde a relação médico-paciente se alimenta de um suposto poder sobre a vida (e a morte). E perante o qual o paciente se dobra qual um cordeiro à espera da salvação. Ou do abate. Este fenômeno é melhor observado, sobretudo no Brasil, na realidade dos serviços públicos de saúde em suas longas filas de espera e desespero. Mas não só: na medicina privada, planos de saúde, nos consultórios particulares e outros, também se vê o desamparo existencial a que o chamado paciente faz jus em seu epíteto de paciente. Paciente demais, submisso demais: como diria o hino nacional, o organismo brasileiro deita-se no berço esplêndido da medicina. E nem falamos da medicalização dos problemas sociais...
A.M.
Obs.: Texto revisado e republicado.
PAIXÃO DO LUCRO
(...) O produto, de propriedade do capitalista, é um valor-de-uso, fios, calçados etc. Mas, embora calçados sejam úteis à marcha da sociedade e nosso capitalista seja um decidido progressista, não fabrica sapatos por paixão aos sapatos. Na produção de mercadorias, nosso capitalista não é movido por puro amor aos valores-de-uso. Produz valores-de-uso apenas por serem e enquanto forem substrato material, detentores de valor-de-troca. Tem dois objetivos. Primeiro, quer produzir um valor-de-uso, que tenha um valor-de-troca, um artigo destinado à venda, uma mercadoria. E segundo, quer produzir uma mercadoria de valor mais elevado que o valor conjunto das mercadorias necessárias para produzi-la, isto é, a soma dos valores dos meios de produção e força de trabalho, pelos quais antecipou seu bom dinheiro no mercado. Além de um valor-de-uso quer produzir mercadoria, além de valor-de-uso, valor, e não só valor, mas também valor excedente (mais valia).
(...)
K. Marx
sábado, 14 de outubro de 2017
O QUE É A OBRA DE ARTE ?
Na arte, a matéria se torna espiritualizada e os meios desmaterializados. A obra de arte é, pois, um mundo de signos que são imateriais e nada têm de opaco, pelo menos para olho ou ouvido artistas. Em segundo lugar, o sentido desses signos é uma essência que se afirma em toda a sua potência. Em terceiro lugar, o signo e o sentido, e essência e a matéria transmutada se confundem ou se unem numa adequação perfeita. Identidade de um signo como estilo e de um sentido como essência: esta é a característica da obra de arte.
(...)
Gilles Deleuze in Proust e os signos
A DIREITA AVANÇA
No ano passado, a extrema-direita austríaca demonstrou sua força ao perder por pouco a presidência do país e manteve intacta a aspiração de dirigir um futuro Executivo. Essa perspectiva esfriou na véspera das eleições legislativas deste domingo, mas o Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ) já pode proclamar um triunfo: posicionou sua receita anti-imigração no centro do debate, obrigando os oponentes a darem uma guinada à direita. Com esse cenário, o partido está mais perto de integrar o Executivo e, inclusive, de decidir quem será o próximo chanceler (primeiro-ministro).
(...)
Sarah Velert, El País,14/10/2017, 18:50 hs
O AVANÇO DO RETROCESSO
Aos 87 anos, o deputado Bonifácio Andrada (PSDB-MG) manteve por duas semanas esparramados sobre uma ampla mesa retangular de seu apartamento funcional uma dezena de livros comprados de última hora e volumes jurídicos emprestados da biblioteca da Câmara. Na terça-feira, dia 10, ao longo de 35 páginas, lidas em ritmo compassado em uma hora e quatro minutos, Andrada citou obras dos ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, para se manifestar contra a admissibilidade da denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o presidente Michel Temer. “Eu dei um parecer extremamente técnico, com uma solução jurídica. Se está a favor de Temer, é porque a situação jurídica do problema favorece a ele. A instituição da Presidência da República está enfraquecida. Não o Temer. Ele merece até aplausos”, disse, com a ênfase em “aplausos”.
Advogado de formação, ex-professor de Direito Constitucional, descendente do patrono da Independência e deputado de dez mandatos, com uma atuação bastante discreta, em seu parecer Andrada chamou a Polícia Federal de “teatral”, acusou a Procuradoria de incentivar a “perseguição” e questionou decisões judiciais. Alinhavou os argumentos jurídicos que considera necessários para que a Câmara rejeite o pedido do ex-procurador-geral Rodrigo Janot para que Temer seja processado por dois crimes comuns no Supremo Tribunal Federal.
