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Este blog busca problematizar a Realidade mediante a expressão de linhas múltiplas e signos dispersos.
segunda-feira, 31 de dezembro de 2012
VIOLÊNCIAS DELICADAS
(...) (...) Concebemos a psiquiatria antes de tudo como uma instituição. É deste modo que ela empreende a pesquisa e o exercício da clínica, minorando sofrimentos e ajudando sujeitos a se reorganizarem psiquicamente. Mas é também deste modo que ela desenvolve e exerce práticas de segregação e violência. Por isso não é recomendável substancializá-la como sendo uma coisa nem considerá-la possuidora de uma “ natureza”. Ela é, isto sim, processo histórico-social inserido em formações subjetivas concretas. Para ser possível enxergar deste modo, partimos de outro lugar do pensamento, ainda que estejamos no mesmo lugar, que é o da clinica psicopatológica. Iremos ao que está fora das coordenadas da razão, o Aberto, para daí extrair acontecimentos, mesmo os menores, e, principalmente, quase imperceptíveis. Assim se descobrem mundos subjetivos insupeitos de existir, e que produzem realidades radicalmente distintas das vigentes. É o universo da diferença.
(...)
A.M.
PSCHIATRY ON LINE BRASIL
A primeira formulação dessa nova ciência foi a termodinâmica clássica com sua segunda lei (lei de dissipação de energia). Formulada por Sandi Carnot esta postulava uma tendência nos fenômenos físicos para a desordem. Qualquer sistema físico isolado se encaminhará espontaneamente em direção de uma desordem sempre crescente. Para expressar essa direção na evolução dos sistemas físicos em forma matemática foi introduzida então uma nova quantidade denominada entropia. De acordo com a segunda lei, a entropia de um sistema físico isolado continuará sempre aumentando. Seria então a entropia considerada como uma medida de desordem. Neste exato momento um ponto de interrogação foi criado entre as concepções de um mundo desdobrando-se em direção à ordem e complexidade, com a de um motor que para de funcionar, num mundo de desordem sempre crescente. Bertalanffy reconheceu que sua concepção por lidar com sistemas abertos não funcionaria sob o regime da termodinâmica clássica, pois nos sistemas abertos a entropia também poderia decrescer (Bertalanffy, 2009). Somente 30 anos depois, com o físico-químico russo Ilya Prigogine, a formulação de uma nova termodinâmica pode dar continuidade matemática às idéias de Bertalanffy (Capra, 2006).
Intrigado com o fato de organismos vivos serem capazes de manter seus processos de vida em condições de não-equilíbrio Prigogine enxergou a importância das equações não-lineares. Desenvolveu então uma nova termodinâmica não-linear que descreve o fenômeno de auto organização em sistemas abertos afastados do equilíbrio, onde a dissipação pode levar a uma nova ordem através de flutuações amplificadas por laços de realimentação positiva. Enfatizou também que as características de uma estrutura dissipativa não podem ser encaradas somente pelas propriedades de suas partes, mas são consequência de uma organização do sistema em si. No ponto de transição do equilíbrio para o não equilíbrio o sistema se comporta como um todo, emergindo então um novo padrão. Devido às iterações repetidas durante o processo qualquer variação ínfima pode tornar impossível qualquer previsão. Neste momento o paradigma mecanicista newtoniano totalmente causal e determinado dá espaço para a imprevisibilidade e probabilidade, onde o sistema estudado está regido sob uma verdadeira interação entre flutuações, mas ainda sob leis deterministas. (Prigogine, 2006). (grifos nossos)
O leitor neste momento deve estar se indagando: onde entra nossa Psiquiatria neste contexto? É visível o nosso uso de sistemas classificatório baseados em condições de pura linearidade, mas já foi demonstrado que o aparecimento de sintomas segue um padrão não-linear. O emprego do conceito de entropia (na forma de entropia aproximada- ApEn) em séries cardíacas e eletroencefalográficas já demonstraram padrões não identificados por medidas lineares quando relacionadas à psicopatologia (Pincus, 2003). Seguindo o mesmo raciocínio análises de EEG por meio da entropia demonstraram uma dinâmica diferenciada entre o pós e pré tratamento com antipsicóticos em esquizofrênicos, principalmente em córtex pré frontal (Takahashi et al, 2010). Seria então o momento de uma nova abordagem dentro dos constructos psiquiátricos? Talvez nomes ligados à formulação de uma nova nosologia psiquiátrica tenham se dado conta de tal fato, sendo Keneth Kendler um exemplo.
Março de 2012 - Vol.17 - Nº 3
COLUNA PSIQUIATRIA CONTEMPORÂNEA
BERTALANFFY...PRIGOGINE...KENDLER: SOB A MESMA FLECHA DO TEMPO?
Guilherme Luiz Lopes Wazen
Preceptor do ambulatório de Transtornos do Humor, Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica, Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP); membro do NUTTEC (Núcleo Transdisciplinar para Estudo do Caos e Complexidade)
Moacir Fernandes de Godoy
Coordenador do NUTTEC (Núcleo Transdisciplinar para Estudo do Caos e Complexidade).
Resumo – Os autores discutem a proposta de Kendler para o entendimento da doença mental com uma abordagem multifatorial, baseada em múltiplos níveis de interação interagentes por meio de retroalimentações que unem realidades biológicas, psicológicas e sociais.
Ludwig von Bertanlanffy iniciou sua carreira como biólogo em Viena, na década de 20, aonde logo juntou-se a um grupo de cientistas e filósofos conhecido como Círculo de Viena. Assim como com outros biólogos organicistas, acreditava que fenômenos biológicos exigiam uma nova maneira de pensar, transcendendo os métodos tradicionais das ciência físicas. Estabeleceu então sua teoria geral dos sistemas sobre uma sólida base biológica e apontou um dilema que intrigava os cientistas desde o século XIX: enquanto a mecânica newtoniana era uma ciência de forças e trajetórias, o pensamento evolucionista exigia uma nova ciência, a ciência da complexidade (Davidson, 1983).
