segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

lembranças 

quando amanhã for ontem
esperanças serão acervo


Líria Porto
BOLSO X MÍDIA

Os jornalistas que cobrem Brasília foram surpreendidos na semana passada com a mudança de regra que o novo Governo estabeleceu para a cobertura da posse do presidente eleito Jair Bolsonaro. Alegando questões de segurança, o staff de Bolsonaro limitou o espaço para o trânsito dos repórteres que terão de se adaptar a uma jornada mais engessada inclusive reduzindo a possibilidade de entrevistas com as autoridades presentes, uma etiqueta rotineira nas trocas de poder ao longo da democracia brasileira. Erro de cálculo do novo Governo ou uma maneira de Bolsonaro marcar posição do que será seu estilo a partir de agora perante a mídia? Eis a questão. O presidente que assume nesta terça já deu todas as indicações que travará uma relação crispada com a imprensa durante seu Governo, seguindo o estilo dos mandatários com quem se alinha, como Donald Trump ou o húngaro Viktor Orbán.
(...)

Carla Jiménez, El País, São Paulo, 31/12/2018, 17:37 hs

N O V A - Insensatez (How Insensitive)

A EXPERIÊNCIA POÉTICA

Quem sonda o verso escapa ao ser como certeza, reencontra os deuses ausentes, vive na intimidade dessa ausência, torna-se responsável por  ela, assume-lhe o risco e sustenta-lhe o favor. Quem sonda o verso deve renunciar a todo e qualquer ídolo, tem que romper com tudo, não ter a verdade por horizonte nem o futuro por morada, porquanto não tem direito algum `a esperança, deve, pelo contrário, desesperar. Quem sonda o verso morre, reencontra a sua morte como abismo.
(...)

Maurice Blanchot 

The Reunion of I - Phillip Chbeeb (NDT 2 | Significant Moments)

Uma Arte

A arte de perder não é de difícil lastro;
tantas coisas parecem prenhes de perda
que sua perda não constitui nenhum desastre.

Perca um pouco a cada dia. Aceite o arrasto
do molho de chaves perdido, a hora mal gasta.
A arte de perder não é de difícil lastro.

Então teste perder mais longe, mais rastros:
lugares, nomes, o destino de onde pensava passar
férias. E nada disso pressupõe desastre.

Perdi o relógio de minha mãe. E, ah, que impacto!,
a última ou penúltima das três casas que amei.
A arte de perder não é de difícil lastro.

Perdi duas cidades, que belas. E, mais vasto,
algumas terras, dois rios, um continente,
que saudade, mas não chega a ser desastre.

―Mesmo perder você (anedota na voz, gesto
que adoro) não deve enganar-me. Pois é claro
que a arte de perder não é de tão difícil lastro
mesmo que pareça (note!) um desastre.


Elizabeth Bishop

domingo, 30 de dezembro de 2018

Eu sou completamente a favor da separação da Igreja e do Estado. Penso que essas duas instituições já nos ferraram o suficiente por conta própria, então as duas juntas é morte certa.

George Carlin
O QUE VEM POR AÍ

A edição do "Diário Oficial da União" de terça-feira (1º), que vai publicar os primeiros atos de Jair Bolsonaro como presidente, deverá ter algo em torno 5 mil páginas. Essa é a estimativa de funcionários da Imprensa Nacional, responsável pela publicação, depois de advertidos para o grande volume de atos a serem assinados pelo novo presidente.

Na edição de terça, serão publicados todos os atos de demissão e nomeação de funcionários para cargos de confiança, os chamados DAS, e também os atos de reestruturação administrativa do governo.
(...)

Cristiana Lôbo, O Globo, 30/12/2018, atualizado há 50 min.

HENRY ACENCIO


O menino ia no mato
e a onça comeu ele.
Depois o caminhão passou por dentro do corpo do menino
e ele foi contar para a mãe.
A mãe disse: mas a onça comeu você, como é que o caminhão passou por dentro do seu corpo?
É que o caminhão só passou renteando o meu corpo e eu desviei depressa. 
Olha mãe, eu só queria inventar uma poesia.
Eu não preciso de fazer razão.

Manoel de Barros
CLÍNICA E TECNOLOGIA DA IMAGEM - V


O que é o Real? A psicanálise (lacaniana) diz que o real é impossível, pois vivemos num mundo essencialmente simbólico. Conforme essa doutrina, o real é lançado para os rumos da psicose, ou seja, rompido com a formação social no qual se inscreve. Quem tem acesso ao real é louco, é o louco em seu desvario. Uma insanidade, enfim. Ao contrário, pensamos ao modo deleuziano. O real não está dado, ele é produzido, sempre produzido. Resta saber por quem. Há toda uma questão ético-política de fundo... Os artistas, os videntes, os poetas, os revolucionários (não os "esquerdistas"), entre tantos outros, sabem disso porque experimentam o mundo na própria carne, melhor dizendo, no corpo sensível, desejante, nutrido de mil sensações. Se a psicose é o real, as "mil sensações" se tornam mil sintomas clínicos do transtorno que a psiquiatria biológica chama de "mental". A tecnologia moderna inunda o cotidiano com uma tal profusão de imagens que uma psicose (com mil sintomas) ocupa o lugar da esquizofrenia reeditando-a como "A" psicose. Assim, depressões, borderlines, retardos, paranóias, demências, drogadiçoes, fobias, pânicos, ansiedades, e tantos outros signos atuais do aniquilamento da subjetividade individuada, se somam e se aliam numa espécie de sopa coletiva psicopatológica. Tudo conduz à psicose. Mas nem mesmo a psicose sabe o que é o Real.

