PÁRIAS DA MENTE
Existe uma população oculta de psicóticos "apáticos" (que psicoses? seriam realmente psicóticos? quais os diagnósticos? etc) improdutivos, negativistas, apragmáticos, vivendo em suas casas, com suas famílias (ou não...), em cotidianos quase parados, organismos travados, figuras modernas de zumbis farmacologizados ou semi-farmacologizados...Não saem à rua, não realizam tarefas domésticas,não trabalham, não se divertem, falam pouquíssimo, atendem às solicitações mínimas, expressam rostidades debilitadas (existencialmente), enfim, mortos-vivos se arrastando no tempo à espera da morte. Constatei esse dado após haver realizado, durante vários meses, visitas domiciliares (como psiquiatra da secretaria de saúde da prefeitura e técnico do Caps II ) na cidade de Vitória da Conquista.O que fazer? Uma ideia simples (ou não tão simples) seria a criação de uma equipe técnica itinerante em saúde mental. Ela trabalharia esses pacientes no sentido de 1-melhorar a sua qualidade de vida, mesmo que eles não saíssem de casa; 2-obter um mínimo de capacidade de autonomia social, como por exemplo, ir à padaria comprar um pão, andar só, resolver pequenos problemas do cotidiano, etc; 3-reintegrá-los, dentro de critérios clínicos estabelecidos, à participação terapêutica no Caps ou outros serviços.; 4-reavaliar, clínicamente, a "verdadeira"psicopatologia que se esconde sob os escombros de existências malogradas, derrotadas, naturalizadas pelo fator social marginalizante; dito de outro modo: ele está de fato doente? Uma análise seria possível fora do modelo biomédico? 5-não construir uma espécie de cadastro dos irrecuperáveis, mas restaurar, inventar (ou tentar) uma atitude singular da chamada equipe em saúde mental para com vidas subjetivas destruídas, humilhadas, ofendidas; 6-por fim, trabalhar no sentido de separar o que é da psiquiatria (fatores bioetiológicos, quadro clínico, etc) do que não é, mesmo que pareça que seja: quadros nosológicos produzidos pela miséria sócio-familiar e pela cultura capitalística que penetram sorrateiramente os poros da subjetividade. São tópicos, entre outros, a serem pensados e elaborados no quadro de um projeto amplo da rede pública em saúde mental.
A.M.
Obs. - Texto republicado.
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