A primeira formulação dessa nova ciência foi a termodinâmica clássica com sua segunda lei (lei de dissipação de energia). Formulada por Sandi Carnot esta postulava uma tendência nos fenômenos físicos para a desordem. Qualquer sistema físico isolado se encaminhará espontaneamente em direção de uma desordem sempre crescente. Para expressar essa direção na evolução dos sistemas físicos em forma matemática foi introduzida então uma nova quantidade denominada entropia. De acordo com a segunda lei, a entropia de um sistema físico isolado continuará sempre aumentando. Seria então a entropia considerada como uma medida de desordem. Neste exato momento um ponto de interrogação foi criado entre as concepções de um mundo desdobrando-se em direção à ordem e complexidade, com a de um motor que para de funcionar, num mundo de desordem sempre crescente. Bertalanffy reconheceu que sua concepção por lidar com sistemas abertos não funcionaria sob o regime da termodinâmica clássica, pois nos sistemas abertos a entropia também poderia decrescer (Bertalanffy, 2009). Somente 30 anos depois, com o físico-químico russo Ilya Prigogine, a formulação de uma nova termodinâmica pode dar continuidade matemática às idéias de Bertalanffy (Capra, 2006).
Intrigado com o fato de organismos vivos serem capazes de manter seus processos de vida em condições de não-equilíbrio Prigogine enxergou a importância das equações não-lineares. Desenvolveu então uma nova termodinâmica não-linear que descreve o fenômeno de auto organização em sistemas abertos afastados do equilíbrio, onde a dissipação pode levar a uma nova ordem através de flutuações amplificadas por laços de realimentação positiva. Enfatizou também que as características de uma estrutura dissipativa não podem ser encaradas somente pelas propriedades de suas partes, mas são consequência de uma organização do sistema em si. No ponto de transição do equilíbrio para o não equilíbrio o sistema se comporta como um todo, emergindo então um novo padrão. Devido às iterações repetidas durante o processo qualquer variação ínfima pode tornar impossível qualquer previsão. Neste momento o paradigma mecanicista newtoniano totalmente causal e determinado dá espaço para a imprevisibilidade e probabilidade, onde o sistema estudado está regido sob uma verdadeira interação entre flutuações, mas ainda sob leis deterministas. (Prigogine, 2006). (grifos nossos)
O leitor neste momento deve estar se indagando: onde entra nossa Psiquiatria neste contexto? É visível o nosso uso de sistemas classificatório baseados em condições de pura linearidade, mas já foi demonstrado que o aparecimento de sintomas segue um padrão não-linear. O emprego do conceito de entropia (na forma de entropia aproximada- ApEn) em séries cardíacas e eletroencefalográficas já demonstraram padrões não identificados por medidas lineares quando relacionadas à psicopatologia (Pincus, 2003). Seguindo o mesmo raciocínio análises de EEG por meio da entropia demonstraram uma dinâmica diferenciada entre o pós e pré tratamento com antipsicóticos em esquizofrênicos, principalmente em córtex pré frontal (Takahashi et al, 2010). Seria então o momento de uma nova abordagem dentro dos constructos psiquiátricos? Talvez nomes ligados à formulação de uma nova nosologia psiquiátrica tenham se dado conta de tal fato, sendo Keneth Kendler um exemplo.
(...)
domingo, 30 de dezembro de 2012
TAMBÉM JÁ FUI BRASILEIRO
Eu também já fui brasileiro
moreno como vocês.
Ponteei viola, guiei forde
e aprendi na mesa dos bares
que o nacionalismo é uma virtude.
Mas há uma hora em que os bares se fecham
e todas as virtudes se negam.
Eu também já fui poeta.
Bastava olhar para mulher,
pensava logo nas estrelas
e outros substantivos celestes.
Mas eram tantas, o céu tamanho,
minha poesia perturbou-se.
Eu também já tive meu ritmo.
Fazia isso, dizia aquilo.
E meus amigos me queriam,
meus inimigos me odiavam.
Eu irônico deslizava
satisfeito de ter meu ritmo.
Mas acabei confundindo tudo.
Hoje não deslizo mais não,
não sou irônico mais não,
não tenho ritmo mais não.
Carlos Drummond de Andrade
Linhas singulares da existência
(...) (...) São a materialidade subjetiva do individuo, a qual compreende elementos visíveis e invisíveis; ela sempre acontece no plural. São muitas linhas singulares funcionando num movimento incessante. O organismo visível, fornece o lastro concreto para uma subjetividade. Contudo, ele é composto por partes infinitamente divisíveis as quais chamamos corpo.O organismo não é o corpo. Este ultrapassa os limites do organismo de onde a medicina extrai a sua mais-valia de prestígio. As linhas singulares inscrevem-se num corpo não imediatamente visível nem tampouco separado do meio por uma linha de fronteira bem demarcada. Elas são antes de tudo micro-potências que impulsionam o funcionamento motor, cognitivo, intelectual, existencial, enfim, tudo que signifique produção incessante de vida. O paciente é composto por elas e são elas que se expressam como devires. Um sintoma é uma linha singular , já que, apesar de ser signo de uma doença cadastrada na CID-10, ao mesmo tempo é expresso como território existencial.”Eu sou meu delírio”, “Eu sou minha tontura”, etc.
(...)
A.M.
RESISTIR E CRIAR
(...) (...) O eletrochoque me desespera, tira minha memória entorpece meu pensamento e meu coração, transforma-me num ausente que se percebe ausente e se vê durante semanas perdido em busca de seu ser como um morto ao lado de um vivo. Na última série eu fiquei durante todo o mês de agosto e setembro absolutamente impossibilitado de trabalhar, de pensar e de me sentir ser. Peço que me poupe de uma nova dor, isto me fará repousar, Dr.Ferdière, e preciso muito de um repouso.
(...)
