Transição
ao tirar o sutiã soltava os peitos
o recheio todo feito de algodão
precisava ser mulher de qualquer jeito
o seu corpo foi fazer revolução
começou por arrancar aqueles pelos
que habitavam suas pernas sua cara
e deixou que lhe crescessem os cabelos
e vestiu roupa de flor — a que sonhara
já não era decassílabo o soneto
muito menos o heroico alexandrino
travestiu-se de mulher algo divino
caminhava pelos becos pelo gueto
como fosse a mais bela das rainhas
e ostentasse uma coroa com espinhos
relembranças e esquecimentos
raro o ano que mamãe não tinha filho
quatro meninas dois meninos duas meninas um menino
uma fileira de nove rebentos e o corpo acostumado
com criança dentro
:
velhinha mamãe tinha
criança dentro
violência
não tenho medo da vida não tenho medo da morte
tenho medo é da ferida — e da lâmina
e do corte
Líria Porto
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