terça-feira, 6 de dezembro de 2011



Delirar 


                                        Antonio  Moura



Ao  desconfiar que  alguém delira, não julgue. Pense  primeiro “ o que estará  sentindo  o suposto  delirante?”. Quem delira pode  não estar delirando, ou seja, pode estar  apenas pensando em voz  alta.  Afinal, como seres  do  pensamento, deliramos.  Uma barreira colocada  entre nós e o dito mundo  real impede  que  o delírio se torne um  problema.  Sim, torna-se  um problema  quando a ordem “natural” das coisas é  rompida a nível da conduta.   Para  o bom senso isso é  insuportável, ou  quase  insuportável. Parece claro. Há  uma ordem racional  do  mundo  que  instituiu e institui valores, normas  e códigos. Isso  em toda  parte.  Uma necessidade  de ordem e bom comportamento  parece  fazer  as  coisas andarem. O binômio  ordem/desordem  vem daí, alimenta-se  de possíveis  desvios que  o confirmam. A todo custo, a ordem  tem que ser  mantida, começando pela família. Nesse  estado de coisas   o delírio  é   uma linha de vida  não classificável. Não é a  de  um criminoso, nem a  de uma criança ou de qualquer  segmento social  diferente  dos  normais. Eles não  deliram.  Então o delírio  chega  trazendo a marca   do  incompreensível e do insólito. Qual a sua  natureza? É certo que o cérebro pode  em muitos  casos  estar  afetado, o que  explica o problema.  São os delírios orgânicos. Há  uma infinidade  deles.  Originam-se em alguma afecção do  organismo extracerebral  ou  intracerebral. Um exemplo muito simples  é o delírio  febril.   Contudo,  há   formas do delírio em que  o cérebro  está íntegro em suas  estruturas anátomo-fisiológicas.  Neste caso, ele se origina em  modos  de subjetivação que   estão fora  do conceito de  cérebro  como  órgão anatômico. O cérebro provavelmente  será  afetado de imediato  ou a  posteriori, mas não se  pode  falar  em “origem” cerebral. É o caso  do delírio esquizofrênico  ou os  delírios  crônicos. Na  verdade, há muitos delírios parecidos  com o do  esquizofrênico, mas  que  não “evoluem” para uma deterioração existencial. A questão da  origem  do delírio é complexa pois segue a  pergunta “É delírio?”. Nesse  sentido  certos  quadros  clínicos  parecem delirantes mas não são.  Outros  são delirantes  mas a inserção  do delírio  nas  crenças  é  fraca, digamos.  A etiologia,  para  ser  fina, deve  partir das formas clínicas observáveis  e  não o contrário. Uma  integração (maior ou menor)  do conteúdo delirante  ao sistema de crenças  do paciente  é de vital importância, tanto para  a pesquisa etiológica quanto para a intervenção terapêutica.  A avaliação  do delírio unicamente  como sintoma,   dificulta   a obtenção   de  um diagnóstico  preciso.  O sintoma  é secundário à  vivência. Através  da vivência  é  que  o paciente   organiza  as    suas  crenças. Vivência  diz  respeito ao significado   da  realidade e aos afetos  postos   nesse  significado. Crença e afetividade  são elementos-chave  para  adentrar  aos  modos  de subjetivação (...) 

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