Este blog busca problematizar a Realidade mediante a expressão de linhas múltiplas e signos dispersos.
sábado, 31 de dezembro de 2011
Minorias
Antonio Moura
A Hora se aproxima com hálito forte. De pé, ante as correntes, o rio não volta. Fale para ela, a Hora, que os signos batem à porta. Quanto aos meus limites, não são mais. Estou solto. Ouvi conversas à beira do cais. O abismo aprofundou casas de pau à pique. Escutei um coro de metais. Entrementes, putas rasgaram a noite. Avisei aos neurônios: andem em matilhas. Nem ligaram. Por isso, as ordens acabaram saindo do útero da terra. Ah! De novo? Vítimas choram os horrores do capital. O capital é o tal. Abriram a boca, roçaram a língua nos lábios de uma câmera de TV. E desceram mais e mais na busca dos prazeres curvos. Mas tudo mudou. Um óleo branco esparramou-se pela calçada. Bruxas no pedaço. Boa noite, lua, pode entrar. Lhe conto as desventuras dos rebanhos humanos. Me redimi. Já que chegaste, menina, encolha os ombros sobre a fronte-gelo. Me seduza. Você é o rosto e o andar esgueirado das mulheres do pântano. Fragmentos do sexo, um santo remédio. Meu negócio é, pois, escutar quem não me escuta. Por isso escolhi como líder a convicção do ínfimo. O jeito dos sem jeito. Hoje já nem sei dizer quem eu era . Alguém exibiu a cédula de identidade. Fui aceito? A hora se afinou num segundo de brincadeira. Jogou com as estações do corpo. Afinal, minorias chegam sempre alegres. Como não ser decepcionante para a maioria? Tempere a gosma da saliva ácida. Misture os nomes pérfidos. Diga que os ama. Penetre os dogmas da interioridade mais preciosa. Finja que está nas esporas dos cavalos selvagens. Só para assustar os néscios, dirija para a amada tudo que você sempre sonhou. A condição é a de que não exista amada, mas amadas. Vista-se de você mesmo, contanto que seja você o primeiro a se despir. Saia de si. Vá para outros cantos, entoe cantigas de parto prematuro no meio da mata. Jogue a metáfora no lixo da linguagem douta. Isso basta.
O TEMPO É CRIAÇÃO
A burocracia do calendário avança: no entanto, silencioso, invisível, implacável, o Tempo-do -Acontecimento não pode ser espacializado. Amanhã, primeiro dia de 2012, ele não muda. Nós é que estamos mudando, sempre submetidos à sua grandeza. Uma irreversibilidade empurra a repetição para mais outra repetição e outra e mais outra até o infinito... de onde brota a diferença. Trata-se de uma linha existencial difícil de seguir. Por isso, muitos escolhem Cronos, o deus dos relógios.
Antonio Moura
sexta-feira, 30 de dezembro de 2011
UM DEUS INUMANO
Numa visão espinosiana, crer no Deus cristão é reproduzir a relação dirigente-comandado, governante-governado, rei-súdito, patrão-empregado, senhor-escravo,etc; assim, o pensamento se mantém prisioneiro de uma relação entre seres humanos, ou, dito de um modo cristão, numa relação entre pessoas. Deus é uma pessoa. No entanto, basta considerar a existência do infinito (tempo-espaço) para jogar por terra essa bobagem humanística. Não há dimensão existencial, espiritual, que compare em grandeza a finitude humana com o cosmos. Daí, nessa matéria, a atitude mais honesta e inteligente seria a do agnóstico, do materialista, do ateu e do trágico.Pena que essa "bobagem humanística" convença a tanta gente e produza subjetividades atoladas no medo e na servidão voluntária.
Antonio Moura
O CONSUMO DA DEPRESSÕES
Reduzir toda a complexidade do fenômeno depressivo ao funcionamento dos neurotransmissores é um insulto à inteligência dos pesquisadores do tema. No entanto, isso é o que empreende, nos dias atuais, a clínica da chamada psiquiatria biológica. Volto ao assunto, ainda que de passagem, porque ele não sai da mídia nem dos consultórios nem dos ambulatórios nem das mentes colonizadas nem dos meios acadêmicos mais respeitáveis.