A. Artaud - das Cartas de Rodez
sábado, 29 de dezembro de 2012
O ESTADO E SEUS POLOS
(...) (...) Donde o caráter muito particular da violência de Estado: é difícil assinalar essa violência, uma vez que ela se apresenta como já feita. Não é nem mesmo suficiente dizer que a violência reenvia ao modo de produção.Marx observava no caso do capitalismo: há uma violência que passa necessariamente pelo Estado, que precede o modo de produção capitalista, que constitui a "acumulação original" e torna possível esse próprio modo de produção. Se nos instalamos dentro do modo de produção capitalista, é difícil dizer quem rouba e quem é roubado, e mesmo onde está a violência. É que o trabalhador nasce aí objetivamente todo nu e o capitalista "vestido", proprietário independente. O que formou assim o trabalhador e o capitalismo nos escapa, uma vez que já é operante em outros modos de produção. É uma violência que se coloca como já feita, embora ela se refaça todos os dias.
(...)
G. Deleuze e F. Guattari - do livro Mil platôs
A SOLIDÃO DO ESCREVER
Quando escrever é descobrir o interminável, o escritor que entra nessa região não se supera na direção do universal. Não caminha para um mundo mais seguro, mais belo, mais justificado, onde tudo se ordenaria segundo a claridade de um dia justo. Não descobre a bela linguagem que fala honrosamente para todos. O que fala nele é uma decorrência do fato de que de uma maneira ou de outra, já não é ele mesmo, já não é ninguém. O "Ele" que toma o lugar do "Eu", eis a solidão que sobrevêm ao escritor por intermédio da obra.
(...)
M. Blanchot - do livro O espaço literário
NEGRA DIVINDADE
(...) (...)Tinha meu amigo uma esquisitice - que outro nome posso lhe senão esse? - que era a de amar a noite por amor da noite. E dessa esquisitice,bem como de todas as outras dele, me deixei eu contagiar, abandonando-me ao sabor de suas extravagantes originalidades. A negra divindade não podia viver sempre conosco, mas nós, lhe imitávamos a presença. Aos primeiros albores da manhã fechávamos todos os pesados postigos de nossa velha casa, acendiamos um par de círios, fortemente perfuma-dos, que emitiam uma luz fraca e pálida. Graças a ela, mergulhávamos nossas almas nos sonhos, líamos, escrevíamos, ou conversávamos, até que o relógio nos advertisse da chegada da verdadeira escuridão. Então, saía pelas ruas, de braço dado, continuando a conversa do dia, ou vagando por toda parte, até hora avançada, à procura, entre as luzes desordenadas e as sombras da populosa cidade, daquelas inumeráveis excitações cerebrais que a tranqüila observação pode proporcionar.
(...)
Edgar Allan Poe - do conto Os assassinatos da rua Morgue
Cidade de Orgias
Cidade de orgias, passarelas e gozos!
Cidade em quem vivi e cantei em seu meio, que um dia farei ilustre,
Não os seus pajens – não são seus tableaux inconstantes, seus espetáculos que me compensam;
Não as suas fileiras intermináveis de casas – não os navios nos cais,
Não suas procissões nas ruas, nem suas claras janelas, com suas mercadorias;
Nem dialogar com pessoas instruídas, ou trazer a minha parte na festa ou banquete;
Não isso – mas, enquanto passo, Ó, Manhattan! seu relâmpago frequente e ligeiro de olhos que me oferecem amor,
Que oferecem resposta ao meu próprio – estes me compensam;
Amantes, contínuos amantes, apenas, me compensam.
City of Orgies
City of orgies, walks and joys!
City whom that I have lived and sung in your midst will one day make you illustrious,
Not the pageants of you—not your shifting tableaux, your spectacles, repay me;
Not the interminable rows of your houses—nor the ships at the wharves,
Nor the processions in the streets, nor the bright windows, with goods in them;
Nor to converse with learn’d persons, or bear my share in the soiree or feast;
Not those—but, as I pass, O Manhattan! your frequent and swift flash of eyes offering me love,
Offering response to my own—these repay me;
Lovers, continual lovers, only repay me.
Walt Whitman
ANTI-RECEITA EM SAÚDE MENTAL
Não demonizar a psiquiatria. Não desenvolver com ela uma relação persecutória. Não fazer uma crítica piedosa, reativa, ressentida. Não se dobrar ao poder psiquiátrico, nem tampouco reproduzi-lo. Não personalizar a crítica, não focá-la no psiquiatra. Não cair no jogo das identidades profissionais. Não se nivelar éticamente, políticamente, estéticamente, clinicamente, à psiquiatria. Não falar da psiquiatria, não comentar nem mesmo sobre a sua monumental ignorância teórica. Sobretudo, não atacá-la, mesmo que ela esteja atacando a Vida e seus devires. Há muito mais o que fazer. Fazer outras coisas, fazer a Diferença...
A. M.
JESUS, ESSE DESCONHECIDO
"O cristianismo será realmente o Anticristo: ele violenta Cristo, proporciona-lhe à força uma alma coletiva; em contrapartida, propicia à alma coletiva uma figura individual de superfície, o cordeirinho".
Gilles Deleuze -do livro Crítica e Clínica in Nietzsche e São Paulo, D.H. Lawrence e João de Patmos.
POLÍTICA
136 mil por mês: o preço da falta de pudor de Genoino
Condenado por corrupção ativa e formação de quadrilha, petista assumirá mandato na Câmara. Até que o STF o retire de lá, vai gerar mais prejuízo ao país
Gabriel Castro, VEJA OnLine
O ex-presidente do PT José Genoino, condenado no Supremo Tribunal Federal por corrupção ativa e formação de quadrilha, vai mesmo reassumir o mandato na Câmara dos Deputados.
Em 2010, ele não teve votos suficientes para conquistar uma cadeira na Casa, mas ficou na suplência. A espera terminou: Carlinhos Almeida (PT) renunciou ao mandato para assumir a prefeitura de São José dos Campos (SP) e abriu caminho para Genoino, que perderá uma nova oportunidade de demonstrar ao país um pouco de pudor. A posse deve ocorrer no início de janeiro.
O Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que os mensaleiros com mandato na Câmara – três são parlamentares da Casa – perderão o mandato.
