SOBRE O DIAGNÓSTICO PSIQUIÁTRICO
A terapêutica é tributária do diagnóstico? Em termos rigorosamente médicos, sim. Até porque o diagnóstico médico busca a etiologia.Mas, no caso psiquiátrico as coisas se passam diferentemente. É que o comportamento do paciente afeta e é afetado pelas circunstâncias em volta. Dir-se -ia “ circunstâncias sociais” sob a inspiração do conhecimento sociológico. Mas aqui não nos interessa este conhecimento senão quando inserido nas relações institucionais concretas, ou seja, no funcionamento cotidiano dos serviços de saúde, dos equipamentos, dispositivos etc, tudo o que chamamos de práticas. Assim , o diagnóstico psiquiátrico efetua-se sobre os corpos na medida em que se insere em circunstâncias concretas. Um paciente-internado implica num campo de visibilidade completamente distinto do de um paciente atendido num consultório, por exemplo. A terapêutica empreendida no sanatório pode nada ter a ver com o enunciado diagnóstico. Este talvez sirva à manutenção do hospital enquanto estrutura jurídica e administrativa. Não como clínica. Assim, o diagnóstico psiquiátrico, pelo menos no quadro do funcionamento da forma-hospício, não tem função terapêutica. Fora deste quadro, para além dos muros do hospital, ele segue ainda a forma-hospíco, na medida em que esta forma é invisível. Ela constitui o universo psiquiátrico como visão de mundo, visão de uma certa natureza humana. Não é preciso que o paciente esteja internado. A simples menção de termos como psicose, histeria, demência, alcoolismo e outros, é bastante para produzir efeitos subjetivos de rechaço ao dito portador destas enfermidades. O que queremos ressaltar é o fato de que as circunstâncias em que tais diagnósticos são proferidos são desprezadas em prol de enunciados que “ colam” nas subjetividades. No lugar destas ficam corpos medicalizados, consciências culpáveis e comportamentos observáveis. Sabemos, é claro, que a psiquiatria precisa de um diagnóstico. Antes desta necessidade, contudo, algo mais profundo move as opiniões ( o senso comum e o bom senso). É o império da racionalidade, ou seja, o pressuposto moral das práticas clínicas. Podemos dizer que as circunstâncias institucionais fazem o diagnóstico, não numa relação causa-efeito, mas numa relação de interioridade “ poder-enunciado-ato”. O psiquiatra, enquanto pessoa, não está no jogo. Apenas um desejo como apropriação do objeto e manutenção do status quo da psiquiatria. O mesmo poder-se-ia dizer da medicina em geral ou das ciências humanas(...)
Antonio Moura - do livro Linhas da diferença em psicopatologia
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