sábado, 31 de dezembro de 2011

BATUCADA - Marcelo D2

DISCRETO

ninguém notava
seu jeito reto
sua fisionomia de cera

mas em silêncio
sofria uma doença mortal

era um normal

VAN GOGH

o corpo mente
sobre teorias
o que ele quer 
são alegrias

VANDRÉ

Minorias

                                                   
                                                                 Antonio  Moura




A  Hora  se  aproxima   com   hálito forte.    De  pé,   ante as  correntes,  o  rio  não  volta. Fale    para  ela, a Hora,      que  os  signos batem     à  porta.   Quanto aos meus limites,   não são mais. Estou  solto. Ouvi  conversas  à  beira  do  cais. O abismo   aprofundou  casas  de pau  à pique.  Escutei   um   coro de metais.  Entrementes,    putas  rasgaram   a  noite. Avisei  aos neurônios:   andem   em matilhas.  Nem ligaram.  Por  isso,   as  ordens acabaram   saindo   do  útero da  terra.   Ah!    De  novo?  Vítimas      choram  os horrores  do capital. O capital é o tal.    Abriram  a boca,  roçaram  a língua nos  lábios de  uma    câmera de  TV. E  desceram  mais e mais     na busca  dos  prazeres  curvos. Mas  tudo  mudou.  Um  óleo branco  esparramou-se pela   calçada. Bruxas  no pedaço.  Boa  noite, lua, pode  entrar. Lhe conto as desventuras dos  rebanhos humanos. Me  redimi.  Já que  chegaste, menina, encolha os    ombros  sobre a fronte-gelo. Me  seduza. Você é   o rosto e  o andar  esgueirado   das  mulheres do pântano.  Fragmentos do sexo,  um santo  remédio. Meu negócio é, pois,    escutar quem não  me escuta.   Por  isso   escolhi  como  líder    a convicção  do ínfimo.  O  jeito   dos sem jeito. Hoje já   nem sei  dizer  quem  eu   era . Alguém exibiu    a cédula  de identidade.    Fui   aceito?    A hora se  afinou  num  segundo de brincadeira.   Jogou  com as  estações do  corpo. Afinal,   minorias   chegam sempre  alegres.   Como não ser decepcionante para  a  maioria?   Tempere   a  gosma   da  saliva ácida.  Misture os  nomes pérfidos. Diga  que  os  ama. Penetre os  dogmas da   interioridade  mais preciosa. Finja que  está nas esporas dos cavalos   selvagens.  Só  para  assustar os néscios, dirija  para  a  amada  tudo que  você  sempre  sonhou. A condição  é  a de  que  não exista  amada, mas  amadas.  Vista-se  de  você  mesmo,  contanto que  seja  você    o primeiro  a se  despir. Saia de   si. Vá para  outros  cantos, entoe  cantigas de parto prematuro no meio da mata.  Jogue  a   metáfora  no lixo da linguagem douta. Isso basta. 

DESEJAR...


O TEMPO É CRIAÇÃO

A burocracia do  calendário  avança: no entanto,  silencioso, invisível, implacável, o Tempo-do -Acontecimento   não pode ser espacializado. Amanhã, primeiro dia  de 2012, ele  não muda. Nós é que estamos mudando, sempre submetidos à sua grandeza.  Uma irreversibilidade  empurra   a repetição para  mais outra repetição  e outra e mais outra até o infinito... de onde brota a diferença.  Trata-se de uma linha existencial difícil de seguir. Por isso, muitos escolhem Cronos, o deus dos relógios.

Antonio Moura

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

MARISA, MARISA

crenças 
num além-mundo
                             se multiplicam
na descrença
deste mundo



TODAS AS LOUCURAS SÃO INOCENTES


lembro criança
quando ainda as  manhãs
não  me lembravam
que  eu era  criança

CHICO E A PROFISSÃO MAIS ANTIGA

UM DEUS INUMANO

Numa visão  espinosiana,  crer no Deus cristão é reproduzir a relação dirigente-comandado,   governante-governado, rei-súdito, patrão-empregado, senhor-escravo,etc;  assim,   o pensamento se mantém prisioneiro de uma relação entre seres humanos, ou,  dito  de  um  modo cristão, numa relação entre pessoas.  Deus é uma pessoa. No entanto, basta considerar a existência do infinito (tempo-espaço) para jogar por terra essa bobagem  humanística. Não há dimensão existencial, espiritual, que compare  em grandeza  a finitude humana com  o cosmos. Daí, nessa matéria, a atitude mais honesta e inteligente seria a do agnóstico, do materialista, do  ateu e  do trágico.Pena que essa "bobagem humanística" convença a  tanta gente e produza subjetividades atoladas no medo e na servidão voluntária.