A.M.

MARC CARY TRIO, 2008

GRANDE LOUIS

Poucos artistas foram mal interpretados como Louis Armstrong (1901-1971), conhecido como Satchmo. Sua imagem pública era a do negro risonho, cantando com uma boca grande e dentes branquíssimos, disparando rajadas de trompete e secando o suor com um lenço. Onipresente durante cinco décadas, chegou aos primeiros lugares inclusive nos anos sessenta, com canções adoráveis como Hello Dolly e What a Wonderful World. No entanto, e foi tão revolucionário em seu tempo quanto Jimi Hendrix: com suas gravações dos anos vinte, transformou uma música grupal (o hot, o primeiro jazz) em expressão de solistas intrépidos, de grande talento físico e criatividade inesgotável.
(...)

Diego A. Manrique, El Pais, Madri, 29/12/2018, 18:48 hs

sábado, 29 de dezembro de 2018

A felicidade real sempre parece bastante sórdida em comparação com as supercompensações do sofrimento. E, por certo, a estabilidade não é, nem de longe, tão espetacular como a instabilidade. E o fato de se estar satisfeito nada tem da fascinação de uma boa luta contra a desgraça, nada do pitoresco de um combate contra a tentação, ou de uma derrota fatal sob os golpes da paixão ou da dúvida. A felicidade nunca é grandiosa.
(...)

Aldous Huxley

"O INSTANTE DA FOTO É UM ENGANO"

Como o primeiro passo é sempre o mais difícil, começaremos da maneira o mais simples possível. Bergson opera com conceitos que invertem completamente a nossa maneira habitual de pensar. O pensamento é sacudido por forças exteriores que nos levam para lugares novos! Mas tudo bem, é essa a intenção, afinal, para que mais serviria a filosofia? É por isso que estudar Bergson vale a pena, mas é por essa mesma razão que precisamos tomar cuidado para não tomar gato por lebre.

Sejamos claros: sentimos que existimos. Sentimos que a nossa vida é composta de inúmeros momentos que se compõem uns com os outros. Ontem era uma coisa, hoje já é outra. Mas não é tão simples assim. Se prestarmos atenção, veremos que estes momentos aparentemente distintos na verdade chegam lentamente, se arrastam vagarosamente, penetram desapercebidos. Estávamos em casa, saímos, andamos, chegamos em outro lugar. Estávamos tristes e pouco a pouco fomos ficando felizes. Quando olhamos de novo: Bam! Lá estão eles, todos os acontecimentos que achávamos ter deixado em outro dia, em outro cômodo. Por que isso acontece?

Separar o tempo em 60 minutos, 24 horas, 12 meses é a mais absoluta artificialidade que o homem criou. Inventamos isso. Mas não inventamos o tempo que dura uma estação, dando flores na seguinte. Qual o tempo do milho que cresce no campo? Qual o tempo para a fruta ficar madura? Quanto ficamos apaixonados? Cada um tem seu tempo, não é? Assim diz a ditado popular.

Pois bem, sentimos que passamos de um estado para outro, sentimos que mudamos sem cessar. Não há ponto de parada, o instante da foto é um engano, estamos mudando antes, durante e depois. Mas esta mudança é muito mais profunda do que poderíamos pensar em um primeiro momento. Pois bem, Bergson faz da mudança um dos pontos centrais de sua filosofia.

Nós mudamos sem cessar, essa que é a verdade, nossa natureza é um processo de fluxo constante que só percebemos quando a mudança se torna grande o suficiente para atrair nossa atenção. Movimentos imperceptíveis se tornam conscientes ao emergirem como mudanças drásticas. Fechamos os olhos para essas variações mais sutis, mas elas estão lá, como um vulcão que junta magma e pressão em seu interior, mas não percebemos. Quando ele explode, nos perguntamos espantados “como isso aconteceu?”
(...)

