UMA ESTRELA DANÇANTE
Deus não é uma ideia inteligente. Não que esteja em discussão a sua existência. A questão é outra. Trata-se essencialmente do exercício de um pensar tosco, capenga, processo subjetivo que estanca na crença-ideia transcendente no Divino (fora da Terra e do Homem). Ao mesmo tempo diz que Deus está aqui entre nós, que nos vigia e nos pune, nos premia, nos absolve, nos salva, etc. É bem verdade que há religiões em que esse elemento de crença não é tão marcado, mas na maioria há de fato um "sair da Terra, um além túmulo". Pior, tornamo-nos sequelados pela concepção antropomórfica de Deus como uma projeção do Homem: imagem e semelhança. Espinosa é uma exceção, o zen budismo também... Acresce a tudo isso a tortura de existirmos sob a forma-Religião (qualquer uma) que, sob o pretexto de "resolver" o enigma da existência, provê aos seus fiéis uma sociabilidade confortadora e salvadora frente ao Horror que a vida encerra, evitando colocar o Júbilo como a sua contrapartida. Em suma, é uma instituição poderosa que atravessa os tempos da humanidade. Distinguimos, por isso, Religião de experiência espiritual, esotérica, mística, cósmica, expansão da consciência ou qualquer outro nome que se queira dar. O essencial a reter é que no fundo dos modos de subjetivação está o pensamento como afeto (desejo) que nos faz pensar "seguindo sempre a linha de fuga do vôo da bruxa". Trata-se de um percurso existencial doloroso e que poucos suportam, ou se suportam é à custa de terríveis sofrimentos da alma. Ora, tais sofrimentos (não necessariamente cristãos) são indispensáveis à construção de uma superfície (o corpo das intensidades livres) de criação, invenção, alegria suspensa no nada (como nas crianças), proliferação de devires, mesmo nos mais ínfimos, imperceptíveis e solitários acontecimentos. Abre-se, assim, uma clareira para a diferença. E então, "é preciso ter caos dentro de si para dar à luz uma estrela dançante", como diria o alemão bigodudo do século XIX.
A.M.
Chegar a esta compreensão é uma iluminação...A síntese perfeita de uma das minhas ,se não todas,as dores .Gratidão por sua partilha...
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