sábado, 29 de dezembro de 2018

"O INSTANTE DA FOTO É UM ENGANO"

Como o primeiro passo é sempre o mais difícil, começaremos da maneira o mais simples possível. Bergson opera com conceitos que invertem completamente a nossa maneira habitual de pensar. O pensamento é sacudido por forças exteriores que nos levam para lugares novos! Mas tudo bem, é essa a intenção, afinal, para que mais serviria a filosofia? É por isso que estudar Bergson vale a pena, mas é por essa mesma razão que precisamos tomar cuidado para não tomar gato por lebre.

Sejamos claros: sentimos que existimos. Sentimos que a nossa vida é composta de inúmeros momentos que se compõem uns com os outros. Ontem era uma coisa, hoje já é outra. Mas não é tão simples assim. Se prestarmos atenção, veremos que estes momentos aparentemente distintos na verdade chegam lentamente, se arrastam vagarosamente, penetram desapercebidos. Estávamos em casa, saímos, andamos, chegamos em outro lugar. Estávamos tristes e pouco a pouco fomos ficando felizes. Quando olhamos de novo: Bam! Lá estão eles, todos os acontecimentos que achávamos ter deixado em outro dia, em outro cômodo. Por que isso acontece?

Separar o tempo em 60 minutos, 24 horas, 12 meses é a mais absoluta artificialidade que o homem criou. Inventamos isso. Mas não inventamos o tempo que dura uma estação, dando flores na seguinte. Qual o tempo do milho que cresce no campo? Qual o tempo para a fruta ficar madura? Quanto ficamos apaixonados? Cada um tem seu tempo, não é? Assim diz a ditado popular.

Pois bem, sentimos que passamos de um estado para outro, sentimos que mudamos sem cessar. Não há ponto de parada, o instante da foto é um engano, estamos mudando antes, durante e depois. Mas esta mudança é muito mais profunda do que poderíamos pensar em um primeiro momento. Pois bem, Bergson faz da mudança um dos pontos centrais de sua filosofia.

Nós mudamos sem cessar, essa que é a verdade, nossa natureza é um processo de fluxo constante que só percebemos quando a mudança se torna grande o suficiente para atrair nossa atenção. Movimentos imperceptíveis se tornam conscientes ao emergirem como mudanças drásticas. Fechamos os olhos para essas variações mais sutis, mas elas estão lá, como um vulcão que junta magma e pressão em seu interior, mas não percebemos. Quando ele explode, nos perguntamos espantados “como isso aconteceu?”
(...)

Rafael Trindade, do site "Razão Inadequada", acessado hoje.

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