Antonio Moura
O CONSUMO DA DEPRESSÕES

Reduzir toda a complexidade do fenômeno depressivo ao funcionamento dos neurotransmissores é um insulto à inteligência dos pesquisadores do tema. No entanto, isso é o que empreende, nos dias atuais,   a clínica da chamada psiquiatria biológica. Volto ao assunto, ainda que de passagem, porque ele não sai da mídia nem dos consultórios nem dos ambulatórios nem das mentes colonizadas nem dos meios acadêmicos mais respeitáveis.

Antonio Moura
OUTROS MUNDOS

Já disse que sempre lidei com regiões para além do mundo visível, mas não disse que fazia isso sozinho. Isto, nenhuma criatura humana pode fazer; sem o apoio de outro ser vivo, qualquer um sucumbiria inevitavelmente em meio à companhia daqueles que não vivem, ou melhor, que não vivem mais (...)

H. P. Lovecraft - O túmulo

2012?

VIAGENS DE MIGUEL

Miguel  se liga a tudo. Aos livros, então... , nem se fala. Mesmo engatinhando, trepou na  estante e sacou um "livrinho". Perguntei  qual.  Ele apenas estendeu a mãozinha segurando O alienista
Miguel é fogo...

BRASÍLIA FEDE

bom dia
alegria

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

ROBERTA SÁ

A REVOLTA

Que vem a ser um homem revoltado? Um homem que diz - não. Mas, se ele se recusa, não renuncia: é também um homem que diz sim, a partir do seu primeiro movimento. Um escravo que durante toda a sua vida recebeu ordens considera  subitamente inaceitável uma nova ordem. Qual o conteúdo desse "não"? 
 (...)

A. Camus - do livro O homem revoltado

H. P. LOVECRAFT

QUEM SOFRE?


Problematizando  tais sofrimentos teríamos:  que  afetos[2] compõem o    sofrimento do  psicótico? Qual a “natureza”  de  tal sofrimento? A família  (e  a sociedade)  sofrem   pelo paciente  ou sofrem  por  si mesmas?   O    psicótico  vive  sob    um estigma. Ou seja, sendo ele  próprio    um  estigma,     carrega   sobre   si a  instituição   da   doença mental[3]  e  o que  lhe é  imanente:  a  vontade   de   controlar.  Assim, a   psiquiatria   é atravessada por um  objetivo  maior e inconfessável:  controlar,  extinguindo, se possível,  o  sintoma  dos  que  são diagnosticados  como  doentes. Numa  sociedade  de controle como  a  do  século  XXI,[4]  este ato  se  inscreve  em modos  de subjetivação apassivados.  O  sofrimento  psíquico do  paciente  torna-se   tributário de  um  modelo de pensar  que  representa a  subjetividade como  um eu  agônico e/ou  estranho  aos  padrões  sociais. Apesar  da  pergunta  “o que  você  sente?” ser  obrigatória na  propedêutica  médica, o interesse maior   é detectar    os  sintomas  produtivos( delírios e alucinações) e o que  eles  implicam  como dano   às  condutas  sociais. Incomodam?  Pelo menos, no caso  das  psicoses,  isso é  buscado  pela  psiquiatria,  já  que o   sofrimento   só  é  levado  em conta  como dado  objetivo.  O paciente  sofre de  que? Ele  sofre porque  está  doente. Esta é   uma  afirmação redundante  e ao mesmo tempo  insuficiente  para se  chegar ao   universo  de sentido psicótico. Na  verdade  o  paciente sofre  de  si mesmo, do que  lhe  foi  feito, inclusive  por  ele mesmo. Mas não  é  um   sofrimento do  eu ou da  consciência  dita  alienada. Não  é um sofrimento  racionalizável  ou humano.  É um afeto  triste  que  vem  do mundo e   corrói  em maior ou menor  proporção suas  produções de  desejo.  Trata-se do corpo. Os  afetos  que  compõem  o seu  sofrimento   são afetos  do corpo, são  o  próprio corpo em processos de  anti-produção. Quando dissemos  “ do mundo”, significa    que a  origem da  doença está  na  sensação de  si que  ele  experimenta, ao tempo em que  o mundo  lhe  devora,   mesmo    que  esse  mundo  seja, por  exemplo, um circuito  sináptico  no interior  do seu  crâneo. O mundo  é  o paciente  e vice  versa. Essa  é a  base  conceitual para se  pensar  o  sofrimento  como  “sofrimento  do  mundo”     ao modo  poético de  dizer .  O  paciente  recolhe   do mundo   afetos   tristes que o  destroem  por  dentro. O eu,  um  artefato psíquico útil para  a comunicação,   é  atingido. Ele  não  mais  coordena  ações   práticas  ou  o faz com dificuldade. Assim, surge   a  pergunta  clínica:  um  apragmatismo social   se  revela  com que   afetos? O que  sente   aquele que  rompeu  com os  códigos  sociais  vigentes? Sente-se  doente? (...)


