QUAL DEPRESSÃO?
A depressão não é uma doença. Para dizer isso, é preciso sair do modelo biomédico. Não significa que esteja ausente o sofrimento depressivo, antes, pelo contrário. São afetos destrutivos, matizados por vivências devastadoras para a sobrevivência subjetiva, mesmo que o organismo por vezes esteja hígido, intacto, funcionando. Assinar o ponto, a obrigação. Ora, se a depressão não é primariamente uma doença fora do sentido biomédico, é sim um estado psíquico desprazeroso, variável em sua gravidade, segundo os fatores que lhe são determinantes. Há uma variação infinita, vetores abstratos não menos reais e atuais. Queremos pontuar um aspecto singular, o de que ela, a depressão, codificada pela mídia inculta como "o mal do século", tem a sua gênese estritamente ligada à condição humana encravada no "social", o que implica em perdas sucessivas, mortes simbólicas ou reais, e acima de tudo, o estilhaçamento dos valores da sociedade industrial burguesa. O mundo como hospício. Tais valores não são externos à subjetividade. Eles são linhas desejantes que balizam as certezas de quem somos, ou seja, das crenças. Tempos niilistas: em que ou em quem acreditar? Talvez as crenças não mais nos sirvam, pelo menos para uma vida alegre e potente. Não mais para uma uma vida leve. Resta um grande buraco existencial, a depressão in vivo, sofrendo na pele, no corpo, nas vísceras, no olhar, no rosto, nos corpos doloridos e mortificados, a brutalidade dos fascismos à mão cheia e a erosão de sentido dos dias que correm. Os poetas sabem.
A.M.
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