Universo da diferença
Nada é estável. Mesmo a natureza, com seu cortejo teológico (produto humano) anexado à crença numa “maternidade”, é mutante e fluida. Mãe-natureza, você nos socorre? Nada.Não há garantias, salvação ou igualdade de direitos. Quem estabelece os direitos? A natureza é em essência cruel e indeterminada, ainda que bela. Esqueça a moral. O argumento da prática é o empírico invisível e fugidio. Defensores do estado (e do mercado) se pegam em discursos intermináveis e abstratos. Eles querem mais é controlar a natureza. Ao contrário, o universo da diferença não tem controle, não tem cronos, não tem consciência.Tudo é artifício. O caos se avizinha num tom musical. Aproveite.A questão é a da vida. Encontrar quem o socius codificou como o excluído, mesmo que, pela via da ciência, seja o incluído. As palavras iludem e fazem de um problema, a solução. Inverta a frase: faça da solução um problema. Nada a compreender, mas a aceitar, a conectar, a captar, a sentir. Quem delira espaços, culturas, povos, cidades, políticas e a abertura do cosmos? Quem habita zonas produtivas e povoadas do inconsciente? Como chegar às angústias do seu mundo? A psiquiatria tipifica um megafracasso. A psicanálise, arrogante, brocha. Estamos a buscar espíritos sensíveis sem o bom senso do cristianismo secular. Traçar linhas da existência onde o capitalismo vacila. Investir um risco infinito: afinal, quem é você? Não uma identidade, estou certo. A hora do sonho cedeu lugar à exigência de uma tarefa clara. Foi ao banco? Pagou suas contas? O coração da gente é o de uma rua da metrópole. Hoje, o alimento dos deuses do capital fez de órfãs entranhas edipianas: escravizaram-nas. Resistir, sim, resistir na medida em que nasça o inumano em nós. Estar em carne, mesmo em espírito. Viver de paradoxos. Não estar à margem, mas ser a margem.Pertencer ao universo que deixa o tempo entoar canções sem dono. A psiquiatria não quer isso. Ela odeia a diferença. Não combina. Tem ares de um saber espúrio.Tampouco a sociedade estabelecida. Ela se alimenta de narcisos. Há boas intenções, sabemos. Sempre há. Afinal, o humanismo marcou nossos gens. Mas um riso sem motivo tornou-se o motivo do riso. A hora do acontecimento se aproxima.
A.M.
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