Mas a determinação só será cumprida após o trânsito em julgado do processo do mensalão, o que depende da análise dos embargos apresentados pelos réus. O ex-presidente do PT foi condenado a 6 anos e 11 meses de prisão, que terá de cumprir em regime semiaberto.
Juntamente com o ex-ministro José Dirceu e o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares, Genoino formava o núcleo político do maior esquema de corrupção da história brasileira.
Enquanto são julgados os recursos da ação, Genoino, vai poder apresentar projetos de lei, participar de comissões, votar em plenário e discursar na tribuna da Câmara. Terá, também, direito ao auxílio-moradia (3 000 reais), à verba indenizatória para gastos de rotina (27 769 reais) e à contratação de 25 assessores (até 78 000 reais).
Receberá, ainda, um generoso salário de 26 723 reais – exatamente o que recebem os ministros do STF que o condenaram. O total do "custo-Genoino" pode chegar a 135 492 reais por mês.
Considerando que Pedro Henry (PP-MT), João Paulo Cunha (PT-SP) e Valdemar Costa Neto (PR-SP) também foram condenados pelo STF e estão cumprindo hora extra na Câmara, o total desperdiçado pode ultrapassar os 500 000 reais por mês.
Em janeiro, o Congresso não vai se reunir um dia sequer. Genoino, portanto, tomará posse para receber sem trabalhar. Como mostrou o julgamento do mensalão, o petista certamente contribui mais ao país quando está ocioso.
Carta aos Diretores de Asilos de Loucos
Antonin Artaud
Senhores:
As leis, os costumes, concedem-lhes o direito de medir o espirito. Esta jurisdição soberana e terrível, vocês a exercem segundo seus próprios padrões de entendimento.
Não nos façam rir. A credualidade dos povos civilizados, dos especialistas, dos governantes, reveste a psiquiatria de inexplicáveis luzes sobrenaturais. A profissão que vocês exercem esta julgada de antemão. Não pensamos em discutir aqui o valor dessa ciência, nem a duvidosa existência das doenças mentais. Porém para cada cem pretendidas patogenias, onde se desencadeia a confusão da matéria e do espirito, para cada cem classificações, onde as mais vagas são também as únicas utilizáveis, quantas tentativas nobres se contam para conseguir melhor compreensão do mundo irreal onde vivem aqueles que vocês encarceraram?
Quantos de vocês, por exemplo, consideram que o sonho do demente precoce ou as imagens que o perseguem são algo mais que uma salada de palavras? Não nos surpreende ver até que ponto vocês estão empenhados em uma tarefa para a qual só existe muito poucos predestinados. Porém não nos rebelamos contra o direito concedido a certos homens - capazes ou não - de dar por terminadas suas investigações no campo do espirito com um veredicto de encarceramento perpétuo.
E que encerramento! Sabe-se - nunca se saberá o suficiente - que os asilos, longe de ser "asilos", são cárceres horríveis onde os reclusos fornecem mão-de-obra gratuita e cômoda, e onde a brutalidade è norma. E vocês toleram tudo isso. O hospício de alienados, sob o amparo da ciência e da justiça, è comparável aos quartéis, aos cárceres, as penitenciarias. Não nos referimos aqui as internações arbitrárias, para lhes evitar o incomodo de um fácil desmentido. Afirmamos que grande parte de seus internados - completamente loucos segundo a definição oficial - estão também reclusos arbitrariamente. E não podemos admitir que se impeça o livre desenvolvimento de um delírio, tão legitimo e lógico como qualquer outra serie de idéias e atos humanos. A repressão das reações anti-sociais, em principio, è tão quimérica como inaceitável. Todos os atos individuais são anti-sociais. Os loucos são as vitimas individuais por excelência da ditadura social. E em nome dessa individualidade, que è patrimônio do homem, reclamamos a liberdade desses forcados das galés da sensibilidade, já que não se está dentro das faculdades da lei condenar à prisão a todos que pensam e trabalham. Sem insistir no caráter verdadeiramente genial das manifestações de certos loucos, na medida de nossa capacidade para avalià-las, afirmamos a legitimidade absoluta de sua concepção da realidade e de todos os atos que dela derivam.
Esperamos que amanha de manha, na hora da visita medica, recordem isto, quando tratarem de conversar sem dicionário com esses homens sobre os quais - reconheçam - só tem a superioridade da forca.
A CONTRA-ORDEM
(...) (...) O enquadre "cidológico" da psiquiatria atual não dá conta da complexidade das crenças e dos afetos do paciente.Como antídoto, usamos a loucura como uma espécie de "não-conceito", campo de intensidades fluidas, regime a-significante. Ele segue o fluxo dos devires, empurra e isola a instituição-saúde mental para o campo da repetição serial do Diagnóstico-essência. Em contra-partida, libera um espaço de criação e redefine o propósito de encontrar o paciente e não o de examiná-lo. Sabemos que isso é difícil pois a saúde mental opera num regime binário de significação: normais ou doentes. É uma marca de pode. Conta com dispositivos reducionistas aguardando ordens: "atire em tudo que se mexer!"
(...)
A.M.
DA ARTE
(...) (...) A linguagem da arte é inseparável da sensação, pura sensação que constitui a subjetividade como semiótica a-significante. Ou seja, não sendo submetida à consciência (“eu, enquanto indivíduo”), a produção da arte é uma produção de singularidades que retira matéria viva do caos .
(...)
A.M.
MILLERIANAS
"Sou um homem livre – e preciso da minha liberdade. Preciso estar sozinho. Preciso meditar na minha vergonha e no desespero em retiro; preciso da luz do sol e das pedras do calçamento das ruas sem companheiros, sem conversação, frente a frente comigo, apenas com a música do meu coração como companhia. Que querem vocês de mim? Quando tenho algo a dizer, ponho-o em letra de forma. Quando tenho algo a dar, dou-o. Sua curiosidade indiscreta faz virar meu estômago! Seus cumprimentos humilham-me! Seu chá envenena-me! Nada devo a ninguém. Seria responsável somente perante Deus – se Ele existisse!"
