DEPRESSÃO E SUBJETIVIDADE
A subjetividade é fabricada no registro do “fora” , mesmo que seja sentida por “dentro”.Assim , alguém é passível de deprimir sem querer deprimir. São fluxos (processos) de toda ordem que determinam o humor sem que o eu participe das decisões. O eu é uma instituição. Está encarregado de apaziguar as coisas. É um moderador, um negociador. Mas, às vezes, há algo inegociável. O inconsciente não negocia. A serotonina é convocada, o organismo capitula. Depressão. A química costuma socorrer. Os sintomas ficam atenuados (ou somem) e as transmissões neuro-químicas se refazem em prol de uma vida, digamos, mais animada. E sem mania, pois há sempre fármacos à mão. Esse é o universo das sinapses e das medidas exatas, das bipolaridades, ainda que no humano tudo seja inexato e múltiplo.
É que há outras origens e maneiras (clínicas) do deprimir. (Atenção: deprimir não é angustiar-se, ainda que tais sintomas possam vir juntos, tão colados que se fundem à observação grosseira. Depressão é perda da vontade de viver, ainda que esse afeto possa estar oculto ou encolhido nas dobras da alma). Pois são as dobras (ou singularizações) que compõem o ser subjetivo. Elas traçam o nexo entre o cérebro e o espírito e eliminam esse dualismo milenar. A serotonina é um efeito, ou uma causa, a depender das circunstâncias. As origens da depressão são secundárias ao contexto e não o contrário. Elas estão na história do paciente e na história da humanidade. Antes que edipiano, o inconsciente é histórico. Está aberto a mil determinações, muitas delas invisíveis.Observamos que pacientes deprimem após as mais diversas situações. Ou mesmo sem motivo; deprimem do nada, céu azul. Não é tristeza. É qualitativamente outro afeto. Podemos dizer, então, que em todas as patologias mentais a depressão poderá se insinuar como um sintoma a mais. E sempre inscrevendo-se no corpo. São órgãos que se negam a funcionar, sistemas de defesa que fraquejam. A questão da anamnese passa a ser : está deprimido há quanto tempo? A partir de que? Há outros sintomas? Como estão o sono e a alimentação? Há outras doenças? E as relações sociais? O trabalho, o dinheiro, o prazer, o sexo? Enfim, o tempo. Para além do princípio dos biopoderes cerebrais (o cérebro que a medicina produz como objeto de pesquisa), a depressão é signo de impotência subjetiva. Este é o ponto de contato da clínica psicopatológica com a vida. O paciente deprimido é redutível ao corpo com órgãos. “Doe tudo”, diz um paciente. Mas para entrar em contato com a sua dor, dor de existir, é preciso considerar a subjetividade como processo existencial abortado num corpo de intensidades destrutivas. “Tudo vai mal”. Neste sentido, as depressões são síndromes ao invés de sintomas: a vitalidade se esvai numa deriva louca em direção ao suicídio. Claro que o suicídio nem sempre acontece. Ainda bem. Mas a depressão é a expressão clínica do desejo de morrer. Um desejo que se tece às vezes nas falas mais normais. Daí, podemos considerar que também existe uma depressão sub-clínica que só se mostra por linhas enviesadas.Depressão é tema complexo. Tão complexo que convém não ouvir apenas a psiquiatria. É preciso ir mais longe. Tal fato advém de uma condição não-humana e vital que atravessa o estar deprimido. Enunciamos essa condição: apesar de todas as adversidades (mesmo e principalmente naqueles seres marcados pela privação, oprimidos de todos os matizes) por que a vida se afirma como alegria radical? Alegria sem motivo ou o motivo é apenas o de estar vivo? O “estar deprimido” talvez não seja uma doença, mas a substituição da vida pela morte que se instala sorrateira com máscaras variadas: perdas irremediáveis, serotonina, narcisismo, doenças físicas, condições insalubres de trabalho, desemprego, violência, dissolução de valores , o fim das utopias, o capitalismo mundial integrado, etc, etc.
A.M.
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