Antonio Moura
OUTROS MUNDOS
Já disse que sempre lidei com regiões para além do mundo visível, mas não disse que fazia isso sozinho. Isto, nenhuma criatura humana pode fazer; sem o apoio de outro ser vivo, qualquer um sucumbiria inevitavelmente em meio à companhia daqueles que não vivem, ou melhor, que não vivem mais (...)
H. P. Lovecraft - O túmulo
quinta-feira, 29 de dezembro de 2011
A REVOLTA
Que vem a ser um homem revoltado? Um homem que diz - não. Mas, se ele se recusa, não renuncia: é também um homem que diz sim, a partir do seu primeiro movimento. Um escravo que durante toda a sua vida recebeu ordens considera subitamente inaceitável uma nova ordem. Qual o conteúdo desse "não"?
(...)
A. Camus - do livro O homem revoltado
QUEM SOFRE?
Problematizando tais sofrimentos teríamos: que afetos[2] compõem o sofrimento do psicótico? Qual a “natureza” de tal sofrimento? A família (e a sociedade) sofrem pelo paciente ou sofrem por si mesmas? O psicótico vive sob um estigma. Ou seja, sendo ele próprio um estigma, carrega sobre si a instituição da doença mental[3] e o que lhe é imanente: a vontade de controlar. Assim, a psiquiatria é atravessada por um objetivo maior e inconfessável: controlar, extinguindo, se possível, o sintoma dos que são diagnosticados como doentes. Numa sociedade de controle como a do século XXI,[4] este ato se inscreve em modos de subjetivação apassivados. O sofrimento psíquico do paciente torna-se tributário de um modelo de pensar que representa a subjetividade como um eu agônico e/ou estranho aos padrões sociais. Apesar da pergunta “o que você sente?” ser obrigatória na propedêutica médica, o interesse maior é detectar os sintomas produtivos( delírios e alucinações) e o que eles implicam como dano às condutas sociais. Incomodam? Pelo menos, no caso das psicoses, isso é buscado pela psiquiatria, já que o sofrimento só é levado em conta como dado objetivo. O paciente sofre de que? Ele sofre porque está doente. Esta é uma afirmação redundante e ao mesmo tempo insuficiente para se chegar ao universo de sentido psicótico. Na verdade o paciente sofre de si mesmo, do que lhe foi feito, inclusive por ele mesmo. Mas não é um sofrimento do eu ou da consciência dita alienada. Não é um sofrimento racionalizável ou humano. É um afeto triste que vem do mundo e corrói em maior ou menor proporção suas produções de desejo. Trata-se do corpo. Os afetos que compõem o seu sofrimento são afetos do corpo, são o próprio corpo em processos de anti-produção. Quando dissemos “ do mundo”, significa que a origem da doença está na sensação de si que ele experimenta, ao tempo em que o mundo lhe devora, mesmo que esse mundo seja, por exemplo, um circuito sináptico no interior do seu crâneo. O mundo é o paciente e vice versa. Essa é a base conceitual para se pensar o sofrimento como “sofrimento do mundo” ao modo poético de dizer . O paciente recolhe do mundo afetos tristes que o destroem por dentro. O eu, um artefato psíquico útil para a comunicação, é atingido. Ele não mais coordena ações práticas ou o faz com dificuldade. Assim, surge a pergunta clínica: um apragmatismo social se revela com que afetos? O que sente aquele que rompeu com os códigos sociais vigentes? Sente-se doente? (...)
Antonio Moura
[2] Os afetos são a expressão e a materialidade do desejo no nível do encontro entre os corpos. Referem-se ao aumento ou a diminuição da potência de existir do paciente. Cf Deleuze, G.,Espinosa – Filosofia prática, S. Paulo, Escuta, 2002, p. 55 a 58 e 73 a 79, principalmente.
[3] Referimo-nos à instituição da doença mental no sentido que lhe dá a Análise Institucional: forma social abstrata ou forma de relação social que se operacionaliza em organizações e/ou dispositivos.