Henry Miller
sexta-feira, 28 de dezembro de 2012
LOUCURA COMO REFERÊNCIA
(...) (...) Para buscar uma definição da subjetividade usamos a loucura como Realidade e base da condição humana. Nosso objeto de pesquisa torna-se a loucura e não a doença mental. Esta é um produto da psiquiatria.Usá-la como objeto é girar no círculo redundante do olhar psiquiátrico. Ora, acessar a loucura requer o uso de múltiplos saberes. Os processos subjetivos seguem-na como vivência. A pergunta “o que é a loucura?” só poderá ser respondida ao modo das vivências trazidas pelo chamado louco. Este é o personagem que encarna o conceito de loucura para além de qualquer teoria. É isso que busca uma clínica da diferença. Através dela poderemos tentar entender os processos subjetivos.
(...)
A.M.
VAZIO
A poesia fugiu do mundo.
O amor fugiu do mundo —
Restam somente as casas,
Os bondes, os automóveis, as pessoas,
Os fios telegráficos estendidos,
No céu os anúncios luminosos.
A poesia fugiu do mundo.
O amor fugiu do mundo —
Restam somente os homens,
Pequeninos, apressados, egoístas e inúteis.
Resta a vida que é preciso viver.
Resta a volúpia que é preciso matar.
Resta a necessidade de poesia, que é preciso contentar.
Augusto Frederico Schmidt
A ENERGIA E A ERA INDUSTRIAL
(...) (...) O Fogo transforma as coisas, permite aos corpos entrarem em reação química, se dissolveram, se dilatarem, se fundirem ou se evaporarem e, evidentemente, permite ao combustível queimar com grandes desprendimentos de calor e de chamas. De tudo isso, que todos sabem e sabiam, o século XIX vai selecionar isto: a combustão liberta calor, e o calor pode provocar uma variação de volume, quer dizer, pode produzir um efeito mecânico. O fogo é capaz de fazer girar máquinas de um gênero novo, as máquinas térmicas que, nessa época, fazem surgir a sociedade industrial.
(...)
I.Prigogine e I. Stengers - do livro A nova aliança
quinta-feira, 27 de dezembro de 2012
RIGOR MORTIS: O CÉREBRO DURO
"As transcendências colocam a subjetividade num lugar “para além” da realidade do mundo. No caso do uso de noções como as de alma, espírito, eu, consciência, isso fica evidente. Contudo, o disfarce advém quando o cérebro é posto como um sistema isolado do que o circunda e o determina, caso dos pressupostos neuro-científicos, ou seja, a reificação do cérebro".
A.M.
quarta-feira, 26 de dezembro de 2012
NOMADIS TEMPORIUM DELIRIUM EST
(...) (...) Sou a base da cadeia alimentar de organismos maiores, e o mar me leva como uma criança no jogo de Alice. Nenhum raio cai na cabeça de um psicopata, mas eu vivo numa prisão imposta pela fúria de Titãs, condenado por ser um espírito livre. O que o Senhor tem a dizer sobre isso? O Senhor não diz nada, nada mesmo, porque ele vive dentro de nós. Vive nas nossas veias, passeia nelas com o submarino amarelo dos Beatles roubado lá mesmo, nos arredores de Liverpool. Desse modo, nossos corpos estão contaminados para toda a eternidade, pois toneladas de Zyprexa são armazenadas nos porões da embarcação sinistra. Eu até tentei falar dessas coisas para o psiquiatra remedeiro quando ele despachava do alto da colina, ou melhor, da sua coluna sifótica, ainda que só tenha uns 34, eu acho. Quem me falou outro dia foi a mulher dele, também uma remedeira que vem aqui todas as manhãs avisar que o mundo não vai acabar em 2012 porque já acabou. Pelo menos, para nós. A rameira é cínica e pícnica e diz uma chuva de besteira à luz do sol, assoviando uma canção de Nelsinho Ned, aquela do “tudo passa/tudo passará”. Eu gosto mesmo é de Alice e suas aventuras sinápticas, acrobáticas.
(...)
A.M. e I.N.
QUESTÃO DE MÉTODO
(..) (...) O nosso problema é o conceito de subjetividade fabricado em meio a um conjunto de nomes da clínica que a psiquiatria entronizou como sendo “A clínica dos transtornos mentais”. Ela começa com as condutas socialmente inadequadas, o que se consuma no diagnóstico (impreciso) de psicose, mas se expande, incluindo até mesmo quadros não psicóticos. Sua ambição é abarcar a gama das condutas humanas num sistema classificatório. É uma clínica estagnada no ponto em que o cérebro estabelece limites anátomo-fisiológicos (e estruturais) ao pesquisador. Entretanto, como no caso dos afetos. precisamos de uma máquina teórica que capte a velocidade do universo subjetivo, traga respostas do que se passa na Vivência. E que não se reduza às cintilações fisico-químicas do organismo, nem mesmo ao imaginário do eu ou às regras de conduta na sociedade. Buscamos outra coisa. Para que isso seja possível, é necessário considerar o processo de produção desejante em situações concretas.
(...)
A.M.
terça-feira, 25 de dezembro de 2012
DELEUZE E NÓS
Se há um nós no meio de certo filósofo é porque seu pensamento conceitual continua capaz de atrair interferências
Esse título é plágio da fórmula “Espinosa e nós”, presente em um pequeno texto escrito por Gilles Deleuze (1925-1995) em 1978, retomado em 1981, no final de seu Espinosa – Filosofia prática. A fórmula era assim entendida: “Nós no meio de Espinosa.” E se há um nós no meio de certo filósofo, no meio das vagas e labaredas de suas obras, é porque seu pensamento conceitual continua capaz de atrair nossas interferências, justamente por força de tudo que acontece em seu meio. Evidentemente, esse nós não sugere unanimidade intelectual ou de sentimentos. No mínimo, é um plural de convergências e divergências dos mais diversos matizes. E cada um desse nós, aventurando-se como pode, retoma a pergunta: que acontece no meio de Deleuze?