Rafael Trindade, do site "Razão Inadequada", acessado hoje.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

crime

mantive um amor reprimido
jamais traduzido em palavras
embora por anos a fio
rondasse o destinatário

o meu amor tão bonito
por mim desprovido de asas
(matei-o por asfixia)
vagou por aí qual fantasma


Líria Porto

ODILON REDON


quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

ADMIRÁVEL MUNDO NOVO


Profecia nietzschiana: o mundo caminha para se tornar um grande manicômio de portas abertas. Há uma banalização coletiva do que é chamado de transtorno mental. Quem é o louco? A psiquiatria cumpre a função de tratar/adoecer à medida em que recolhe os sintomas e os neutraliza com fármacos. Devidamente protegida pela neutralidade científica,  lucra e controla ad infinitum. O significante Deus só é ultrapassado pelo discurso psicótico. ("eu mandei Deus criar o mundo"). Um tempo fora dos eixos faz do progresso a pura velocidade (Virilio).Talvez se chegue a um ponto onde cada um de nós será terapeuta do outro. E vice versa.A mercantilização da alma já não necessitará dos valores de troca do mercado. Ela, a alma, já é cada vez mais o próprio Mercado íntimo da angústia por viver, abstração concretizada em imagens de imagens. Na análise do capital, só a grandeza de Marx percebeu isso, a fraude cósmica... a Coisa.

A.M.


Os pés e as mãos conhecem o desejo da alma
Fechemos pois a boca e conversemos através da alma
Só a alma conhece o destino de tudo, passo a passo.
Vem, se te interessas, posso mostrar-te.

Rumi
SEM LAMÚRIA

As duas maiores redes de livrarias brasileiras estão em recuperação judicial. O sindicato dos editores, inspirado na certa pelos caminhoneiros, quer tabelar descontos no primeiro ano de publicação. Um editor célebre clama aos amigos, depois de uma onda dolorosa de demissões, que deem livros de presente nas festas de fim de ano. Um grande livreiro se queixa diante do estoque repleto: “Não há mais leitores”. Outro, comedido, veste o boné do personagem de Carangos e motocas para passar um pito nos concorrentes que erraram ao investir sem lastro: “Eu te disse, eu te disse, mas eu te disse…”. O clima no mundo dos livros é de velório e recriminação. Então um amigo que, com atraso de anos, acaba de comprar seu primeiro Kindle me pede dicas de títulos sobre os Estados Unidos. Envio uma lista de 37 que li nos últimos meses. Não vejo televisão, não participo de nenhum grupo de WhatsApp, não tenho Facebook, raramente assisto à Netflix antes de pegar no sono, mais raramente vou ao cinema. Livros são meu mundo. Ler é, para mim, tão vital quanto respirar. Frequento livrarias desde criança. Entendo a dor de quem teme pelo fim delas. Mas não aguento mais tanta lamúria.
(...)

Helio Gurowitz, Época, 21/12/2018, 08:00 hs

ORQUÍDEAS ETERNAS


QUAL A CAUSA DO SUICÍDIO?

”Hoje decidi desencadear uma revolução ... Estou cansado de promessas quebradas", disse Abderrazak Zorgui olhando para a câmera em uma mensagem gravada na segunda-feira e postada logo em seguida nas redes sociais. Vinte minutos depois, ele se matou. Zorgui, um jovem jornalista em situação precária, morreu por causa de queimaduras enquanto estava sendo tratado no hospital. Com sua ação trágica pretendia imitar Mohamed Bouazizi, o vendedor ambulante cujo suicídio deu início à revolução de 2011. A poucos dias do oitavo aniversário da fuga do ditador Ben Ali Sátrapa, a agitação social aumentou rapidamente na Tunísia.
A decisão de Zorgui, 32 anos, não correspondeu somente ao desespero causado pela sua situação, mas tinha uma motivação política marcada pelo sofrimento de toda uma geração de jovens desempregados sem perspectivas de futuro. "Há pessoas que não têm absolutamente nada. Há regiões sem um tostão. Há gente que está morta mesmo estando viva", diz ele em seu vídeo, postado em redes sociais e amplamente compartilhado. "Vou protestar sozinho. Vou me imolar e, se alguém puder encontrar um trabalho graças a mim, ficarei feliz ... Talvez o Estado reaja", acrescenta.
(...)

Ricard González, El País, Túnis, 27/12/2018, 11:21 hs
A fome é mansa e casta. Quem não come não ama, nem odeia.

Nelson Rodrigues

quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

A Terceira Lâmina - Robertinho de Recife e Metalmania

DESAPARECIDA

Ela desapareceu ontem à noite:
Vestia sapatos obscenos
e aparentava a tristeza de um amor sem fim.
Sofre de alguns probleminhas mentais,
consequências de um passado
que não passa mais.
Foi vista pela última vez na noite de ontem,
na porta de sua casa.
Quem souber noti¬¬cias dela,
quem souber seu paradeiro,
por favor não diga nada,
por favor
me deixe em paz


Flávio de Castro
Não há nada que deprima mais o ser humano (mais depressa) do que a paixão do ressentimento.

Friedrich Nietzsche

LOVE, de Gaspar Noé, 2015

terça-feira, 25 de dezembro de 2018

NÃO EXISTE GOVERNO DE ESQUERDA (*)

(...)
Garantir o emprego e os direitos trabalhistas poderia ser uma outra diferença visível, mas o desemprego voltou a crescer e os direitos do trabalhador começaram a ser cortados já no governo de Dilma Rousseff, a última experiência que a população teve de um governo de esquerda. A reforma agrária poderia ser outra diferença, mas ela não avançou de forma significativa no governo de esquerda. O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), que hoje está sendo criminalizado pelo governo de extrema direita, se domesticou quando o PT estava no poder. O mesmo aconteceu com grande parte dos movimentos sociais, que viraram governo em vez de continuar sendo movimentos sociais, o que teria sido importante para garantir a vocação de esquerda do partido no poder. Esta, aliás, é uma história que precisa ser melhor contada.