[4] Cf Deleuze, G., Post-scriptum sobre as sociedades de controle in Conversações, Rio, Ed. 34,1992, p.219.
quarta-feira, 28 de dezembro de 2011
UM ESTRANHO MUNDO REAL
Carter pôs-se a rastejar então silenciosamente através das ruínas, esgueirando-se lentamente até a grande praça central e os leões alados. A operação era delicada mas as bestas lunares estavam muito ocupadas com a sua diversão e não ouviram os leves ruídos que ele acidentalmente produziu, por duas vezes, nas pedras espalhadas. (...) (...) Terrível é a lembrança daquela tenebrosa descida em que as horas passavam enquanto Carter girava e girava descendo, às cegas, por aquela interminável, íngreme e escorregadia escada espiral (...)
H. P. Lovecraft - do livro À procura de Kadath
TEMPO INUMANO
2011 está se ultimando, mas isso nada quer dizer. Reveillon é coisa (mais uma vez) do Consumo Instituído no capitalismo da alma. Produção de ilusão. Nada contra a festa, mas ela pode acontecer em qualquer lugar e hora. Até ser invisível e silenciosa. Daí, não costumo interpretar o tempo. Saber o que significa o tempo? Nada. Prefiro um tempo liso e livre, aberto ao novo, o que de fato ele é...quer se queira, quer não. Prefiro ser " órfão do tempo", do tempo espacializado, do tempo cortado, medido,quantificado, dosado.... Como diria Bergson, o tempo não está em nós, nós é que estamos no Tempo. Tudo muda a partir dessa perspectiva. Novas subjetividades se tornam possíveis...
Antonio Moura
IMPRESSÕES À PROVA
Antonio Moura
O psiquiatra viaja em mundos distantes. Arrisca saltos no abismo em patologias vistas de perto. Quem é você? Que se passa? Mete-se no tempo das noites loucas do Santa Mônica [1] . Tão longe estão, quanto intactas e livres. Houve um tempo que não passou e passou. Nutre-se de paradoxos. Faz rir. O psiquiatra lembra que não há mais tempo. A hora esgotou-se como seringa descartável. O tempo deixou de ser um espaço , mesmo que de dança. Não mais que ontem, o tempo-passagem embriaga e dissolve espaços. As palavras soam bobas. Situações densas se quebram. O psiquiatra se desloca pelos campos verdes do pensamento, aspira blocos de manhãs. Elas ardem na pele dos seres que ficavam. Café da manhã com luz queimando os olhos. O dia se avizinha. Prontuários entre canções de ninar. Manhãs insistem. Plantões voltam sempre, deitam no plantonista que se esvai em sofrimentos deliciosos. É hora de dormir com a manhã. Antes, a insônia compunha os insanos. O círculo da velha juventude e a gargalhada dos pacientes seguiu os passos de um tempo a se fazer. Agora. Nenhuma crença move o passado. Não há falta. Um corpo muda e permanece na pele do sol que queima o filme de remédios na veia. Dois dois. O psiquiatra trabalha sem saber de si. Os olhos da loucura arregalam a manhã para além dos muros. Ele sabe que não sabe o instante seguinte, ou onde estará o companheiro Marx. Marx! Marx! Suas pesquisas incluem a dor de existir tão profunda quando a aparência dos que vivem das batidas incertas do mundo. Alguma coisa empurra o humor não psiquiátrico para uma alegria suspensa no ar. Sem garantias. Companheiros de textos constroem em sua carne espiritual, infinitos à mão. Entre si olham retinas ainda não cansadas pelos ardis da miséria. Uma máquina de fazer o cosmos no mais rente ao chão, se esboça. O psiquiatra fala do passado para construir pedaços dispersos de memória vã. Sem retorno.
[1] Hospital psiquiátrico particular situado em Salvador, Bahia. Nos anos 70 , a equipe técnica atuava sob a influência das idéias que questionavam a própria existência do hospital como modelo de tratamento.
terça-feira, 27 de dezembro de 2011
FLUXOS DE SIGNOS
O bar. Lógico. Dava para a rampa do portão de embarque. Sentamos ali, mas o garçom fingiu que não me viu. Garçons de bar de aeroporto, concluí, são esnobes que nem os carregadores de bagagem nos trens de antigamente. Sugeri a Garson que, em vez de gritar com o cara, como ele (o garçom) queria, pegássemos uma mesa. E foi o que fizemos.