Acontecem afetos afirmativos, sente-se no rosto um novo frescor e novos ardores, nova maneira de termos encontros até inocentes com o pensamento, sem o cultivo da morte da metafísica ou do fim da Filosofia. Nesse meio, evitamos o hábito do obituário e a presunção dos transcendentes. Por que esse meio de Deleuze nos livra disso e mantém viva uma interessante possibilidade do pensamento filosófico? Não só pela perspicácia, pelo humor e até beleza de muitos dos seus textos, e nem apenas pelo aspecto saboroso de alianças que ele estabelece ao longo de uma quebradiça história da Filosofia. Sim, história quebradiça, porque, ao invés de condenada a blocos da monotonia cronológica, essa história pode ser aberta a viagens plenas de vigor, tão rigorosas quanto intensas. E quando ela se abre assim nesse meio? Quando o pensar se sente tomado por uma dramaturgia de idéias, por um problemático jogo de forças desterritorializantes, forças que se exercem como seleção e recriação de horizontes conceituais que pulsam nos grandes ou pequenos sistemas filosóficos. Sente-se isso no meio de Deleuze, seja por leve inspiração indireta, seja quando o acompanhamos diretamente em suas curtas ou longas estadas o obrigando a pensar. É que, em vez de pensar sobre isto ou aquilo, esse meio deleuzeano nos faz experimentar a necessidade de pensar com, postura que leva o conceito não à presunção de comandar, mas à tarefa de se determinar com aquilo que ele determina, postura que vai esculpindo as condições necessárias para que as idéias se sintam bem a serviço da expressividade do caso, do acontecimento, das questões, dos problemas, das frases alheias, desta ou daquela singularidade. É o que se pode notar até mesmo em um breve esboço dos grupos de escritos aí encontrados.
1. Com efeito, nesse meio, a escrita nos leva a passear com novos olhos por paisagens conceituais que julgávamos fixadas em estudos certamente relevantes, mas não únicos. E eis que ganhamos um novo Hume com Empirismo e subjetividade (1953), livro que nos remete à idéia de um empirismo superior, graças a relações exteriores aos termos relacionados. Ganhamos um novo Proust com Proust e os signos (1964; 1970), no qual, ao invés do apego ao passado empírico, o que se enreda em mundos de signos a serem desvendados é o aprendizado de um homem de letras.
2. E mais: ao lermos Nietzsche e a Filosofia (1962), e até o pequeno Nietzsche (1965), além do decisivo Espinosa e o problema da expressão (1968), assim como a retomada do pequeno Espinosa (1970) em Espinosa – Filosofia prática (1981), o que vemos conceitualmente justificado é a junção Nietzsche-Espinosa como guerreiros afirmativos, desses que combatem por uma vida eticamente valorizada e não moralmente depreciada. E não seria abuso juntarmos a essa dupla o nome de outro guerreiro, François Châtelet, a quem Deleuze, em Péricles e Verdi – A filosofia de François Châtelet (1988) presta uma digna homenagem ao ativar o conceito de combate na imanência.
3. Os incorporais dos estóicos ganham efervescente operatoriedade em Lógica do sentido (1969), dimensionam a idéia de acontecimento nesse livro, que também nos reanima quanto a Epicuro, a Lucrécio. Compreende-se a coloração bergsoniana desse meio com a leitura das linhas de diferenciação já armadas em O bergsonismo (1966). E como que aplicando uma crítica de Bergson a mistos mal compostos, encontramos importante desmontagem do misto denominado sado-masoquismo em Apresentação de Sacher-Masoch (1967).
4. Em outro cruzamento de latitudes e longitudes desse meio deleuzeano, uma nova explicitação conceitual da dobra barroca nos surpreende em A dobra – Leibniz e o barroco (1988). E boa surpresa reaparece nessa mesma obra, por força da idéia de acontecimento: reencontramo-nos com o conceito de ocasião atual, de Whitehead. Há toda uma variação de perspectivas que se acumulam nesse cruzamento. Com efeito, pouco antes, Deleuze publicara seu benquisto e conhecido Foucault (1986). Nesse cruzamento de atenções, está em pauta a questão das combinações das forças atuantes no homem e das forças do fora. Se, com Leibniz, nossas forças se combinam com aquelas de elevação ao infinito sob a forma-Deus, o problema que agora se coloca já não é esse, e nem mesmo aquele que consiste em submeter à forma-Homem as relações entre nossas forças e as que configuram nossa finitude na vida, no trabalho e na linguagem. O problema que se impõe a ambos é o da dissolução da forma-Homem por efeito de outra composição: as forças atuantes no homem combinam-se com forças de ilimitação do finito, aquelas que potencializam a produção de combinações praticamente ilimitadas de conglomerados finitos de componentes. É fácil notar uma das linhas favorecidas por esta combinação: a linha de proliferação dos controles na sociedade.
5. Mas nossas viagens por esse meio não param aí. Encontramos inovações na maneira pela qual, em Superposições (1979), são conceitualmente pensadas as operações com que Carmelo Bene cria seu teatro menor. Em O esgotado (1992), por sua vez, é com Samuel Beckett que nos encontramos, um Beckett que obriga Deleuze a distinguir conceitualmente o esgotado (que desliza por disjunções inclusivas) do fatigado (que pratica o jogo das disjunções exclusivas): enquanto o fatigado só esgotou a realização e já nada pode realizar, o fatigado esgota todo o possível e nada mais pode possibilitar, coisa que lhe ocorre de várias maneiras. Há uma intensidade no esgotamento, assim como, na pintura de Francis Bacon, há intensidade na dissipação da imagem. Essa pintura é acompanhada em Lógica da sensação (1984), obra que tematiza a passagem da matéria-forma à matéria-força.
