domingo, 23 de setembro de 2012


DEPRESSÃO E SUBJETIVIDADE


A  subjetividade  é  fabricada no registro  do  “fora”  , mesmo que  seja sentida  por  “dentro”.Assim ,  alguém   é  passível  de  deprimir  sem querer deprimir.   São  fluxos  (processos)  de  toda  ordem que  determinam o  humor sem que  o eu  participe  das  decisões.  O  eu é  uma  instituição.  Está    encarregado  de  apaziguar as coisas.   É  um moderador, um negociador. Mas,  às  vezes,     há  algo inegociável. O inconsciente  não  negocia.   A  serotonina  é    convocada, o  organismo   capitula.  Depressão.     A  química    costuma   socorrer.     Os  sintomas ficam atenuados (ou  somem) e as  transmissões  neuro-químicas  se  refazem  em prol de  uma  vida, digamos, mais  animada.  E  sem mania, pois     há  sempre    fármacos à  mão.  Esse é  o universo das  sinapses e das   medidas  exatas, das   bipolaridades,  ainda  que   no  humano  tudo   seja  inexato  e  múltiplo.
É que   há  outras   origens  e  maneiras (clínicas)   do  deprimir. (Atenção: deprimir não  é  angustiar-se, ainda  que   tais    sintomas  possam  vir  juntos,  tão   colados   que  se  fundem  à  observação  grosseira.  Depressão   é   perda  da vontade  de viver, ainda  que  esse  afeto  possa    estar   oculto  ou     encolhido  nas  dobras  da  alma). Pois  são as   dobras (ou  singularizações)  que  compõem o ser  subjetivo. Elas  traçam o  nexo   entre   o cérebro  e  o  espírito e eliminam  esse  dualismo milenar.  A   serotonina  é  um efeito, ou uma  causa, a depender das  circunstâncias. As  origens   da  depressão  são  secundárias   ao contexto e  não  o contrário.  Elas   estão  na  história do  paciente e  na  história  da humanidade. Antes que  edipiano, o inconsciente  é  histórico.  Está  aberto   a  mil  determinações, muitas   delas invisíveis.Observamos  que pacientes  deprimem após  as mais  diversas  situações. Ou mesmo  sem motivo;   deprimem  do  nada, céu  azul.    Não  é    tristeza.  É  qualitativamente  outro   afeto.  Podemos  dizer, então,  que  em todas  as  patologias  mentais  a  depressão   poderá   se  insinuar  como  um sintoma  a mais.    E  sempre   inscrevendo-se   no   corpo.  São   órgãos que  se  negam  a  funcionar,  sistemas  de  defesa  que  fraquejam.   A  questão   da   anamnese   passa  a ser :  está  deprimido há  quanto  tempo? A partir  de  que? Há  outros  sintomas? Como estão    o sono  e  a  alimentação? Há  outras  doenças? E as  relações  sociais?  O trabalho,  o   dinheiro, o prazer, o sexo?  Enfim, o tempo.  Para    além do  princípio dos    biopoderes    cerebrais (o cérebro que a medicina  produz como objeto de  pesquisa),  a  depressão é  signo de impotência  subjetiva.   Este é  o ponto   de contato da  clínica  psicopatológica  com a  vida. O paciente  deprimido  é  redutível ao corpo com órgãos. “Doe  tudo”, diz  um paciente. Mas  para  entrar  em contato  com a sua  dor, dor  de  existir,  é  preciso   considerar  a subjetividade  como processo existencial  abortado  num  corpo  de intensidades  destrutivas.  “Tudo  vai  mal”.  Neste  sentido, as  depressões  são  síndromes ao  invés  de sintomas:   a  vitalidade  se  esvai  numa  deriva  louca  em direção ao  suicídio. Claro  que  o suicídio  nem  sempre  acontece. Ainda  bem.  Mas  a  depressão  é  a  expressão  clínica  do desejo de  morrer. Um desejo que se  tece  às  vezes  nas falas mais  normais.  Daí, podemos considerar  que  também  existe  uma  depressão  sub-clínica  que  só   se  mostra por  linhas  enviesadas.Depressão  é  tema  complexo. Tão  complexo  que  convém não  ouvir  apenas   a  psiquiatria. É preciso  ir  mais longe.   Tal  fato  advém  de  uma  condição  não-humana e   vital que  atravessa  o estar  deprimido.  Enunciamos   essa  condição:  apesar  de  todas  as  adversidades (mesmo e principalmente naqueles  seres  marcados pela  privação,   oprimidos  de  todos  os  matizes) por  que  a  vida  se  afirma  como  alegria  radical? Alegria  sem motivo ou  o motivo  é apenas    o  de  estar  vivo?  O “estar  deprimido”  talvez   não  seja  uma  doença, mas a  substituição  da  vida pela morte  que  se instala sorrateira com máscaras  variadas:  perdas irremediáveis, serotonina,  narcisismo,  doenças  físicas,  condições insalubres de trabalho, desemprego, violência, dissolução de  valores , o fim das  utopias,  o capitalismo  mundial integrado, etc, etc.

A.M.

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