sábado, 3 de dezembro de 2011

SOBRE O DIAGNÓSTICO PSIQUIÁTRICO

A terapêutica  é tributária do diagnóstico?   Em termos rigorosamente médicos, sim. Até  porque o diagnóstico médico busca  a  etiologia.Mas,   no caso psiquiátrico as coisas  se  passam diferentemente. É que  o comportamento do  paciente afeta  e  é  afetado pelas  circunstâncias em volta. Dir-se-ia “ circunstâncias sociais”  sob a inspiração do  conhecimento  sociológico. Mas  aqui não nos  interessa este  conhecimento senão quando inserido nas  relações  institucionais  concretas, ou seja, no funcionamento cotidiano dos  serviços de  saúde, dos  equipamentos, dispositivos etc, tudo o que chamamos  de  práticas. Assim , o diagnóstico psiquiátrico  efetua-se  sobre  os  corpos na medida em que  se  insere em circunstâncias  concretas. Um paciente-internado implica  num campo de  visibilidade  completamente distinto do de um paciente atendido num consultório, por exemplo. A terapêutica empreendida  no sanatório pode  nada ter  a  ver  com o  enunciado diagnóstico. Este  talvez  sirva  à  manutenção do hospital enquanto estrutura jurídica  e administrativa. Não como clínica.  Assim, o diagnóstico psiquiátrico, pelo menos no quadro do  funcionamento da  forma-hospício, não tem função terapêutica. Fora  deste  quadro,  para  além dos  muros do hospital,  ele  segue ainda a forma-hospíco, na  medida  em que  esta  forma  é  invisível. Ela  constitui o universo psiquiátrico como visão de mundo, visão de  uma  certa  natureza  humana. Não é  preciso que o paciente  esteja    internado. A simples menção   de  termos  como psicose, histeria,  demência, alcoolismo e  outros, é  bastante  para  produzir  efeitos subjetivos  de  rechaço ao dito portador destas enfermidades.  O que queremos  ressaltar é o fato de  que  as circunstâncias em que  tais  diagnósticos são proferidos  são desprezadas   em prol de enunciados que  “ colam”  nas subjetividades. No lugar destas ficam corpos medicalizados, consciências culpáveis e  comportamentos observáveis. Sabemos, é claro, que a  psiquiatria  precisa   de um diagnóstico.  Antes  desta necessidade, contudo, algo mais  profundo move as  opiniões ( o  senso comum  e  o  bom senso). É  o império da  racionalidade, ou seja,  o pressuposto  moral   das  práticas  clínicas.  Podemos dizer que as circunstâncias  institucionais  fazem o diagnóstico, não numa  relação causa-efeito, mas  numa relação de interioridade “ poder-enunciado-ato”. O psiquiatra, enquanto pessoa, não está  no jogo. Apenas um desejo como apropriação do objeto e  manutenção do status  quo da  psiquiatria. O mesmo poder-se-ia  dizer da medicina   em geral ou das  ciências  humanas(...)

Antonio Moura - do livro Linhas da diferença em psicopatologia

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