DEPRESSÕES
Antonio Moura
Contudo, o corpo do deprimido está submetido ao organismo. Neste não há o tempo de Aion e sim o tempo de Cronos. Síndrome de Cottard [1] , mergulho nas profundezas das vísceras apodrecidas. O deprimido costuma recitar os enunciados estabelecidos e não seguir as linhas da produção desejante. Ele não vive. Apenas sobrevive. É um ser molar, composto por identidades estáveis, regendo o concerto da morte em vida. Vivências paranóides não são incomuns. A baixa do humor condiciona juízos persecutórios. Do mesmo modo, as funções psíquicas como um todo estão alteradas: consciência, eu, sensopercepção, pensamento, memória, atenção, inteligência, fala. A angústia às vezes compõe o quadro, mas diferencia-se do humor depressivo pela sua forma plástica expressando sofrimentos indizíveis. Mais conhecida atualmente como “ansiedade”, é uma experiência de mal-estar psíquico com repercussões somáticas, mas que não evidencia a destruição física e mental tão marcante nas depressões. Depressão e ansiedade tem “naturezas” diferentes, ainda que possam vir juntas. O deprimido “quer” morrer. O angustiado (ou ansioso) não quer “necessariamente” morrer. Talvez busque uma “saída” para a vivência de pânico, de fobia, de um incômodo mal caracterizado. Quanto à linha suicida do deprimido, claro, nem sempre leva à morte do organismo. A linha de sofrimento do angustiado é o corpo se debatendo contra demônios (fantasmas), ainda que em desvantagem e fracassando sempre. Uma angústia intensa pode levar uma depressão a se tornar “agitada”. Essas diferenças, expressas em metáforas devido às nuances vivenciais com que se mostram, são de grande valor na opção terapêutica adotada, tanto farmacológica quando psicológica. A inibição psicomotora “pura” marca o negativismo e o mutismo, dificultando um diagnóstico diferencial. Contudo, essa inibição extrema confere ao rosto do paciente uma inexpressividade que é também uma forma de expressão. Daí a percepção dos menores gestos ao exame (...)
[1] Cronos é uma leitura do tempo que representa o presente dos corpos e das causas, enquanto Aion representa o tempo que expressa os acontecimentos ou efeitos de superfície, os devires. Na síndrome de Cottard, o paciente cai nas profundezas do organismo e diz:”não tenho mais coração, meu estômago apodreceu...”, cf Deleuze, G., Lógica do Sentido, São Paulo, Perspectiva, Ed. Da Universidade de São Paulo, 1974, p. 167 e seguintes.
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