Antonio Moura



[2] Os  afetos  são a  expressão e a materialidade do desejo no  nível  do encontro entre  os  corpos. Referem-se ao aumento ou a   diminuição da potência  de  existir  do paciente. Cf  Deleuze, G.,Espinosa – Filosofia  prática, S. Paulo, Escuta, 2002, p. 55 a  58 e  73  a  79, principalmente.

[3] Referimo-nos à  instituição  da  doença  mental  no sentido  que  lhe  dá  a  Análise  Institucional: forma  social  abstrata  ou  forma  de relação social que se operacionaliza em organizações  e/ou dispositivos.


[4] Cf  Deleuze, G., Post-scriptum  sobre as sociedades de  controle in Conversações, Rio, Ed. 34,1992, p.219.

DESEJAR...

As coisas que não têm nome são mais pronunciadas
por crianças.

M. de Barros

O PODER PRODUZ IDENTIDADES...

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

UM ESTRANHO MUNDO REAL

Carter pôs-se a rastejar então silenciosamente através das ruínas, esgueirando-se lentamente até a grande praça central e os leões alados. A operação era delicada mas as bestas lunares estavam muito ocupadas com a sua diversão  e não ouviram os leves ruídos que ele acidentalmente produziu, por duas vezes, nas pedras espalhadas. (...) (...) Terrível é a lembrança daquela tenebrosa descida em que as horas passavam enquanto Carter girava e girava descendo, às cegas, por aquela interminável, íngreme e escorregadia escada espiral (...)

H. P. Lovecraft - do livro À procura de Kadath

GRANDE MACHADO

TEMPO INUMANO

2011 está se ultimando, mas isso nada quer dizer. Reveillon é coisa (mais uma vez) do Consumo Instituído no capitalismo da alma. Produção de ilusão. Nada contra a festa, mas ela pode acontecer em qualquer lugar e hora. Até ser invisível e silenciosa. Daí,  não costumo  interpretar  o tempo.  Saber o que significa o tempo?  Nada. Prefiro um tempo liso e livre, aberto ao novo, o que  de fato ele  é...quer se  queira, quer não. Prefiro  ser  " órfão do tempo", do tempo espacializado, do tempo cortado, medido,quantificado, dosado.... Como diria Bergson, o tempo não está em nós, nós é que estamos no Tempo. Tudo muda a partir dessa perspectiva. Novas subjetividades se tornam possíveis... 

Antonio Moura

INVENTO O CAIS

IMPRESSÕES À PROVA  
                                                                                       Antonio Moura

O psiquiatra viaja  em mundos  distantes. Arrisca  saltos no abismo em patologias vistas de perto. Quem é você?  Que se passa?  Mete-se no tempo das noites loucas do Santa Mônica [1] . Tão longe  estão, quanto  intactas e livres. Houve  um tempo que não passou e passou. Nutre-se de paradoxos. Faz rir.  O psiquiatra lembra  que não há mais tempo. A hora esgotou-se como seringa descartável. O tempo deixou de ser um espaço , mesmo que de dança. Não mais  que ontem,  o tempo-passagem    embriaga e dissolve   espaços. As palavras soam bobas. Situações  densas se quebram. O psiquiatra  se desloca pelos campos verdes  do pensamento, aspira blocos de manhãs. Elas ardem na pele dos seres que  ficavam. Café da manhã  com  luz queimando os olhos. O dia  se avizinha.  Prontuários entre canções  de ninar.  Manhãs insistem.  Plantões voltam sempre, deitam no plantonista que se  esvai em sofrimentos deliciosos. É hora de dormir com a  manhã. Antes,  a insônia compunha os  insanos.  O círculo da velha juventude  e a gargalhada  dos pacientes seguiu  os passos de um tempo a se fazer.  Agora.  Nenhuma crença move   o passado.  Não há falta.  Um corpo  muda e permanece na pele do sol que  queima o filme   de remédios na veia. Dois dois.  O psiquiatra trabalha  sem  saber de si. Os olhos da loucura  arregalam  a manhã para além dos muros. Ele sabe  que não sabe o instante seguinte, ou onde estará o companheiro Marx. Marx! Marx! Suas pesquisas incluem a dor de existir tão profunda quando a  aparência dos que vivem das  batidas incertas do mundo. Alguma coisa empurra o humor não psiquiátrico para uma  alegria suspensa no ar. Sem garantias.  Companheiros de textos  constroem  em sua carne espiritual,   infinitos à  mão. Entre si    olham  retinas ainda não cansadas pelos ardis da miséria. Uma máquina de fazer o cosmos  no mais rente ao  chão, se esboça. O psiquiatra fala do passado para construir  pedaços dispersos de memória vã.  Sem retorno.