6. Visitamos também o cinema e a literatura. Mas não para falar sobre este ou aquele filme, sobre este ou aquele romance. Com o socorro de filmes, de estudos dessa arte, dos que pensam a respeito do seu trabalho cinematográfico, trata-se de elaborar conceitos do cinema, isto é, de discriminar seus signos e de pensar relações constitutivas dessa arte em suas variações decisivas. É o que lemos em Cinema 1: imagem-movimento (1983) e em Cinema 2: imagem-tempo (1985). Além do cinema, há muita literatura conceitualmente pensada nesse meio deleuzeano. É o que ocorre no livro escrito por Deleuze em companhia de Félix Guattari, Kafka – por uma literatura menor (1975). Neste livro, certas noções ganham duradoura consistência, como a de agenciamento, a de devir imperceptível, de máquina social etc. E nele também aprendemos que fazer fugir é muito mais que criticar. Essa auto-exigência deleuzeana é praticada justamente em Crítica e clínica (1993), uma vasta reunião de textos, muitos dedicados à escrita literária: crítica, como traçado do plano de consistência da obra, e clínica como traçado de linhas sobre esse plano; o delineamento do bebê como combate, o de uma lógica extrema sem racionalidade, o da avaliação imanente, o dos cristais do inconsciente etc.
7. Esse meio ainda se abre à prodigiosa multiplicidade de outros recantos, como aqueles em que se reúnem os mais variados textos e entrevistas: Diálogos (1977; 1996), escrito com Claire Parnet; Conversações (1990), A ilha deserta (2002); e Dois regimes de loucos (2003), coletâneas extremamente importantes para quem se interessa pelas múltiplas facetas teóricas e práticas dos debates culturais e políticos contemporâneos.
8. Não apontamos ainda outros acontecimentos que duram nesse meio deleuzeano graças à colaboração havida entre -Deleuze e Guattari: uma nova teoria do desejo em O anti–Édipo (1972), desejo não mais marcado pela falta, mas por uma produtividade coextensiva ao meio natural-social-histórico; um vasto e complexo inconsciente espinosano distribuído em planos intensivos em Mil platôs (1980); e nova concepção do que seja ou deva ser a própria Filosofia. Sim, o meio deleuzeano é um convite para que estejamos atentos a relações de ressonâncias com outros domínios, relações não hierárquicas entre filosofias, ciências e artes, a respeito da Ética e dos combates na imanência pela dignificação do viver…
É claro que esses oito itinerários pelo meio Deleuze poderiam ser multiplicados. O que nos obriga a perguntar: seria esse meio o de uma dispersão de temas meramente justapostos ou, ao contrário, submetidos a um modelo interpretativo? Nada disso. Nele, qualquer coisa pode forçar o pensamento filosófico a cumprir sua única tarefa: a de sentir e pensar conceitualmente o jogo problemático constitutivo da coisa em seus encontros, o jogo que envolve a diferença e o problema em pauta a cada caso. Tarefa difícil e tematizada de modo exemplar em Diferença e repetição (1968). É que, a cada instante, o pensamento recai em um jogo antigo, o jogado entre quatro paredes da representação: a identidade do conceito, a analogia do juízo, a oposição dos predicados e a semelhança do percebido. Como subverter este jogo a cada instante? Tarefa difícil, para a qual o meio deleuzeano conta com uma proposição ontológica irredutível a receituários metodológicos: na experiência real dos encontros, todo e qualquer ente se diz univocamente como correspondências problemáticas entre diferenciações virtuais e diferenciações atuais. Assim, a problemática da diferença ganha uma nova imagem do pensamento filosófico.
Luiz B. L. Orlandi
Para quem sabe amá-lo, o mundo de sua máscara de infinito,torna-se pequeno como uma canção,como um beijo do Eterno.
Existo...,que perpétua surpresa é a vida!
...Lemos mal o mundo e logo dizemos que o mundo nos engana.
Quantas barricadas o pensamento do homem ergue contra si próprio.
Se lanço minha própria sombra no caminho,é porque há uma lâmpada em mim que não se acendeu...
R. Tagore
MENSAGEM AOS TÉCNICOS EM SAÚDE MENTAL (NÃO-MÉDICOS)
Considere o paciente antes de toda moral julgadora. Lembre-se que a existência é puro devir, e por isso vertigem .Essa é uma posição metafísica que busca apreender a passagem do tempo como sendo a própria subjetividade. A medicina não sabe disso, do que se trata, pois trabalha essencialmente com objetos sólidos. Não é um mal, mas é insuficiente para encontrar a diferença em psicopatologia. Saia, portanto, da ótica médica, marcada pela ciência experimental, pelo mecanicismo newtoniano e pela adesão ao mercado de consumo desenfreado. Adote uma posição ético-estética. Despsiquiatrize-se. Os fluxos que animam o corpo do paciente são os do desejo-rizoma. Experimente amar antes que o amor. Faça o acontecimento. Não há fórmulas ou protocolos. Arrisque...Ou então, tome a benção ao doutor... e peça autorização para existir...
A.M.
AINDA SOBRE O MÉTODO DA DIERENÇA
(...) (...) De início, assinalamos que o psiquiatra não é (ou não deveria) ser um passador de remédios, um remedeiro. Ao contrário, pela via do Encontro, ele busca percutir linhas de vida, mesmo que elas não se mostrem de pronto. Existe a escuta expectante das multiplicidades. São falas que podem ser decompostas em territórios existenciais delicados. Dobras subjetivas para além do olhar-clichê. Por isso,é preciso ver ao invés de enxergar. Ver o paciente como “não paciente” sem que isso seja uma negação da realidade. A relação é, pois, não hierárquica. A suposta ajuda construída na linha dos devires torna-se desejo de ser o outro sem sê-lo. Não uma pessoa à frente, mas linhas entrelaçadas, umas se expressando, outras não. Explorar os paradoxos na cena do Encontro implica em jogar papéis sociais, coletivos, inumanos. A questão passa a ser buscar formas de expressão. Pode ser pela fala, pelo silêncio, pelo corpo, pelas atitudes, etc. Importa a expressão e a potência de criar que lhe é correlata.O paciente cria? O que? Como? Para que? Onde?Os devires invadem o viver sem que os especialistas imponham uma ordem. O que se passa? O psiquiatra enlouquece sem estar louco ou ser um doente, nada disso.