Estávamos cercados por gatunos bem-vestidos, com ar de entendiado, de bebidinha na mão, conversando em voz baixa e esperando a chamada do vôo. Garson e eu sentamos e olhamos pras garçonetes.
-Que merda - disse ele -, olha só, o vestido delas é feito de um jeito que não dá pra enxergar a calcinha.
-Hummmm hum - retruquei.
(...)
(...)
Charles Bukowski do livro Fabulário geral do delírio cotidiano
NÃO HÁ SUJEITO
O sujeito não é evidente: não basta pensar para ser, como o proclamava Descartes, já que inúmeras outras maneiras de existir se instauram fora da consciência, ao passo que o sujeito advém no momento em que o pensamento se obstina em apreender a si mesmo e se põe a girar como um pião enlouquecido, sem enganchar em nada dos Territórios reais da existência, os quais por sua vez derivam uns em relação aos outros, como placa tectônicas sob a superfície dos continentes.
F. Guattari - do livro As três ecologias
DEPRESSÕES
Antonio Moura
Contudo, o corpo do deprimido está submetido ao organismo. Neste não há o tempo de Aion e sim o tempo de Cronos. Síndrome de Cottard [1] , mergulho nas profundezas das vísceras apodrecidas. O deprimido costuma recitar os enunciados estabelecidos e não seguir as linhas da produção desejante. Ele não vive. Apenas sobrevive. É um ser molar, composto por identidades estáveis, regendo o concerto da morte em vida. Vivências paranóides não são incomuns. A baixa do humor condiciona juízos persecutórios. Do mesmo modo, as funções psíquicas como um todo estão alteradas: consciência, eu, sensopercepção, pensamento, memória, atenção, inteligência, fala. A angústia às vezes compõe o quadro, mas diferencia-se do humor depressivo pela sua forma plástica expressando sofrimentos indizíveis. Mais conhecida atualmente como “ansiedade”, é uma experiência de mal-estar psíquico com repercussões somáticas, mas que não evidencia a destruição física e mental tão marcante nas depressões. Depressão e ansiedade tem “naturezas” diferentes, ainda que possam vir juntas. O deprimido “quer” morrer. O angustiado (ou ansioso) não quer “necessariamente” morrer. Talvez busque uma “saída” para a vivência de pânico, de fobia, de um incômodo mal caracterizado. Quanto à linha suicida do deprimido, claro, nem sempre leva à morte do organismo. A linha de sofrimento do angustiado é o corpo se debatendo contra demônios (fantasmas), ainda que em desvantagem e fracassando sempre. Uma angústia intensa pode levar uma depressão a se tornar “agitada”. Essas diferenças, expressas em metáforas devido às nuances vivenciais com que se mostram, são de grande valor na opção terapêutica adotada, tanto farmacológica quando psicológica. A inibição psicomotora “pura” marca o negativismo e o mutismo, dificultando um diagnóstico diferencial. Contudo, essa inibição extrema confere ao rosto do paciente uma inexpressividade que é também uma forma de expressão. Daí a percepção dos menores gestos ao exame (...)
[1] Cronos é uma leitura do tempo que representa o presente dos corpos e das causas, enquanto Aion representa o tempo que expressa os acontecimentos ou efeitos de superfície, os devires. Na síndrome de Cottard, o paciente cai nas profundezas do organismo e diz:”não tenho mais coração, meu estômago apodreceu...”, cf Deleuze, G., Lógica do Sentido, São Paulo, Perspectiva, Ed. Da Universidade de São Paulo, 1974, p. 167 e seguintes.