[1] Hospital psiquiátrico particular situado  em Salvador, Bahia. Nos anos 70 ,  a equipe técnica   atuava  sob  a  influência das idéias que  questionavam a própria existência  do hospital como modelo de tratamento.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

PORTINARI

FLUXOS DE SIGNOS

O bar. Lógico. Dava para a rampa do portão de embarque. Sentamos ali, mas o garçom  fingiu que não me viu. Garçons de bar de aeroporto, concluí, são esnobes que nem os carregadores de bagagem nos trens de antigamente. Sugeri a Garson que, em vez de gritar com o cara, como ele (o garçom) queria, pegássemos uma mesa. E foi o que fizemos.
Estávamos cercados por gatunos bem-vestidos, com ar de entendiado, de bebidinha na mão, conversando em voz baixa e esperando a chamada do vôo. Garson e eu sentamos e olhamos pras garçonetes.
-Que merda - disse ele -, olha só, o vestido delas é feito de um jeito que não dá pra enxergar a calcinha.
-Hummmm hum - retruquei.
(...)

Charles Bukowski do livro Fabulário geral do delírio cotidiano

ILYA PRIGOGINE


o pensamento vive 
                                   excluído
das  pequenas  coisas
que  são  as maiores

a  quem interessa
toda     essa      pressa
em  cadastrar  os sintomas?

ACÁCIA

NÃO HÁ SUJEITO

O sujeito não é evidente: não basta pensar para ser, como o proclamava Descartes, já que inúmeras outras maneiras de existir se instauram fora da consciência, ao passo que o sujeito advém no momento em que o pensamento se obstina em apreender a si mesmo e se põe a girar como um pião enlouquecido, sem enganchar em nada dos Territórios reais da existência, os quais por sua vez derivam uns em relação aos outros, como  placa tectônicas sob a superfície dos continentes.

F. Guattari - do livro As três ecologias

O CÂNTICO DO DESEJO

DEPRESSÕES

                                 Antonio Moura

Contudo,  o  corpo do deprimido  está  submetido  ao   organismo. Neste  não  há  o tempo  de   Aion  e sim o tempo  de  Cronos. Síndrome  de  Cottard [1] , mergulho nas profundezas das  vísceras  apodrecidas.   O deprimido    costuma   recitar  os  enunciados  estabelecidos e não seguir as  linhas da  produção  desejante.  Ele   não vive. Apenas sobrevive.   É  um ser  molar, composto   por identidades  estáveis, regendo  o concerto da morte em vida. Vivências  paranóides  não   são incomuns.  A baixa  do humor  condiciona  juízos persecutórios. Do mesmo modo, as  funções  psíquicas como  um todo estão alteradas: consciência, eu, sensopercepção, pensamento,  memória, atenção,  inteligência, fala. A angústia às  vezes compõe  o quadro, mas diferencia-se  do humor  depressivo pela   sua   forma  plástica  expressando  sofrimentos  indizíveis. Mais conhecida atualmente como “ansiedade”, é  uma experiência de mal-estar  psíquico  com repercussões  somáticas, mas  que  não evidencia a  destruição  física  e mental tão marcante  nas  depressões. Depressão e ansiedade tem “naturezas”  diferentes, ainda que  possam vir  juntas. O deprimido   “quer”  morrer. O angustiado (ou ansioso) não quer “necessariamente”  morrer.  Talvez   busque  uma   “saída”  para a  vivência de pânico, de  fobia, de um incômodo mal  caracterizado.  Quanto à   linha suicida  do deprimido, claro, nem sempre leva   à morte  do organismo. A linha  de sofrimento  do angustiado  é o corpo se  debatendo  contra  demônios  (fantasmas), ainda  que  em desvantagem e fracassando  sempre. Uma  angústia  intensa pode  levar  uma  depressão a  se tornar “agitada”.  Essas  diferenças, expressas   em metáforas devido  às  nuances  vivenciais com  que se mostram,   são  de grande valor   na opção terapêutica adotada,  tanto  farmacológica  quando psicológica. A  inibição  psicomotora  “pura” marca  o negativismo e o mutismo, dificultando um diagnóstico diferencial. Contudo, essa  inibição  extrema  confere  ao  rosto  do paciente  uma inexpressividade  que  é  também uma  forma   de  expressão. Daí a  percepção  dos  menores  gestos  ao exame (...)


