Delirar
Antonio Moura
Ao desconfiar que alguém delira, não julgue. Pense primeiro “ o que estará sentindo o suposto delirante?”. Quem delira pode não estar delirando, ou seja, pode estar apenas pensando em voz alta. Afinal, como seres do pensamento, deliramos. Uma barreira colocada entre nós e o dito mundo real impede que o delírio se torne um problema. Sim, torna-se um problema quando a ordem “natural” das coisas é rompida a nível da conduta. Para o bom senso isso é insuportável, ou quase insuportável. Parece claro. Há uma ordem racional do mundo que instituiu e institui valores, normas e códigos. Isso em toda parte. Uma necessidade de ordem e bom comportamento parece fazer as coisas andarem. O binômio ordem/desordem vem daí, alimenta-se de possíveis desvios que o confirmam. A todo custo, a ordem tem que ser mantida, começando pela família. Nesse estado de coisas o delírio é uma linha de vida não classificável. Não é a de um criminoso, nem a de uma criança ou de qualquer segmento social diferente dos normais. Eles não deliram. Então o delírio chega trazendo a marca do incompreensível e do insólito. Qual a sua natureza? É certo que o cérebro pode em muitos casos estar afetado, o que explica o problema. São os delírios orgânicos. Há uma infinidade deles. Originam-se em alguma afecção do organismo extracerebral ou intracerebral. Um exemplo muito simples é o delírio febril. Contudo, há formas do delírio em que o cérebro está íntegro em suas estruturas anátomo-fisiológicas. Neste caso, ele se origina em modos de subjetivação que estão fora do conceito de cérebro como órgão anatômico. O cérebro provavelmente será afetado de imediato ou a posteriori, mas não se pode falar em “origem” cerebral. É o caso do delírio esquizofrênico ou os delírios crônicos. Na verdade, há muitos delírios parecidos com o do esquizofrênico, mas que não “evoluem” para uma deterioração existencial. A questão da origem do delírio é complexa pois segue a pergunta “É delírio?”. Nesse sentido certos quadros clínicos parecem delirantes mas não são. Outros são delirantes mas a inserção do delírio nas crenças é fraca, digamos. A etiologia, para ser fina, deve partir das formas clínicas observáveis e não o contrário. Uma integração (maior ou menor) do conteúdo delirante ao sistema de crenças do paciente é de vital importância, tanto para a pesquisa etiológica quanto para a intervenção terapêutica. A avaliação do delírio unicamente como sintoma, dificulta a obtenção de um diagnóstico preciso. O sintoma é secundário à vivência. Através da vivência é que o paciente organiza as suas crenças. Vivência diz respeito ao significado da realidade e aos afetos postos nesse significado. Crença e afetividade são elementos-chave para adentrar aos modos de subjetivação (...)
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