Também nos governos do PT foram fortalecidos os laços com a bancada ruralista, que foi ganhando cada vez mais influência no cotidiano do poder, e se iniciou um claro projeto de desmantelamento da Funai (Fundação Nacional do Índio). Não é permitido esquecer nenhuma palavra de Gleisi Hoffmann atacando a Funai, quando era ministra da Casa Civil de Dilma Rousseff, assim como não é permitido esquecer nenhuma palavra da ruralista Kátia Abreu, ministra da Agricultura de Dilma, sobre as terras indígenas.
(...)

Eliane Brum, El País, 19/12/2018, 17:21 hs

(*) Gilles Deleuze in "Abecedário"
OS AMANTES 

        Tradução de José Jeronymo Rivera

 Quem os vê andar pela cidade 
 se todos estão cegos? 
 Eles se tomam as mãos: algo fala 
 entre seus dedos, línguas doces 
 lambem a úmida palma, correm pelas falanges, 
 e acima a noite está cheia de olhos. 

 São os amantes, sua ilha flutua à deriva 
 rumo a mortes na relva, rumo a portos 
 que se abrem nos lençóis. 
 Tudo se desordena por entre eles, 
 tudo encontra seu signo escamoteado; 
 porém eles nem mesmo sabem 
 que enquanto rodam em sua amarga arena 
 há uma pausa na criação do nada 
 o tigre é um jardim que brinca. 

 Amanhece nos caminhões de lixo, 
 começam a sair os cegos, 
 o ministério abre suas portas. 
 Os amantes cansados se fitam e se tocam 
 uma vez mais antes de haurir o dia. 

 Já estão vestidos, já se vão pela rua. 
 E só então, 
 quando estão mortos, quando estão vestidos, 
 é que a cidade os recupera hipócrita 
 e lhes impõe os seus deveres quotidianos. 


Julio Cortázar

ANDRÉ LOMBARDI


LULA DE DEUS

Em seu primeiro Natal no cárcere de Curitiba, Lula endereçou uma carta aos participantes de uma vigília por sua libertação. A certa altura, escreveu como se tentasse traçar uma analogia qualquer entre o seu martírio e o suplício de Jesus, "um marceneiro que foi perseguido pelos vendilhões do templo, pelos soldados e pelos promotores dos poderosos…" Oito meses de cadeia não foram suficientes para convencer Lula de que seu histórico penal o aproxima mais dos vendilhões do templo do que do Cristo. Tomando-se o Estado brasileiro como um templo, o presidiário petista é, hoje, o principal símbolo da usurpação desse espaço sacrossanto. 
(...)

Do Blog do Josias de Souza,25/12/2018, 08:50 hs

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

TERAPIA, O NOVO

A clínica da diferença em psicoterapia constitui-se como uma superfície invisível onde se registram formas sociais. Não é, pois, um encontro interpessoal. É que as duas pessoas em jogo (terapeuta e paciente) são também formas sociais. Elas se misturam a mil outras formas que transversalizam o Encontro como um território-nexo entre multiplicidades. Este dado empírico condiciona a que afetos de alegria estabeleçam linhas de base que impulsionam o processo da metamorfose subjetiva. É o motor, a máquina, a energia. o desejo (não metáfora) que consistem a materialidade do trabalho afetivo. Ainda que a terapia possa não avançar, não dê certo, não funcione, não atinja seus objetivos, enfim, fracasse, linhas intensivas da existência e o conteúdo dos afetos fazem do agenciamento de forças uma aventura do novo, uma potência. Como diz Deleuze, não há potência má. Isso implica em se encarar o abismo do sem-eu e do caos como resposta ao desafio de produzir sentido ao mundo. Uns conseguem, outros não. De todo modo, uma clínica da diferença, ao contrário de psicoterapias auto-intituladas de científicas, não coloca panos quentes em sintomas próprios do mundo civilizadamente violento em que vivemos, nem usa técnicas de adaptação passiva e resignada a esse mesmo mundo. 

A.M.

JESUS REVOLUCIONÁRIO

Quem sabe tudo, é porque anda muito mal informado.

Millôr Fernandes

domingo, 23 de dezembro de 2018

DESCONVITE 3

O futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, informou neste domingo (23) no Twitter que o Brasil não receberá representantes da Nicarágua na posse de Jair Bolsonaro como presidente da República. A posse está marcada para 1º de janeiro, em Brasília.
(...)