[1] Cronos  é  uma leitura  do tempo que  representa  o presente dos  corpos e  das  causas, enquanto Aion representa o tempo que  expressa os acontecimentos ou efeitos de superfície, os devires. Na  síndrome de Cottard, o paciente cai nas  profundezas do  organismo  e  diz:”não tenho mais  coração, meu estômago apodreceu...”, cf  Deleuze, G., Lógica  do Sentido,  São Paulo, Perspectiva, Ed. Da Universidade  de  São Paulo, 1974, p. 167 e  seguintes.

O TEMPO NÃO PASSA?


O INCONSCIENTE  PRODUZ  REALIDADES

Não negamos que haja uma sexualidade edipiana, uma heterossexualidade e uma homossexualidade edipianas, uma castração edipiana - objetos completos, imagens globais e egos específicos. Negamos que sejam produções do inconsciente. Mais ainda, a castração e a edipianização engendram uma ilusão fundamental que nos faz crer que a produção desejante real é passível das mais altas formações que a integram, submetem-na a leis transcendentes e fazem-na servir a uma espécie de 'descolamento' do campo social em relação á produção do desejo, em nome de que todas as resignações são justificadas por antecipação (...)

G. Deleuze e F. Guattari - do livro O anti-édipo
leia drummond
lautréamont
pasolini
leminski

e salve-se

perdendo-se

OS MULTICÉFALOS

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

FLUOXETINA NOS TANQUES DA CIDADE?

Para uma clínica da diferença, o diagnóstico (preciso) de depressão é muito  importante. Até  no mínimo   para se  poder responder a pergunta: é depressão? Ora, como a psiquiatrização da sociedade e da condição humana são uma realidade dos tempos contemporâneos, vale discernir o que é e o que não é  depressão. Por isso, talvez seja preciso dizer coisas simples: tristeza não é depressão. Depressão é em "essência",  o  esvaziamento energético do corpo sem órgãos   em prol da hegemonia do corpo-organismo ( de onde a medicina extrai  mais-valia de prestígio). Este organismo passa a ditar as regras  do existir. Elas se encaixam no  crono-tempo, o tempo do capital, quando "não se pode perder tempo". Em resumo, o corpo-desejo e o tempo do devir são substituídos pelo organismo anátomo-funcional  e pelo crono-tempo. Cota zero. Stop. A vida parou? ou foi o automóvel?  disse Carlos, o poeta... 

Antonio Moura

DESEJAR...

PRODUZIR ILUSÕES

A filosofia das Luzes acreditava firmemente que, educando o povo, e dando-lhes os meios de informação necessários, as bases subjetivas da ilusão seriam exterminadas; e a luta política que se seguiria solaparia sua base social. Esta é a sua própria ilusão. Ela subestima ao mesmo tempo a necessidade social  da ilusão e sua necessidade subjetiva (...) (...) A explicação sociológica, a necessidade social da ilusão, não pode ser dissociada da explicação psicológica, a necessidade subjetiva da ilusão (...)

Michele Bertrand - do texto O homem clivado - a crença e o imaginário

O BARBUDO

MISTURAR OS CÓDIGOS

Escutar  um delírio:  som musical que  pode  ser  terrível,  ou não.   Música embriaga   até    corações  enrijecidos. Não  busque fórmulas, protocolos, cifras. Saia  de  si. Pense  contra  si.  A forma-psiquiatria não tem dono. Ela  é   dona de  nós  cegos  no momento de desembrulhar  um caso  difícil.  Tratar  além   do feijão  com arroz, tão  fácil, ainda  mais  se   o feijão com arroz  for  fabricado  em série. Instituir   a contra-instituição sem binarismos  não é  fácil, sabemos.  Chegar ao não-lugar da  traição incessante.  A coisa toda vem do  século  XIX.  É  uma  fraude cuidadosamente preparada  em  pequenos  frascos. Todos acreditam. Um dia, ele  entra  no consultório  e  senta-se  na cadeira  do paciente. Não  se trata  de uma “inversão de papéis” ao  jeito  do psicodrama. Isso seria  impossível e por  demais  humanístico. Trata-se da   desordem  infiltrada no  tecido   da    ordem asséptica. O psiquiatra é o paciente que  resiste ao funcionamento linear da  entrevista. Pergunta  se  há  consciência. Não  há. Descobre  que o cérebro  é uma instituição instituída desde a forma de falar sozinho. Ensaia  solilóquios  fugidios. A essa  altura, se  rompem  identidades. Escutar  o delírio é olhar as vozes e  ouvir o tempo  que  não passa... e já passou. Trair é  inventar (...)