Executou, assim, um dos atos fundamentais de uma ação ampla, pela qual a cúpula do poder político recuperou na semana passada uma parte importante do terreno conquistado pela Operação Lava Jato com a prisão de políticos e empresários enrolados em corrupção. Uma ação tocada no Legislativo e no Judiciário, pela qual Temer e o senador afastado Aécio Neves, do PSDB, saíram vencedores e o avanço no combate à corrupção foi o perdedor.
(...)
Patrik Camporez e Mateus Coutinho, Época, 13/10/2017, 20:08 hs
JOVENS FASCISTAS
Algumas famílias começam a manifestar que estão “espantadas”, como escreveu um professor de filosofia nas redes sociais, porque seus filhos estão indo para a extrema-direita. A notícia publicada dias atrás, neste jornal, de que 61% dos seguidores de Jair Bolsonaro são jovens despertou o mesmo alarme. Isso nos leva a perguntar o que está acontecendo com esses jovens e o que estamos oferecendo a eles.
Estarão despertando velhos, antes de terem tido tempo para sonhar?
É realmente muito triste descobrir que, em vez de serem como sua idade exigiria, de vanguarda, modernos, pacifistas, abertos ao mundo, os jovens parecem preferir a retaguarda dos mais conservadores e autoritários. Estarão despertando velhos, antes de terem tido tempo para sonhar? De quem é a culpa?
(...)
Juan Arias, El País, 13/10/2017, 20:18 hs
MIL ENCONTROS
Em tempos idos, trabalhamos o conceito de Encontro a partir de Espinosa, Moreno, Martin Buber e Deleuze-Guattari. Estes autores compuseram uma espécie de matriz teórica para pensar o encontro, considerando-se o próprio encontro com eles. No entanto, para além de um cais seguro,outros autores foram conectados, formando um extenso rizoma onde e por onde linhas de pesquisa se tecem. Mais ainda além e aquém de tais conexões, o conceito de encontro passou a ser engendrado no devir da Clínica em psicopatologia. Observamos: a cada processo terapêutico aparecem signos que enriquecem o conceito, tonando-o peça essencial na construção de uma prática-clínica da diferença. Alguns desse signos podem ser registrados como balizas existenciais numa aventura em plagas do novo, do indeterminado e do desconhecido. Mistério da subjetividade. Em primeiro lugar, o signo da loucura como o lugar do não-lugar das significações prévias. Deserto de valores, vazio de sentido. Em segundo, o signo da morte, da finitude, da perplexidade em face do fio tênue da vida atravessando os discursos. Em terceiro, a irreversibilidade do tempo que passa e não volta jamais, truísmo imbricado na economia psíquica, e por isso nem sempre valorizado. Em quarto, a inferência direta do fracasso monumental da estadia da humanidade na Terra e o seu pesadelo do qual não se desperta. Em quinto, a relação indissociável dos modos de subjetivação com as formas sociais expressas segundo a ordem do capitalismo aparentemente vencedor. Tais pontos de ancoragem do pensamento do Encontro com a diferença podem e devem transmutar-se em mil linhas de intervenção prática na clínica psicopatológica, de onde se pode extrair a alegria de experimentar novos encontros. Sem garantias de poder, felicidade, sucesso, dinheiro, prestígio, valores humanos, demasiado humanos, como diria o bigodudo alemão do século XIX.
A.M.
sexta-feira, 13 de outubro de 2017
Sonetilho de verão
Traído pelas palavras.
O mundo não tem conserto.
Meu coração se agonia.
Minha alma se escalavra.
Meu corpo não liga não.
A ideia resiste ao verso,
o verso recusa a rima,
a rima afronta a razão
e a razão desatina.
Desejo manda lembranças.
O poema não deu certo.
A vida não deu em nada.
Não há deus. Não há esperança.
Amanhã deve dar praia.
