NADA PESSOAL
(...) É como na vida. Há na vida uma espécie de falta de jeito, de
fragilidade da saúde, de constituição fraca, de gagueira vital que é o charme
de alguém. O charme, fonte de vida, como o estilo, fonte de escrever. A vida
não é sua história; aqueles que não têm charme não têm vida, são como
mortos. Só que o charme não é de modo algum a pessoa. É o que faz
apreender as pessoas como combinações e chances únicas que determinada
combinação tenha sido feita. É um lance de dados necessariamente
vencedor, pois afirma suficientemente o acaso, ao invés de recortar, de
tornar provável ou de mutilar o acaso. Por isso, através de cada combinação
frágil é uma potência de vida que se afirma, com uma força, uma
obstinação, uma perseverança ímpar no ser. É curioso como os grandes
pensadores têm, a um só tempo, uma vida pessoal frágil, uma saúde
bastante incerta, ao mesmo tempo que levam a vida ao estado de potência
absoluta ou de "grande Saúde". Não são pessoas, mas a cifra de sua própria
combinação. Charme e estilo não são boas palavras, seria preciso encontrar
outras, substituí-las. É a um só tempo que o charme dá à vida uma
potência não pessoal, superior aos indivíduos, e que o estilo dá à escritura
um fim exterior que transborda o escrito.
(...)
G.Deleuze e C. Parnet in Diálogos
Nenhum comentário:
Postar um comentário