quarta-feira, 19 de junho de 2013

DO ANARQUISMO

Acreditamos que a maioria dos males que afligem os homens decorre da má organização social; e que os homens, por sua vontade e seu saber, podem fazê-los desaparecer.

A sociedade atual é o resultado das lutas seculares que os homens empreenderam entre si. Desconheceram as vantagens que podiam resultar para todos da cooperação e da solidariedade. Viram em cada um de seus semelhantes (exceto, no máximo, os membros de sua família) um concorrente e um inimigo. E procuraram açambarcar, cada um por si, a maior quantidade de prazeres possível, sem se preocuparem com os interesses alheios.

Nesta luta, é óbvio, os mais fortes e os mais afortunados deviam vencer, e, de diferentes maneiras, explorar e oprimir os vencidos.

Enquanto o homem não foi capaz de produzir mais do que o estritamente necessário para sua sobrevivência, os vencedores só podiam afugentar e massacrar os vencidos, e se apoderar dos alimentos colhidos.

Em seguida – quando, com a descoberta da pecuária e da agricultura, o homem soube produzir mais do que precisava para viver – os vencedores acharam mais cômodo reduzir os vencidos à servidão e fazê-los trabalhar para eles.

Mais tarde, os vencedores acharam mais vantajoso, mais eficaz e mais seguro explorar o trabalho alheio por outro sistema: conservar para si a propriedade exclusiva da terra e de todos os instrumentos de trabalho, e conceder uma liberdade aparente aos deserdados. Estes, não tendo os meios para viver, eram obrigados a recorrer aos proprietários e a trabalhar para eles, sob as condições que eles lhes fixavam.

Deste modo, pouco a pouco, através de uma rede complicada de lutas de todos os tipos, invasões, guerras, rebeliões, repressões, concessões feitas e retomadas, associação dos vencidos, unidos para se defenderem, e dos vencedores, para atacarem, chegou-se ao estado atual da sociedade, em que alguns homens detêm hereditariamente a terra e todas as riquezas sociais, enquanto a grande massa, privada de tudo, é frustrada e oprimida por um punhado de proprietários.

Disto depende o estado de miséria em que se encontram geralmente os trabalhadores, e todos os males decorrentes: ignorância, crime, prostituição, definhamento físico, abjeção moral, morte prematura. Daí a constituição de uma classe especial (o governo) que, provida dos meios materiais de repressão, tem por missão legalizar e defender os proprietários contra as reivindicações do proletariado. Ele se serve, em seguida, da força que possui para arrogar-se privilégios e submeter, se ela pode fazê-lo, à sua própria supremacia, a classe dos proprietários. Disso decorre a formação de outra classe especial (o clero), que por uma série de fábulas relativas à vontade de Deus, à vida futura, etc, procura conduzir os oprimidos a suportarem docilmente o opressor, o governo, os interesses dos proprietários e os seus próprios. Daí decorre a formação de uma ciência oficial que é, em tudo o que pode servir os interesses dos dominadores, a negação da verdadeira ciência. Daí o espírito patriótico, os ódios raciais, as guerras e as pazes armadas, mais desastrosas do que as próprias guerras. O amor transformado em negócio ignóbil. O ódio mais ou menos latente, a rivalidade, a desconfiança, a incerteza e o medo entre os seres humanos.

Queremos mudar radicalmente tal estado de coisas. E visto que todos estes males derivam da busca do bem-estar perseguido por cada um por si e contra todos, queremos dar-lhe uma solução, substituindo o ódio pelo amor, a concorrência pela solidariedade, a busca exclusiva do bem-estar pela cooperação, a opressão pela liberdade, a mentira religiosa e pseudocientífica pela verdade.
(...)
E.Malatesta -  escrito em 1903

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