domingo, 10 de março de 2019

SÓ  PARA  LOUCOS

A linguagem poética constitui um território de significações que escapa às coordenadas da razão. Um sentido a se produzir. Desse modo, a busca de singularidades existenciais é facilitada pela aventura de se ler um poema e implicar-se a ele. O que isso quer dizer? Quer dizer formar e firmar conexões afetivas com um ou muitos pedaços do poema ou do poema como um todo, mesmo sabendo que não há todo. Não há todo porque as multiplicidades heterogêneas do texto nunca fecham um sistema ou tamponam um devir. O processo do desejo é irreversível. Ou seja, sem volta. A poesia é isso: multiplicidades do leitor se ligando a multiplicidades do poema na busca de... uma diferença. Ler um poema não é como ler um ensaio de sociologia, por exemplo, mas sim escutar os versos como se escuta uma música ou se sente no corpo as vibrações das cores de um quadro de Emil Nolde, ou no mesmo corpo e ao mesmo tempo o ritmo de um improviso de jazz. Poesia não foi e não é feita para interpretar porque ela já é uma interpretação ou mil, cem mil interpretações da realidade. Quando se está apaixonado (isso deveria ser sempre) a poesia cobre e recobre as superfícies do mundo numa película fina de delicadeza, suavizando os pedregulhos das estradas mais longínquas e inóspitas. Tal como em "Asas do Desejo" (Wim Wenders, 1987), o Anjo amante do tempo está transfigurado por avistar a trapezista no seu camarim, não por ele ser um anjo, mas por haver entrado enfim, num devir-humano, devir-mundo, devir-risco, devir-perigo, devir-paixão. Para sempre.

A.M.


Obs.: texto revisado e republicado.

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