Por G1, Brasília, 23/12/2018, há duas horas

garimpo

esta procura tem um nome insanidade
passei da idade de tentar fazer sonetos
eu só consigo descrever cinzas e pretos
acho que o verso não alcança claridade

pelas gavetas prateleiras escondidos
ainda agarro pelo rabo alguns cometas
quero as estrelas não encontro suas tetas
sinto a fissura dos pequenos desvalidos

a minha escrita sempre foi penosa esgrima
desde menina que não tenho paradeiro
eu caço sapo com bodoque o dia inteiro
nesta esperança de catar melhores rimas

vasculho as glebas os grotões e quem diria

bateio o sol chego a pensar que a noite é dia


Líria Porto

ISSO É ANTIGO

Largo de Amaralina, Salvador, anos 50

CONSUMO DA PRODUÇÃO

Um excerto simples e objetivo do pensamento de Marx diria: o processo social é produção de mercadoria. Ora, para que essa mercadoria seja vendida (valor de troca) há que haver consumo. Assim, produção e consumo compõem uma equação, um círculo social de realimentação infindável. Isso não pára. Um detalhe a considerar é o de que a mercadoria não se serve apenas de objetos sólidos e visíveis (um celular, por ex) mas de qualquer objeto, incluindo os abstratos (sem forma e invisíveis). Trata-se de uma manobra do capital (para além do capitalismo) funcionando como operador de significados num plano subjetivo que ultrapassa a consciência. Sem dúvida, uma produção/consumo do Inconsciente passa a ser condição de possibilidade para formas de dominação nos tempos modernos. Por isso o ato de resistência à infâmia, à miséria, e a todos os atentados contra a Vida não encontra lugar nas antigas esquerdas, messiânicas (busca de um salvador) e teleológicas (um fim último para a história). Bem como, óbvio, na chamada direita. O caso da psiquiatria biológica é exemplar porque ela lida com objetos invisíveis (a mente, o pensamento, os afetos) e ao mesmo tempo os substitui como cérebro, objeto científico visível, sólido e mensurável. Fica mais fácil a produção, o consumo e o controle dos corpos. Não há ato de resistência e sim cumplicidade institucional e epistemológica com os poderes vigentes.

A.M.

Um café lá em casa com Arthur Maia e Nelson Faria

sábado, 22 de dezembro de 2018

pôr de lua

estou naquela fase
cheia de resumo

foge-me o verso
a rima escapole-me

peço a são jorge
lave-me leve-me

love me


Líria Porto
JESUS POLÍTICO

Se deixarmos uma criança pobre escolher um presente entre um livro e uma arma de brinquedo, provavelmente escolheria a arma. Ainda não sabe que as armas defendem contra a morte física, mas não contra a injustiça, a desigualdade social ou a tirania, que é do que mais vão morrer. Ninguém lhes explicou que, escondidas no livro, há histórias reais ou fantasiosas que as ajudarão a entender por que a felicidade não é alcançada com a violência, mas caminhando na vida de mãos dadas, sem desistir dos sonhos.
Natal significa, em sua etimologia, uma história de vida e não de morte, de alguém que nasceu há mais de dois mil anos, na Galileia, e em seguida seus pais tiveram de fugir com ele para o exílio no Egito, porque o imperador Herodes queria matá-lo. Tinha medo dele. Estava certo, porque quando cresceu aquele menino defendeu coisas que faziam tremer os poderosos que desprezavam os pobres e aleijados. Não abençoou os violentos, mas os semeadores da paz.
(...)

Juan Arias, El País, 22/12/2018, 10:32 hs

MARIA BETHÂNIA - Cântico Negro

O AMOR EM RITORNELO

(...)
O último movimento do amor é seu próprio abrir-se, desfazer-se, consumir-se, ultrapassar-se, como diz Camões, “é um cuidar que se ganha em se perder”. Existe toda uma nova relação com a loucura, com os perigos, afinal, não se pode permanecer em um território por muito tempo, não se pode manter o regime de forças que constitui o ritornelo porque seu próprio movimento é tão poderoso que o conduz para uma reabertura para o caos, ou, como Guattari o chamou: caosmos.

Talvez o verdadeiro amor seja aquele feito pra acabar, mas acabar porque diz sim! Talvez o verdadeiro amor seja aquele feito para nos jogar mais longe, pra nos fazer outro, uma catapulta de afetos! Ele muda, se transforma, se abre, se cria e recria. Nós nos abrimos no processo, nos deixamos levar, por confiança, talvez por atrevimento, alguns por familiaridade, outros por intuição.

Não podemos dizer com certeza, cada caso é um caso, mas o importante é dizer sim, mergulhar fundo e alcançar outras superfícies, uma nova suavidade. É preciso aceitar o eterno retorno do amor, que sempre retorna (para aqueles que dizem sim), mas sempre retorna diferente. É possível amar várias vezes a mesma pessoa, mas cada dia de um jeito diferente, quando menos se espera, nós mudamos e tudo ao nosso redor também.