O INCONSCIENTE PRODUZ REALIDADES
Não negamos que haja uma sexualidade edipiana, uma heterossexualidade e uma homossexualidade edipianas, uma castração edipiana - objetos completos, imagens globais e egos específicos. Negamos que sejam produções do inconsciente. Mais ainda, a castração e a edipianização engendram uma ilusão fundamental que nos faz crer que a produção desejante real é passível das mais altas formações que a integram, submetem-na a leis transcendentes e fazem-na servir a uma espécie de 'descolamento' do campo social em relação á produção do desejo, em nome de que todas as resignações são justificadas por antecipação (...)
G. Deleuze e F. Guattari - do livro O anti-édipo
segunda-feira, 26 de dezembro de 2011
FLUOXETINA NOS TANQUES DA CIDADE?
Para uma clínica da diferença, o diagnóstico (preciso) de depressão é muito importante. Até no mínimo para se poder responder a pergunta: é depressão? Ora, como a psiquiatrização da sociedade e da condição humana são uma realidade dos tempos contemporâneos, vale discernir o que é e o que não é depressão. Por isso, talvez seja preciso dizer coisas simples: tristeza não é depressão. Depressão é em "essência", o esvaziamento energético do corpo sem órgãos em prol da hegemonia do corpo-organismo ( de onde a medicina extrai mais-valia de prestígio). Este organismo passa a ditar as regras do existir. Elas se encaixam no crono-tempo, o tempo do capital, quando "não se pode perder tempo". Em resumo, o corpo-desejo e o tempo do devir são substituídos pelo organismo anátomo-funcional e pelo crono-tempo. Cota zero. Stop. A vida parou? ou foi o automóvel? disse Carlos, o poeta...
Antonio Moura
PRODUZIR ILUSÕES
A filosofia das Luzes acreditava firmemente que, educando o povo, e dando-lhes os meios de informação necessários, as bases subjetivas da ilusão seriam exterminadas; e a luta política que se seguiria solaparia sua base social. Esta é a sua própria ilusão. Ela subestima ao mesmo tempo a necessidade social da ilusão e sua necessidade subjetiva (...) (...) A explicação sociológica, a necessidade social da ilusão, não pode ser dissociada da explicação psicológica, a necessidade subjetiva da ilusão (...)
Michele Bertrand - do texto O homem clivado - a crença e o imaginário
MISTURAR OS CÓDIGOS
Escutar um delírio: som musical que pode ser terrível, ou não. Música embriaga até corações enrijecidos. Não busque fórmulas, protocolos, cifras. Saia de si. Pense contra si. A forma-psiquiatria não tem dono. Ela é dona de nós cegos no momento de desembrulhar um caso difícil. Tratar além do feijão com arroz, tão fácil, ainda mais se o feijão com arroz for fabricado em série. Instituir a contra-instituição sem binarismos não é fácil, sabemos. Chegar ao não-lugar da traição incessante. A coisa toda vem do século XIX. É uma fraude cuidadosamente preparada em pequenos frascos. Todos acreditam. Um dia, ele entra no consultório e senta-se na cadeira do paciente. Não se trata de uma “inversão de papéis” ao jeito do psicodrama. Isso seria impossível e por demais humanístico. Trata-se da desordem infiltrada no tecido da ordem asséptica. O psiquiatra é o paciente que resiste ao funcionamento linear da entrevista. Pergunta se há consciência. Não há. Descobre que o cérebro é uma instituição instituída desde a forma de falar sozinho. Ensaia solilóquios fugidios. A essa altura, se rompem identidades. Escutar o delírio é olhar as vozes e ouvir o tempo que não passa... e já passou. Trair é inventar (...)
Antonio Moura
domingo, 25 de dezembro de 2011
OS GRANDES POETAS MORREM EM PENICOS FUMEGANTES DE MERDA
depois de umas 3 ou 4 cervejas, de tomar banho e me esforçar pra ler alguns livros de poemas que tinha por lá e , naturalmente, achar que não estavam bem escritos, pegava no sono com eles: Pound, Olson, Creeley, Shapiro, havia centenas de volumes e revistas velhas. nenhuma das minhas obras se encontrava por lá, não naquele chalé, de modo que o lugar eram muito morto. quando acordava, lá vinha outra cerveja e uma caminhada de 8 ou 10 quarteirões, num calor de rachar, até a casa do grande editor. em geral parava no caminho e pegava umas caixas de cerveja. os dois não bebiam. estavam ficando velhos e enfrentando tudo quanto é tipo de problema de saúde. era triste. para eles e para mim. mas o pai dela, que tinha 81 anos, quase me derrubava em matéria de cerveja. simpatizávamos um com o outro (...)