Antonio Moura

BOSCO

domingo, 25 de dezembro de 2011




na  medicina
tudo  começa
com a anatomia

superfícies crespas
objetos sólidos
chanfraduras

mas  ainda  bem
que  o ar  do mundo
abastece os  neurônios

PROUDHON

VIAGENS DE MIGUEL

Miguel continua aprontando. Subiu na estante (que perigo!)   e  trouxe  um livro nas mãos. Seus olhinhos brilhavam. Era um livro verde. Conferi... Qual seria?  "A nova aliança" de Prigogine e Stangers.  Ó garoto, você sabe das coisas... kkkkkkkkkkkkkkkkkkk

RESISTIR, RESISTIR...

Deus fez ressonância
magnética

os médicos estão otimistas

KROPOTKIN

OS GRANDES POETAS MORREM EM PENICOS FUMEGANTES DE MERDA

depois de umas 3 ou 4 cervejas, de tomar banho e me esforçar pra ler alguns livros de poemas que tinha por lá e , naturalmente, achar que não estavam bem escritos, pegava no sono com eles: Pound, Olson, Creeley, Shapiro, havia centenas de volumes e revistas velhas. nenhuma das minhas obras se encontrava por lá, não naquele chalé, de modo que o lugar eram muito morto. quando acordava, lá vinha outra cerveja e uma caminhada de 8 ou 10 quarteirões, num  calor de rachar, até a casa do grande editor. em geral parava no caminho e pegava umas caixas de cerveja. os dois não bebiam. estavam ficando velhos e enfrentando tudo quanto é tipo de problema de saúde. era triste. para eles e para mim. mas o pai dela, que tinha 81 anos, quase me derrubava em matéria de cerveja. simpatizávamos um com o outro (...)

Charles Bukowski - do livro Fabulário geral do delírio cotidiano

GLASS

A DIREITA PSIQUIÁTRICA

Hoje,  a psiquiatria biológica (a  que usa o cérebro como  objeto quase exclusivo de pesquisa)  organiza-se  como   segmento técnico-profissional   devoto  de  uma  espécie de  "fundamentalismo orgânico-cerebral". Seu discurso atinge em cheio os poros da sociedade civil, fazendo do cidadão-homem-comum-paciente um  repassador de neuro-clichês ou  mero repetidor de ordens implícitas. Sob tais condições,  afirmar uma clínica da diferença é criar uma  ética do coletivo, ou seja, das multiplicidades.  Não é fácil... 

Antonio Moura

sábado, 24 de dezembro de 2011

NATAL MUI BELA

CÉREBRO-PROCESSO SUBJETIVO

Ora,     a   sujetividade-cérebro não  é  vista, não  pode  ser  vista  sob  pena  de ser  reduzida  a um objeto  classificável. É  como se   ela   fosse  um  decalque   do  cérebro    substituindo o cérebro,  obedecendo à  linha  molar   da  produção  social.       Ao  contrário, a  subjetividade  é   processo de  produção  desejante   e não   produto concluído,  mesmo  corporificado num indivíduo.   Mas, há, sem dúvida,     um  “cérebro-processo  subjetivo” ao  encontro ( exame) do  psiquiatra. Esta  perspectiva  faz  com que o “sofrimento” do paciente seja considerado  como um  agenciamento de  desejo, o que abrange  a  figura  do psiquiatra  e  da  família. Desejar para  o paciente  é  sofrer como intensidade  produtiva em meio aos  diversos  estímulos  que estão  em torno   e “dentro  de si”,  inclusive  os do  organismo. Os atores  do  Encontro  com o  paciente   estão,  pois, envolvidos  num mesmo fluxo desejante  codificado  como transtorno mental. Abre-se  um território: onde  situar o agenciamento? Pode  ser  num hospital psiquiátrico, num Caps, num  ambulatório,  consultório,  etc (...)

Antonio Moura
              

PICASSO

EXCERTO DE ENTREVISTA - M. FOUCAULT - 15 de maio de 1966


-Isso não impede que essa nova forma de pensamento (*), com números ou não, se apresente fria e bastante abstrata...

M.F. - Abstrata? Responderei então: o humanismo é que é abstrato! Todos esses gritos do coração, todas essas reivindicações da pessoa humana, da existência, são abstratas, quer dizer, separadas do mundo científico e técnico, que, sim, é o nosso mundo real. O que me irrita no humanismo é que ele é doravante esse guarda-vento através do qual se refugia o pensamento mais reacionário, onde se formam alianças monstruosas e impensáveis: pretender-se aliar Sartre e Teilhard, por exemplo. Em nome de que? Do homem! Quem ousaria dizer mal do homem!  (...) (...) Não se deve confundir a tepidez mole dos compromissos com a frieza que caracteriza as verdadeiras paixões. Os escritores que nos agradam mais, a nós, "frios" sistemáticos, são Sade e Nietzsche, que, com efeito, diziam "mal do homem". Não eram eles também os escritores mais apaixonados?