É preciso desterritorializar amores, ele mesmo pede por isso, ele mesmo leva a isso. Este é seu último movimento, seu grand finale. Pode-se redescobrir o mesmo amor, de um jeito diferente, na mesma pessoa ou redescobrir o mesmo amor em outra pessoa. A melodia pode durar semanas ou anos, mas sempre há modulação: começa em Dó, mas pode terminar em Lá sustenido menor! Há tantos acordes de passagem que, mesmo na repetição, toda melodia se diferencia. O importante é aprender a amar em tom maior, sem se perder nos modos frígios, ou frígidos. É necessário encontrar uma cadência luminosa que nos prepare para novos horizontes!
(...)

Extraído do site "Razão Inadequada", visitado hoje.

Além da imaginação - A ligação - The twilight zone

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

O DESCONVITE

O Ministério das Relações Exteriores informou na segunda-feira (17) que convidou, e depois desconvidou, os chefes de Estado e de governo de Cuba e da Venezuela para a posse de Jair Bolsonaro em 1º de janeiro. A recomendação, segundo o Itamaraty, partiu da equipe do presidente eleito.
O Itamaraty divulgou a informação ao ser questionado pela GloboNews sobre a situação dos convites para a posse, em Brasília, dos presidentes da Venezuela, Nicolás Maduro, e de Cuba, Miguel Díaz-Canel.
(...)

Por G1, 20/12/2018, atualizado há 8 hs

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Entre ave e réptil

interessa-me
entre ave e réptil
a condição 
ambígua

confesso meu
fascínio por
essa corda estendida
entre uma e outra
palavra
e sua falsa noção
de equilíbrio

trago na raiz
do gesto o alvoroço
do circo

nervo reteso
lanço-me no ar
risco a 
superfície do inútil — e vôo!

por vezes 
uma palavra mais ágil 
me subtrai
do precipício

mas quase sempre 
me esborracho 
no chão 
em meu vôo solo
sem tambor nem
auxílio

reconfirmado
sísifo 
— amador de seu ofício —
alço-me outra vez
ao risco dos trapézios


Carlos Machado

EDUARDO MECENERO


VIDA: entre Schopenhauer e Niestzsche

Podemos explicar a visão que Schopenhauer tem da existência usando uma anedota que ele próprio contava: imagine que se pudesse bater nas lápides dos cemitérios e perguntar às almas que tranquilamente descansam se estas querem voltar à vida, certamente que elas responderiam negativamente pois finalmente encontraram seu descanso eterno. Não vale a pena viver: as felicidades não pagam as dores, por isso os mortos preferem continuar onde estão. Já para Nietzsche a terra é a única verdade, única salvação: afirmada em seu máximo ,mesmo com todas as dores, um eterno prazer em existir e uma confiança no devir. “Minha fórmula para a grandeza do homem é amor-fati” (Ecce Homo, Por que sou tão esperto, §10). Isso significa que quanto mais o homem é capaz de afirmar aquilo que lhe acontece, mais forte ele se torna para encarar o presente.
(... )

Do site Razão inadequada

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

CLÍNICA E TECNOLOGIA DA IMAGEM - IV

Como F. Guattari previu, vivemos tempos esquizofrênicos. Isso faz retirar do conceito de Capitalismo Mundial Integrado (Guattari, 1982) elementos teóricos contingentes e necessários a uma análise institucional. A produção social (econômica) estendeu-se à produção subjetiva (semiótica) como matéria prima, ou, como diz Foucault,  biopoder. A vida passa a ser produzida, e com ela, tudo que parece imitá-la. Antigos códigos sociais (por ex., na Idade Média, o código teológico) cedem lugar à auto-dissolução numa espécie de esquizofrenização generalizada do corpo social (socius). Não há mais eu, mesmo que pareça. Há, sim, um eu voltado às logísticas de manutenção do cotidiano. É possível olhar em torno: o cenário de dissolução do Sentido é devastador. Indagações da alma ("estarei vivo?")  atracam-se no território do corpo-imagem. Assim, pensar para além da simples cognição da realidade só se torna possível mediante a representação dessa realidade e não com e através dela. A realidade "real", o corpo das intensidade mundanas, cede a sua vez, seu número e seu lugar à teatralidade de um mundo em decomposição. Notícias de toda a parte chegam instantâneas. Registram as  linhas subjetivas do consumidor (orgulhoso) de ordens implícitas. Sem saber, é o desejo encalacrado nas dobras da alma: o capital.

A.M.

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

insônia

a boca escancarada da noite
os urros do silêncio
as teclas mudas

não tilintam os cristais
não estilhaçam a vidraça
amantes não sussurram
não há sinos de igreja
o mundo acabou
o relógio dorme
o tempo não passa

onde estão os latidos
os galos os gritos
os olhos do sol?

na cama
o corpo exausto
o vazio da tua ausência
e os mil anos desta noite
que nos engole
que nos vomita


Líria Porto
Quanto mais firmemente tentamos captar o momento, para manter uma sensação agradável ou definir algo de uma maneira que possa ser satisfatória para sempre, mais ilusório ele se torna. Costuma-se dizer que definir é matar. Se o vento parasse por um segundo para que pudéssemos capturá-lo, ele deixaria de ser vento. O mesmo é verdade em relação à vida. As coisas e os fatos estão perpetuamente se mudando e se movendo; não podemos reter o momento presente e fazê-lo ficar conosco; não podemos chamar de volta o passado ou manter para sempre uma sensação passageira de si. Se tentarmos fazê-lo, tudo o que teremos será uma recordação; a realidade não está mais lá e nenhuma satisfação pode ser encontrada nisso.
(...)

