terça-feira, 27 de dezembro de 2011

DEPRESSÕES

                                 Antonio Moura

Contudo,  o  corpo do deprimido  está  submetido  ao   organismo. Neste  não  há  o tempo  de   Aion  e sim o tempo  de  Cronos. Síndrome  de  Cottard [1] , mergulho nas profundezas das  vísceras  apodrecidas.   O deprimido    costuma   recitar  os  enunciados  estabelecidos e não seguir as  linhas da  produção  desejante.  Ele   não vive. Apenas sobrevive.   É  um ser  molar, composto   por identidades  estáveis, regendo  o concerto da morte em vida. Vivências  paranóides  não   são incomuns.  A baixa  do humor  condiciona  juízos persecutórios. Do mesmo modo, as  funções  psíquicas como  um todo estão alteradas: consciência, eu, sensopercepção, pensamento,  memória, atenção,  inteligência, fala. A angústia às  vezes compõe  o quadro, mas diferencia-se  do humor  depressivo pela   sua   forma  plástica  expressando  sofrimentos  indizíveis. Mais conhecida atualmente como “ansiedade”, é  uma experiência de mal-estar  psíquico  com repercussões  somáticas, mas  que  não evidencia a  destruição  física  e mental tão marcante  nas  depressões. Depressão e ansiedade tem “naturezas”  diferentes, ainda que  possam vir  juntas. O deprimido   “quer”  morrer. O angustiado (ou ansioso) não quer “necessariamente”  morrer.  Talvez   busque  uma   “saída”  para a  vivência de pânico, de  fobia, de um incômodo mal  caracterizado.  Quanto à   linha suicida  do deprimido, claro, nem sempre leva   à morte  do organismo. A linha  de sofrimento  do angustiado  é o corpo se  debatendo  contra  demônios  (fantasmas), ainda  que  em desvantagem e fracassando  sempre. Uma  angústia  intensa pode  levar  uma  depressão a  se tornar “agitada”.  Essas  diferenças, expressas   em metáforas devido  às  nuances  vivenciais com  que se mostram,   são  de grande valor   na opção terapêutica adotada,  tanto  farmacológica  quando psicológica. A  inibição  psicomotora  “pura” marca  o negativismo e o mutismo, dificultando um diagnóstico diferencial. Contudo, essa  inibição  extrema  confere  ao  rosto  do paciente  uma inexpressividade  que  é  também uma  forma   de  expressão. Daí a  percepção  dos  menores  gestos  ao exame (...)


[1] Cronos  é  uma leitura  do tempo que  representa  o presente dos  corpos e  das  causas, enquanto Aion representa o tempo que  expressa os acontecimentos ou efeitos de superfície, os devires. Na  síndrome de Cottard, o paciente cai nas  profundezas do  organismo  e  diz:”não tenho mais  coração, meu estômago apodreceu...”, cf  Deleuze, G., Lógica  do Sentido,  São Paulo, Perspectiva, Ed. Da Universidade  de  São Paulo, 1974, p. 167 e  seguintes.

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