(*) Refere-se ao estruturalismo.

CIDADE NEGRA

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

VIAGENS DE MIGUEL

Miguel viaja pelos quatro cantos da casa. Eu tento ir junto ....Viajamos pelos livros da estante. E da internet. Um computador à mão.  É  difícil, mas tento acompanhá-lo.  Miguel é muito  rápido, seu  pensamento voa e ele devora   muitos   signos,   tal como  a sopa que a mamãe  lhe serve.  Quase só ri . Claro, chora quando quer dizer  algo  que lhe desagrada.Por exemplo, quando  comentei sobre as eternas boas intenções do humanismo.  Poxa,  ele  fez uma cara péssima e começou a chorar sem parar.  Então  lhe mostrei o 1º capítulo do anti-Édipo. Fiz questão  de ler em voz alta. Ele ouviu com uma atenção de bebê inquieto.   Ao fim, sorriu como um felino...

Antonio Moura

UM GOSTO DE SOL - MILTON

ROSTIDADE, AINDA

Se o rosto é o Cristo, quer dizer, o Homem branco médio qualquer, as primeiras desvianças, os primeiros desvios padrão são raciais:o  homem amarelo, o homem negro, homens de segunda ou terceira categoria.Eles também serão inscritos no muro, distribuídos pelo buraco. Devem ser cristianizados, isto é, rostificados (...)

Deleuze/Guattari - do livro Mil platôs

ASAS DO DESEJO

prescrição médica

para os insones
da noite de natal
roberto carlos
no mesmo canal

DESEJAR...

em  brasília
idéias  públicas
tornam-se
                privadas

ROSTIDADE

O FÁRMACO-ROSTO

A  clínica psicopatológica tornou-se a clínica psicofarmacológica. Isso não é um mal em si, mas um fato da cultura médica  que incide sobre o  trabalho com o paciente. Em termos  empíricos, o próprio  paciente torna-se  um produto de forças institucionais; elas  fabricam a clínica e por extensão o paciente.  Tais forças  se explicitam na  psiquiatria,  são  a  psiquiatria [1].  No espaço do atendimento, do exame, do encontro com o paciente, elas   se concretizam  como rostidade  farmacológica.  É  um regime de aparência corporal,  semiótica,   que traça uma  linha terapêutica antes mesmo de começar o tratamento. As psicoses,  por excelência,    são  objeto   desse processo  de  rostificação. A cena extremada,  o paciente  impregnado  por   neurolépticos  (alterações  extra-piramidais)  e outros  signos  menos perceptíveis, compõem a visibilidade do espaço clínico. Assim, fazer  psiquiatria nos dias atuais tem  a opção farmacológica como  palavra de ordem: prescreva mais  e mais  remédios químicos. Isso não  vale apenas   para os que estão científico  e   juridicamente   autorizados a  fazê-lo, mas para todos os  que lidam com a loucura. Nosso foco pode ser a  chamada “equipe técnica” em saúde mental. Todos medicam,  todos estão medicados,   medicalizados   numa  produção subjetiva  inconsciente e incessante. Isso é de uma  tal obviedade que se esconde em cotidianos naturalizados. Uma espécie de ordem  programada se impõe como desejo psiquiátrico  único e  totalizante (...)

Antonio Moura


[1] O  caráter  técnico-científico  da  psiquiatria é  tributário dessas  forças.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

DESEJAR...

A FESTA

O conceito é uma idéia: e idéia é alegria, a festa da filosofia. Os anos de Deleuze, as obras de Deleuze são uma festa. A festa é o plano de imanência de Deleuze, e este, o plano de imanência, o pressuposto para a construção de qualquer filosofia.