Alan Watts in O Espírito do Zen

domingo, 16 de dezembro de 2018

Uma prece pelos rebeldes de coração enjaulados.


Tennessee Williams
Caixa de costura

Venho costurando minha vida 
com linhas de saudade. 
Procuro equilibrar-lhes a cor 
para que o resultado final não seja triste. 
Por vezes, é o cinza que insiste; 
por vezes, impera o marrom. 
Ainda bem que tem saudade bonita; 
mudo o tom, amarro fitas, 
busco a outra ponta do novelo; 
intercalo a trama em amarelo. 
A saudade é assim mesmo, 
tecelã do tempo. 
Quando menos se espera, 
arremata o momento,leva embora, 
deixa a porta encostada, o cadarço de fora, 
e nunca avisa a hora de voltar. 
Ainda hei de costurar com verde florescente 
e, se a saudade chegar autoritariamente, 
vai se sentir enfraquecida. 
Enquanto procuro a cor, 
vou costurando a vida, 
sem saber qual vai ser o resultado. 
Caso ele não fique combinado, 
dou um nó, encosto agulha, guardo a linha, 
que essa culpa roxa não é minha. 

É uma artimanha branca do passado.


Flora Figueiredo

ARTHUR MAIA - Grooveland

SEM MÉDICOS

Uma área com 17 mil indígenas e 120 aldeias está na lista dos distritos indígenas que concentram 59% das vagas não ocupadas dos Mais Médicos. O Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) de Parintins, no Centro Amazonense, tem atualmente somente um médico atuando, conforme o diretor do distrito, José Augusto.
(...)

Paulo Paixão e Isabella Pina, G1, AM, 16/12/2018, atualizado há 2 hs
Quando partiu, levava as mãos no bolso, a cabeça erguida. Não olhava para trás, porque olhar para trás era uma maneira de ficar num pedaço qualquer para partir incompleto, ficado em meio para trás. Não olhava, pois, e, pois não ficava. Completo, partiu.
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Caio Fernando Abreu

RENATO RODYNER


sábado, 15 de dezembro de 2018

Convencido eu mesmo, não procuro convencer os demais.

Edgar Allan Poe
Em todas as línguas
        “O que é poesia, professor W?”

Os humanos cerebrais saíram
de suas casas
e estão atrás
das melhores respostas
Eu continuo aqui dentro
no meu pequeno jardim
e sinto germinar
a muda
semente do sonho:
amor-me-quer
amor-me-célula
Amor,
Me cure
Em todas as línguas:
beije minha margarida!


Lou Albergaria 

Pina Bausch - Extract from the Rite of Spring

Como uma pessoa pode gostar de ser acordada diariamente pelo despertador às 6h30, pular da cama, se vestir rápido, comer depressa, cagar, mijar, escovar os dentes, pentear o cabelo, lutar contra um imenso engarrafamento para chegar a um lugar onde essencialmente se faz muito dinheiro para outra pessoa e ainda ter que agradecer por essa oportunidade?
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Charles Bukowski
Eu nasci para estar calado. Minha única vocação é o silêncio. Foi meu pai que me explicou: tenho inclinação para não falar, um talento para apurar silêncios. Escrevo bem, silêncios, no plural. Sim, porque não há um único silêncio. E todo o silêncio é música em estado de gravidez.
Quando me viam, parado e recatado, no meu invisível recanto, eu não estava pasmado. Estava desempenhado, de alma e corpo ocupados: tecia os delicados fios com que se fabrica a quietude. Eu era um afinador de silêncios.
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Mia Couto

DIGITAÇÕES

A poética é uma máquina
Há um código central
Em que se digita ANULA
É a máquina do nada
Que anda ao contrário
Da sua meta
A repetição é a morte
Noutro código lateral
Digita-se ENTRA
E os cupins invadem o quarto



Sebastião Uchoa Leite



CLÍNICA E TECNOLOGIA DA IMAGEM - III

Numa acepção deleuziana, o acontecimento pode ser definido como um encontro de corpos, humanos e/ou inumanos, no qual e do qual emerge o Sentido. Assim. o sentido nunca é dado, nunca é "um estar lá", mas sim produzido no próprio ato do Encontro. É possível notar que a realidade virtual substituiu a realidade do Encontro (daí, a dos corpos) pela realidade da imagem, profusão de imagens sobre imagens, realidade descarnada, mas Realidade subjetivamente  assimilada como Verdade. Dissemos que a tecnologia da imagem não é um mal em si, mas um signo de poder acelerado a uma velocidade não captada pela Consciência. A velocidade é quem (sujeito) captura a consciência. Um encontro de corpos fica, então, descartado em prol da verdade da imagem, inclusive a imagem de si. Segue-se o empreendimento desejante de um profundo estilhaçamento do eu, beirando a psicose ou nela se instalando. Tempos esquizofrênicos, como previu Guattari. Ora, para uma psiquiatria atravessada por tais fluxos, há duas opções ético-políticas: 1- Encolher-se sob o discurso epistemológico das neurociências, detentor de uma verdade reificada, reificante e erguer o manto acadêmico como anti-autocrítica. 2-Abrir-se, estender-se sobre o campo social em suas formações discursivas caóticas e inventar clínicas à altura do horror dos tempos que correm. Fazer o acontecimento.