Charles Bukowski - do livro Fabulário geral do delírio cotidiano
A DIREITA PSIQUIÁTRICA
Hoje, a psiquiatria biológica (a que usa o cérebro como objeto quase exclusivo de pesquisa) organiza-se como segmento técnico-profissional devoto de uma espécie de "fundamentalismo orgânico-cerebral". Seu discurso atinge em cheio os poros da sociedade civil, fazendo do cidadão-homem-comum-paciente um repassador de neuro-clichês ou mero repetidor de ordens implícitas. Sob tais condições, afirmar uma clínica da diferença é criar uma ética do coletivo, ou seja, das multiplicidades. Não é fácil...
Antonio Moura
sábado, 24 de dezembro de 2011
CÉREBRO-PROCESSO SUBJETIVO
Ora, a sujetividade-cérebro não é vista, não pode ser vista sob pena de ser reduzida a um objeto classificável. É como se ela fosse um decalque do cérebro substituindo o cérebro, obedecendo à linha molar da produção social. Ao contrário, a subjetividade é processo de produção desejante e não produto concluído, mesmo corporificado num indivíduo. Mas, há, sem dúvida, um “cérebro-processo subjetivo” ao encontro ( exame) do psiquiatra. Esta perspectiva faz com que o “sofrimento” do paciente seja considerado como um agenciamento de desejo, o que abrange a figura do psiquiatra e da família. Desejar para o paciente é sofrer como intensidade produtiva em meio aos diversos estímulos que estão em torno e “dentro de si”, inclusive os do organismo. Os atores do Encontro com o paciente estão, pois, envolvidos num mesmo fluxo desejante codificado como transtorno mental. Abre-se um território: onde situar o agenciamento? Pode ser num hospital psiquiátrico, num Caps, num ambulatório, consultório, etc (...)
Antonio Moura
EXCERTO DE ENTREVISTA - M. FOUCAULT - 15 de maio de 1966
-Isso não impede que essa nova forma de pensamento (*), com números ou não, se apresente fria e bastante abstrata...
M.F. - Abstrata? Responderei então: o humanismo é que é abstrato! Todos esses gritos do coração, todas essas reivindicações da pessoa humana, da existência, são abstratas, quer dizer, separadas do mundo científico e técnico, que, sim, é o nosso mundo real. O que me irrita no humanismo é que ele é doravante esse guarda-vento através do qual se refugia o pensamento mais reacionário, onde se formam alianças monstruosas e impensáveis: pretender-se aliar Sartre e Teilhard, por exemplo. Em nome de que? Do homem! Quem ousaria dizer mal do homem! (...) (...) Não se deve confundir a tepidez mole dos compromissos com a frieza que caracteriza as verdadeiras paixões. Os escritores que nos agradam mais, a nós, "frios" sistemáticos, são Sade e Nietzsche, que, com efeito, diziam "mal do homem". Não eram eles também os escritores mais apaixonados?
(*) Refere-se ao estruturalismo.
sexta-feira, 23 de dezembro de 2011
VIAGENS DE MIGUEL
Miguel viaja pelos quatro cantos da casa. Eu tento ir junto ....Viajamos pelos livros da estante. E da internet. Um computador à mão. É difícil, mas tento acompanhá-lo. Miguel é muito rápido, seu pensamento voa e ele devora muitos signos, tal como a sopa que a mamãe lhe serve. Quase só ri . Claro, chora quando quer dizer algo que lhe desagrada.Por exemplo, quando comentei sobre as eternas boas intenções do humanismo. Poxa, ele fez uma cara péssima e começou a chorar sem parar. Então lhe mostrei o 1º capítulo do anti-Édipo. Fiz questão de ler em voz alta. Ele ouviu com uma atenção de bebê inquieto. Ao fim, sorriu como um felino...