Paulo Henriques Brito
CAPITALISMO E ESQUIZOFRENIA - 1
A produção capitalística, em tempos atuais, se dá em escala planetária: a devastação da Terra. Por isso Félix Guattari criou o conceito de Capitalismo Mundial Integrado. O CMI significa a produção subjetiva e portanto material, ou o contrário, a produção material e portanto subjetiva. "Só existe o desejo e o social". Neste sentido, infere-se que o sistema capitalístico se afirmou e se afirma em tão amplas proporções por que domina e controla os indivíduos por dentro, produzindo subjetividades robotizadas (modos de pensar, sentir, perceber e agir) que giram em torno do valor-dinheiro como abstração concretizada em bens de consumo. A servidão imunda, consentida e querida: consome-se todo tipo de produto, incluindo sentimentos, valores, religiões, notícias, doenças, conhecimentos, assistencialismos, espiritualidades, etc. Ora, em tal universo, o sentido é produzido sem cessar como o mundo mais desenvolvido, mais avançado já alcançado pelo Homem, o que é atestado pela tecnologia científica. Sob tais condições, torna-se difícil pensar diferente, ou apenas pensar! Porque não há (aparentemente) um fora do capitalismo. O sistema abarcou tudo, tomou tudo, invadiu tudo até as estruturas do inconsciente. Estamos de fato num mundo delirante (Marx destaca o "fetichismo miraculante" da mercadoria no início de "O Capital"). A Crença é para todos. Atravessa países, cidades, continentes: uma busca enlouquecida pela felicidade no exercício diário do consumo faz do homem moderno uma engrenagem plástica (só há uma cultura...) da máquina do capital. Como resistir a tal insânia normatizadora, a religião do capital, a verdade revelada?
A.M.
Obs. : texto republicado
EFEITO NOCEBO
Em 2003, um experimento com 100 homens demonstrou como o cérebro nos engana. Todos eles sofriam de uma doença coronária, e todos eram tratados com o betabloqueador Atenolol. Um terço deles não sabia o que estava tomando. Outro terço foi informado sobre o nome do medicamento e para que servia. O terceiro grupo foi advertido sobre o risco de sofrer disfunção erétil. No primeiro grupo, só um dos pacientes efetivamente sofreu problemas de ereção; no segundo grupo, foram cinco. Já entre os que conheciam o efeito secundário, um terço (11 indivíduos) acabaram realmente enfrentando esse transtorno. Os cientistas chamaram isso de efeito nocebo, o contrário do placebo.
“Nocebo se refere a qualquer efeito negativo resultante de um tratamento simulado. Pode ser a piora de um sintoma ou a aparição de efeitos secundários”, diz a pesquisadora Alexandra Tinnermann, da Clínica Universitária de Hamburgo-Eppendorf (Alemanha). A cada pesquisa sobre esse fenômeno, 1.000 outras são feitas a respeito do efeito placebo. Além de agravar o estado de muitos doentes, o efeito nocebo está atrapalhando boa parte da pesquisa e gera dilemas na prática médica.
(...)
Miguel Ángel Criado, El Pais, 13/10/2013, 15:37 hs
FICÇÃO REAL
O cérebro mente porque a superposição mentecérebro é uma ficção. A mente não é visível. O cérebro é visível, ainda que por representações de imagens de laboratório.A mente, que preferimos chamar de subjetividade ou modo de subjetivação, é formada por processos do desejo-produção que se imiscuem no corpo e em sua alegria sustentada no nada.O cérebro, parte do corpo, é o próprio espírito, se chamarmos espírito de pensamento. Pensar é constituído de desejo,prenhe de desejo, materialidade de um corpo movido por intensidades múltiplas. Ninguém sabe o que pode um corpo, já dizia Espinosa. Ora, o corpo não é o organismo. Daí, a sua potência de viver e criar irradia-se para além do que a consciência, o eu, a razão, o indivíduo, o bom senso e o senso comum pretendem.Tais premissas fazem funcionar a proposta de uma clínica da diferença.Significa dizer que o próprio técnico em saúde mental está inscrito no trabalho da diferença, como cuidado de si voltado à expressão de singularidades. É que estamos sempre num dado contexto. Seja um Caps. Mais do que nunca, aí é onde o cérebro mente, pois no seu cotidiano pululam as heranças macabras do antigo manicômio. Hoje, travestidas em imagens, mas não menos ativas, sobrevivem enquanto arcaísmos clínicos.
A.M.
Obs. - Texto republicado e ampliado.
quinta-feira, 12 de outubro de 2017
CARTA AOS REITORES
Basta de jogo de palavras,
de artifícios de sintaxe,
de malabarismos formais;
precisamos encontrar – agora –
a grande Lei do coração,
a Lei que não seja uma Lei, uma prisão,
senão um guia para o espírito perdido
em seu próprio labirinto.
Além daquilo que a ciência jamais poderá alcançar,
Ali onde os raios da razão se quebram contra as nuvens,
esse labirinto existe,
núcleo para o qual convergem todas as forças do ser,
as últimas nervuras do espírito.
(...)
Antonin Artaud
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