A.M.

ISSO É ANTIGO

Salvador, Barra, 1930

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

EM NOME DE DEUS

A Justiça de Goiás decretou nesta sexta-feira a prisão preventiva do médium João Teixeira Faria, de 76 anos, conhecido como João de Deus. Ele é acusado de abusar sexualmente de mulheres que buscaram atendimento espiritual na Casa Dom Inácio de Loyola, na cidade de Abadiânia (GO), a 120 quilômetros de Brasília, onde o religioso trabalha. O caso tramita em sigilo e o Ministério Público local afirma que, por isso, não se pronunciará a respeito.
Até esta sexta-feira, 335 mensagens e contatos telefônicos de mulheres que se apresentaram como vítimas do médium foram recebidos pelo MP. As acusações, que surgiram quando 13 mulheres revelaram os abusos durante o programa Conversa com Bial, da TV Globo, saíram de vários estados do Brasil e de ao menos seis países do exterior, como Estados Unidos e Suíça.
(...)

Diogo Magri, El País, São Paulo,14/12/2018, 17:30 hs
Açucareiro

De amargo
basta
o amor

Agridoce,
ela disse

Mas a mim
pareceu
amargo



Ana Martins Marques
OUTRAS AMPLIDÕES

(...)
Se o desejo é recalcado, não é por ser desejo da mãe e da morte do pai; ao contrário, ele só devém isso porque é recalcado e só aparece com essa máscara sob o recalcamento que a modela e nele a coloca. Aliás, pode-se duvidar que o incesto seja um verdadeiro obstáculo à instauração da sociedade, como dizem os partidários de uma concepção de sociedade baseada na troca. Vê-se cada coisa... O verdadeiro perigo não é este. Se o desejo é recalcado é porque toda posição de desejo, por menor que seja, pode pôr em questão a ordem estabelecida de uma sociedade: não que o desejo seja a-social, ao contrário. Mas ele é perturbador; não há posição de máquina desejante que não leve setores sociais inteiros a explodir. Apesar do que pensam certos revolucionários, o desejo é, na sua essência, revolucionário — o desejo, não a festa! — e nenhuma sociedade pode suportar uma posição de desejo verdadeiro sem que suas estruturas de exploração, de sujeição e de hierarquia sejam comprometidas. Se uma sociedade se confunde com essas estruturas (hipótese divertida), então, sim, o desejo a ameaça essencialmente. Portanto, é de importância vital para uma sociedade reprimir o desejo, e mesmo achar algo melhor do que a repressão, para que até a repressão, a hierarquia, a exploração e a sujeição sejam desejadas. É lastimável ter de dizer coisas tão rudimentares: o desejo não ameaça a sociedade por ser desejo de fazer sexo com a mãe, mas por ser revolucionário. E isto não quer dizer que o desejo seja distinto da sexualidade, mas que a sexualidade e o amor não dormem no quarto de Édipo; eles sonham, sobretudo, com outras amplidões e fazem passar estranhos fluxos que não se deixam estocar numa ordem estabelecida. O desejo não “quer” a revolução, ele é revolucionário por si mesmo, e como que involuntariamente, só por querer aquilo que quer.
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G. Deleuze e F. Guattari in O Anti-édipo

TULIPAS ETERNAS


Uma prece pelos rebeldes de coração enjaulados.


Tennessee Williams
A RÚSSIA NA VENEZUELA


A força aérea russa aterrissou nesta semana na Venezuela.

Quatro aeronaves – incluindo dois bombardeiros Tupolev 160 (Tu-160), com capacidade para transportar armas nucleares – pousaram na segunda-feira no Aeroporto Internacional de Maiquetía Simón Bolívar, nos arredores de Caracas – em uma demonstração de apoio da Rússia ao governo do presidente Nicolás Maduro.

O ministro da Defesa venezuelano, Vladimir Padrino, participou de um evento de boas-vindas às aeronaves e afirmou que elas fazem parte de exercícios de cooperação militar entre os dois países.
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Por BBC, 12/12/2018, atualizado há 2 dias

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Faço filosofia. Ser ou estar. Não, não é ser ou não ser, essa já existe, não confundir com a minha que acabei de inventar agora. Originalíssima. Se eu sou, não estou, porque para que eu seja é preciso que eu não esteja. Mas não esteja onde? Muito boa pergunta; não esteja onde. Fora de mim, é lógico. Para que eu seja assim inteira (essencial e essência), é preciso que não esteja em outro lugar senão em mim.
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Lygia Fagundes Telles