C. Ulpiano

ELES NÃO USAM BLACK TIE

        COMPRAS DE NATAL



Cecília Meireles

A cidade deseja ser diferente, escapar às suas fatalidades. Enche-se de brilhos e cores; sinos que não tocam, balões que não sobem, anjos e santos que não se movem, estrelas que jamais estiveram no céu.
As lojas querem ser diferentes, fugir à realidade do ano inteiro: enfeitam-se com fitas e flores, neve de algodão de vidro, fios de ouro e prata, cetins, luzes, todas as coisas que possam representar beleza e excelência.
Tudo isso para celebrar um Meninozinho envolto em pobres panos, deitado numas palhas, há cerca de dois mil anos, num abrigo de animais, em Belém.
Todos vamos comprar presentes para os amigos e parentes, grandes e pequenos, e gastaremos, nessa dedicação sublime, até o último centavo, o que hoje em dia quer dizer a última nota de cem cruzeiros, pois, na loucura do regozijo unânime, nem um prendedor de roupa na corda pode custar menos do que isso.
Grandes e pequenos, parentes e amigos são todos de gosto bizarro e extremamente suscetíveis. Também eles conhecem todas as lojas e seus preços
— e, nestes dias, a arte de comprar se reveste de exigências particularmente difíceis. Não poderemos adquirir a primeira coisa que se ofereça à nossa vista: seria uma vulgaridade. Teremos de descobrir o imprevisto, o incognoscível, o transcendente. Não devemos também oferecer nada de essencialmente necessário ou útil, pois a graça destes presentes parece consistir na sua desnecessidade e inutilidade. Ninguém oferecerá, por exemplo, um quilo (ou mesmo um saco) de arroz ou feijão para a insidiosa fome que se alastra por estes nossos campos de batalha; ninguém ousará comprar uma boa caixa de sabonetes desodorantes para o suor da testa com que — especialmente neste verão — teremos de conquistar o pão de cada dia. Não: presente é presente, isto é, um objeto extremamente raro e caro, que não sirva a bem dizer para coisa alguma.
Por isso é que os lojistas, num louvável esforço de imaginação, organizam suas sugestões para os compradores, valendo-se de recursos que são a própria imagem da ilusão. Numa grande caixa de plástico transparente (que não serve para nada), repleta de fitas de papel celofane (que para nada servem), coloca-se um sabonete em forma de flor (que nem se possa guardar como flor nem usar como sabonete), e cobra-se pelo adorável conjunto o preço de uma cesta de rosas. Todos ficamos extremamente felizes!
São as cestinhas forradas de seda, as caixas transparentes os estojos, os papéis de embrulho com desenhos inesperados, os barbantes, atilhos, fitas, o que na verdade oferecemos aos parentes e amigos. Pagamos por essa graça delicada da ilusão. E logo tudo se esvai, por entre sorrisos e alegrias. Durável
— apenas o Meninozinho nas suas palhas, a olhar para este mundo.


Texto extraído do livro "
Quatro Vozes", Editora Record - Rio de Janeiro, 1998, pág. 80.



SAUDADES DA BAHIA

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

NATAL? OH, NÃO!

O natal é uma imensa  ilusão (mais uma) produzida pelo capitalismo mundial integrado. Quase todos  entram nessa  porque   são trabalhados por  dentro, ou seja, no Inconsciente.  Não falo de psicanálise. Esta não é proprietária do Inconsciente. Ao contrário... Falo de uma  vida social,  banal, real,  vida digna, vida "verdadeira". E o natal se encaixa na   grande produção à serviço da igreja cristã, que não  apenas é  a católica.Todas estão nisso, tudo pensa cristão, tudo pensa igual.  Mil igrejas iguais. Um milhão de sermões à flor da pele. O capital como monstro adorável.  Essa vida tornou-se    mesquinha e submetida aos presépios na alma. Me calo, enquanto é possível,  no canto das auroras sem remédio. E  sem poesia.

Antonio Moura

NATALISMO

QUEM LEMBRA DO MENSALÃO?


ESQUIZOFRENIA DA CLÍNICA

Ao exame, ir na  direção dos  afetos. Afetos do mundo, inumanos,raros,  cósmicos, opacos,  que  constituem um estilo esquizofrênico. Eles sustentam  o  contato com o paciente  e trazem subsídios para  o diagnóstico. O pensamento vem depois. O delírio vem depois. Não   um “depois”  relativo  a  um  tempo   espacializado, mas  à  intensidade do Encontro. Sendo assim, ele  sempre  vem “junto” aos  afetos, impulsionado por  estes.  Sabemos,  a partir  de Szasz, que  a esquizofrenia não existe,  mas   o  esquizofrênico   sim. O esquizofrênico é o  que   diz “não tenho pai/nem mãe”. Que  significa   esse antifamiliarismo exposto na  clínica  em  suas  várias  formas? O esquizofrênico é  o louco dos  tempos  atuais, o limite absoluto  da psiquiatria.Não  costuma  ser  respeitado, não é  considerado em seu universo  próprio de  delírios ininteligíveis. É reduzido a uma  expressão simples  de disfunção neuro-cerebral. Ah, os  fatores  psicossociais... serão considerados  como  um depois. Assim, a esquizofrenia acaba  sendo um depositário  de incertezas alimentadas pelo poder  de decidir  sobre  outrem.  A submissão é interiorizada e digerida. Sem problemas (...)

Antonio Moura