(...)
A.M.
CONCEITOS SÃO FERRAMENTAS
"Psiquiatria coletiva: a que concebe o saber psiquiátrico como não hegemônico, atravessando e sendo atravessado pelas multiplicidades de saberes sobre a loucura. Psiquiatria materialista: a que coloca os afetos e os sistemas de crença do paciente como base para o trabalho clínico."
A.M.
segunda-feira, 24 de dezembro de 2012
O JARDIM
Existe um jardim antigo com o qual às vezes sonho,
sobre o qual o sol de maio despeja um brilho tristonho;
onde as flores mais vistosas perderam a cor, secaram;
e as paredes e as colunas são idéias que passaram.
Crescem heras de entre as fendas, e o matagal desgrenhado
sufoca a pérgula, e o tanque foi pelo musgo tomado.
Pelas áleas silenciosas vê-se a erva esparsa brotar,
e o odor mofado de coisas mortas se derrama no ar.
Não há nenhuma criatura viva no espaço ao redor,
e entre a quietude das cercas não se ouve qualquer rumor.
E, enquanto ando, observo, escuto, uma ânsia às vezes me invade
de saber quando é que vi tal jardim numa outra idade.
A visão de dias idos em mim ressurge e demora,
quando olho as cenas cinzentas que sinto ter visto outrora.
E, de tristeza, estremeço ao ver que essas flores são
minhas esperanças murchas – e o jardim, meu coração.
H. P. Lovecraft
LOUCURA
Eu sou lúcida na minha loucura, permanente na minha inconstância, inquieta na minha comodidade. Pinto a realidade com alguns sonhos, e transformo alguns sonhos em cenas reais.
Choro lágrimas de rir e quando choro pra valer não derramo uma lágrima. Amo mais do que posso e, por medo, sempre menos do que sou capaz.
Busco pelo prazer da paisagem e raramente pela alegre frustração da chegada. Quando me entrego, me atiro e quando recuo não volto mais.
Mas não me leve a sério, sei que nada é definitivo.
Nem eu sou o que penso que eu sou.
Nem nós o que a gente pensa que tem.
Prefiro as noites porque me nutrem na insônia, embora os dias me iluminem quando nasce o sol. Trabalho sem salário e não entendo de economizar.
Nem de energia. Esbanjo-me até quando não devo e, vezes sem conta, devo mais do que ganho.
Não acredito em duendes, bruxas, fadas ou feitiços. Não vou à missa. Nem faço simpatias. Mas, rezo pra algum anjo de plantão e mascaro minha fé no deus do otimismo.
Quando é impossível, debocho. Quando é permitido, duvido. Não bebo porque só me aceito sóbria, fumo pra enganar a ansiedade e não aposto em jogo de cartas marcadas.
Penso mais do que falo. E falo muito, nem sempre o que você quer saber. Eu sei. Gosto de cara lavada — exceto por um traço preto no olhar — pés descalços, nutro uma estranha paixão por camisetas velhas e sinto falta de uma tatuagem no lado esquerdo das costas.
Mas há uma mulher em algum lugar em mim que usa caros perfumes, sedas importadas e brilho no olhar, quando se traveste em sedução.
Se você perceber qualquer tipo de constrangimento, não repare, eu não tenho pudores mas, não raro, sofro de timidez. E note bem: não sou agressiva, mas defensiva.
Impaciente onde você vê ousadia.
Falta de coragem onde você pensa que é sensatez.
Mas mesmo assim, sempre pinta um momento qualquer em que eu esqueço todos os conselhos e sigo por caminhos escuros. Estranhos desertos.
E, ignorando todas as regras, todas as armadilhas dessa vida urbana, dessa violência cotidiana, se você me assalta, eu reajo.
Martha Medeiros
CONSCIÊNCIA PESADA
(...) (...) O conceito de consciência serve à concepção médica baseada nas estruturas cerebrais. O que não é um erro, e sim um recorte dos processos subjetivos. A psiquiatria trata da mente conforme o corpo físico-químico. Institui o cérebro como o “corpo mental”, dando origem a um novo dualismo: cérebro/mente e corpo (organismo). Uma psicopatologia da diferença põe em questão essa ótica. Quadros de dissociação histérica há mais de cem anos foram descritos por Freud. A consciência se altera. Além disso, várias outras situações clínicas podem modificar o nível da consciência sem que haja lesão cerebral demonstrável. A angústia, quando muito intensa, também pode levar o paciente a alterações do nível da consciência.
(...)
A.M.
O PROCESSO DE PRODUZIR MAIS VALIA
(...) (...) O produto, de propriedade do capitalista, é um valor-de-uso, fios, calçados etc. Mas, embora calçados sejam úteis à marcha da sociedade e nosso capitalista seja um decidido progressista, não fabrica sapatos por paixão aos sapatos. Na produção de mercadorias, nosso capitalista não é movido por puro amor aos valores-de-uso. Produz valores-de-uso apenas por serem e enquanto forem substrato material, detentores de valor-de-troca. Tem dois objetivos. Primeiro, quer produzir um valor-de-uso, que tenha um valor-de-troca, um artigo destinado à venda, uma mercadoria. E segundo, quer produzir uma mercadoria de valor mais elevado que o valor conjunto das mercadorias necessárias para produzi-la, isto é, a soma dos valores dos meios de produção e força de trabalho, pelos quais antecipou seu bom dinheiro no mercado. Além de um valor-de-uso quer produzir mercadoria, além de valor-de-uso, valor, e não só valor, mas também valor excedente (mais valia).
(...)
K. Marx
DO LIVRO
"Dos diversos instrumentos utilizados pelo homem, o mais espetacular é sem dúvida, o livro. Os demais são extensões de seu corpo. O microscópio, o telescópio são extensões de sua visão; o telefone é a extensão de sua voz; em seguida, temos o arado a espada, extensões de seu braço. O livro, porém, é outra coisa."
Jorge Luis Borges
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