Antonio Moura
ROSTIDADE, AINDA
Se o rosto é o Cristo, quer dizer, o Homem branco médio qualquer, as primeiras desvianças, os primeiros desvios padrão são raciais:o homem amarelo, o homem negro, homens de segunda ou terceira categoria.Eles também serão inscritos no muro, distribuídos pelo buraco. Devem ser cristianizados, isto é, rostificados (...)
Deleuze/Guattari - do livro Mil platôs
O FÁRMACO-ROSTO
A clínica psicopatológica tornou-se a clínica psicofarmacológica. Isso não é um mal em si, mas um fato da cultura médica que incide sobre o trabalho com o paciente. Em termos empíricos, o próprio paciente torna-se um produto de forças institucionais; elas fabricam a clínica e por extensão o paciente. Tais forças se explicitam na psiquiatria, são a psiquiatria [1]. No espaço do atendimento, do exame, do encontro com o paciente, elas se concretizam como rostidade farmacológica. É um regime de aparência corporal, semiótica, que traça uma linha terapêutica antes mesmo de começar o tratamento. As psicoses, por excelência, são objeto desse processo de rostificação. A cena extremada, o paciente impregnado por neurolépticos (alterações extra-piramidais) e outros signos menos perceptíveis, compõem a visibilidade do espaço clínico. Assim, fazer psiquiatria nos dias atuais tem a opção farmacológica como palavra de ordem: prescreva mais e mais remédios químicos. Isso não vale apenas para os que estão científico e juridicamente autorizados a fazê-lo, mas para todos os que lidam com a loucura. Nosso foco pode ser a chamada “equipe técnica” em saúde mental. Todos medicam, todos estão medicados, medicalizados numa produção subjetiva inconsciente e incessante. Isso é de uma tal obviedade que se esconde em cotidianos naturalizados. Uma espécie de ordem programada se impõe como desejo psiquiátrico único e totalizante (...)
Antonio Moura
quinta-feira, 22 de dezembro de 2011
COMPRAS DE NATAL
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quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
NATAL? OH, NÃO!
O natal é uma imensa ilusão (mais uma) produzida pelo capitalismo mundial integrado. Quase todos entram nessa porque são trabalhados por dentro, ou seja, no Inconsciente. Não falo de psicanálise. Esta não é proprietária do Inconsciente. Ao contrário... Falo de uma vida social, banal, real, vida digna, vida "verdadeira". E o natal se encaixa na grande produção à serviço da igreja cristã, que não apenas é a católica.Todas estão nisso, tudo pensa cristão, tudo pensa igual. Mil igrejas iguais. Um milhão de sermões à flor da pele. O capital como monstro adorável. Essa vida tornou-se mesquinha e submetida aos presépios na alma. Me calo, enquanto é possível, no canto das auroras sem remédio. E sem poesia.
Antonio Moura
Ao exame, ir na direção dos afetos. Afetos do mundo, inumanos,raros, cósmicos, opacos, que constituem um estilo esquizofrênico. Eles sustentam o contato com o paciente e trazem subsídios para o diagnóstico. O pensamento vem depois. O delírio vem depois. Não um “depois” relativo a um tempo espacializado, mas à intensidade do Encontro. Sendo assim, ele sempre vem “junto” aos afetos, impulsionado por estes. Sabemos, a partir de Szasz, que a esquizofrenia não existe, mas o esquizofrênico sim. O esquizofrênico é o que diz “não tenho pai/nem mãe”. Que significa esse antifamiliarismo exposto na clínica em suas várias formas? O esquizofrênico é o louco dos tempos atuais, o limite absoluto da psiquiatria.Não costuma ser respeitado, não é considerado em seu universo próprio de delírios ininteligíveis. É reduzido a uma expressão simples de disfunção neuro-cerebral. Ah, os fatores psicossociais... serão considerados como um depois. Assim, a esquizofrenia acaba sendo um depositário de incertezas alimentadas pelo poder de decidir sobre outrem. A submissão é interiorizada e digerida. Sem problemas (...)
Antonio Moura
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