segunda-feira, 31 de outubro de 2016

ISOLADOS E SEM COMIDA

Pelo menos três crianças morreram de fome nesta segunda-feira depois de passarem vários dias isoladas com suas famílias em uma região ao norte da cidade de Mosul, no Iraque, local onde acontecem combates entre as tropas iraquianas e os jihadistas do grupo Estado Islâmico (EI). A região está isolada e a população civil, presa, sem poder receber produtos.

O governador de Talkif, Basim Yaqub Belu, informou que a morte das três crianças aconteceu no vale Al Ahmar, situado entre a comarca de Talkif e a região de Batnaya, ao norte de Mosul. Belu detalhou que há mais de 1.350 civis que se encontram isolados nesse vale. A situação dessa população piora a cada dia, pois os estoques de alimentos estão se esgotando.

Algumas organizações humanitárias conseguiram levar alimentos básicos e remédios para esses deslocados, mas não em quantidades suficientes. Atualmente, as forças iraquianas lutam contra o EI para expulsar a organização radical de Mosul e região.

Veja.com, 31/10/2016, 19:17 hs

CARLOS: 114 ANOS


Não se mate

Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será.

Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
Reserve-se todo para
as bodas que ninguém sabe
quando virão,
se é que virão.

O amor, Carlos, você telúrico,
a noite passou em você,
e os recalques se sublimando,
lá dentro um barulho inefável,
rezas,
vitrolas,
santos que se persignam,
anúncios do melhor sabão,
barulho que ninguém sabe
de quê, praquê.

Entretanto você caminha
melancólico e vertical.
Você é a palmeira, você é o grito
que ninguém ouviu no teatro
e as luzes todas se apagam.
O amor no escuro, não, no claro,
é sempre triste, meu filho, Carlos,
mas não diga nada a ninguém,
ninguém sabe nem saberá.
Não se mate


Carlos Drummond de Andrade

2º TURNO - O PARTIDO SEM VOTO


domingo, 30 de outubro de 2016

A EXPERIÊNCIA POÉTICA

"Quem sonda o verso escapa ao ser como certeza, reencontra os deuses ausentes, vive na intimidade dessa ausência, torna-se responsável por  ela, assume-lhe o risco e sustenta-lhe o favor. Quem sonda o verso deve renunciar a todo e qualquer ídolo, tem que romper com tudo, não ter a verdade por horizonte nem o futuro por morada, porquanto não tem direito algum `a esperança, deve, pelo contrário, desesperar. Quem sonda o verso morre, reencontra a sua morte como abismo". O texto de Blanchot traz a poesia para o cotidiano. Neste sentido, pode-se questionar: seriam poetas só os que escrevem versos? Não, porque a poesia não remete a uma profissão, a um ofício, a um campo intelectual, acadêmico, coisas da razão esperta,nem mesmo a um estilo de viver. Ao contrário, remete ao abismo insondável do sem-sentido, aquilo que está fora da linguagem, indizível, mas que é dito e adquire sentido como sensação de viver e de não apenas sobreviver. Assim, a experiência mais banal é vivida na rareza de um corpo intensivo que é o próprio desejo como gratuidade impessoal. Isso ultrapassa as dimensões estreitas de um eu identitário (quem você é?) e faz da experiência poética a dissolução (ainda que transitória) dos códigos da percepção consciente(os signos significantes).

A.M.


sábado, 29 de outubro de 2016

NOTÍCIAS DE DYLAN

Duas semanas depois de ser anunciado como o vencedor do Nobel de Literatura 2016, Bob Dylan finalmente deu sinal de vida. Em entrevista ao jornal britânico The Telegraph, o músico afirmou que deve comparecer à cerimônia de entrega do prêmio, marcada para 10 de dezembro, quando receberá um cheque no valor de 750.000 libras. “Com certeza”, disse. “Se for possível.”
(...)
Veja.com, 28/10/2018, 23:45 hs

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

PRODUZIR ILUSÕES

A filosofia das Luzes acreditava firmemente que, educando o povo, e dando-lhes os meios de informação necessários, as bases subjetivas da ilusão seriam exterminadas; e a luta política que se seguiria solaparia sua base social. Esta é a sua própria ilusão. Ela subestima ao mesmo tempo a necessidade social  da ilusão e sua necessidade subjetiva (...) (...) A explicação sociológica, a necessidade social da ilusão, não pode ser dissociada da explicação psicológica, a necessidade subjetiva da ilusão (...)

Michele Bertrand in O homem clivado - a crença e o imaginário

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

os três
poderes
são
um só:
o deles

Nicolas Behr

CUNHA NÃO É NADA PERTO DO RENAN


A DESMEMÓRIA

Chicago está cheia de fábricas. Existem fábricas até no centro da cidade, ao redor do edifício mais alto do mundo. Chicago está cheia de fábricas, Chicago está cheia de operários.
Ao chegar ao bairro de Heymarket, peço aos meus amigos que me mostrem o lugar onde foram enforcados, em 1886, aqueles operários que o mundo inteiro saúda a cada primeiro de maio.
— Deve ser por aqui — me dizem. Mas ninguém sabe. Não foi erguida nenhuma estátua em memória dos mártires de Chicago na cidade de Chicago. Nem estátua, nem monolito, nem placa de bronze, nem nada.
O primeiro de maio é o único dia verdadeiramente universal da humanidade inteira, o único dia no qual coincidem todas as histórias e todas as geografias, todas as línguas e as religiões e as culturas do mundo; mas nos Estados Unidos, o Primeiro de maio é um dia como qualquer outro. Nesse dia, as pessoas trabalham normalmente, e ninguém, ou quase ninguém, recorda que os direitos da classe operária não brotaram do vento, ou da mão de Deus ou do amo.
Após a inútil exploração de Heymarket, meus amigos me levam para conhecer a melhor livraria da cidade. E lá, por pura curiosidade, por pura casualidade, descubro um velho cartaz que esta como que esperando por mim, metido entre muitos outros cartazes de música, rock e cinema.
O cartaz reproduz um provérbio da África: Até que os leões tenham seus próprios historiadores, as histórias de caçadas continuarão glorificando o caçador. 
(...)
Eduardo Galeano

ANNA ARMONA



terça-feira, 25 de outubro de 2016

PSIQUIATRIA BIOLÓGICA: O ENGODO

O psicofármaco, por mais avançada que seja a sua tecnologia, atende clinicamente a demanda do sintoma. O paciente, dito portador de um transtorno mental, normalmente traz múltiplas queixas: ansiedade, irritabilidade, depressão (humor hipotímico), insônia, hipertimia (humor elevado) alucinações, delírios, sintomas somáticos mal definidos (por ex., uma "agonia" na cabeça), sintomas psíquicos mal definidos (por ex., um "desconforto" existencial ), condutas agressivas, impulsividade, ideação suicida, etc. Como se nota, são muitos os sintomas... e os problemas. Ora, já que não existe em psiquiatria o diagnóstico etiológico (ou seja, aquele com uma causa definida, como é o caso da tuberculose pulmonar na pneumologia), o psicofármaco vai ser usado buscando-se um efeito sobre o sintoma ou sobre os sintomas. Se possível eliminá-los, Mas por qual sintoma optar, se são tantos? O psiquiatra biológico, também chamado de remedeiro, faz uma opção racionalmente arbitrária, operando segundo critérios pseudo-científicos e de acordo com a moral vigente. Isto significa controlar o paciente, tentar fazê-lo voltar a se comportar de modo adequado aos códigos sociais. Enfim, torná-lo bonzinho. Deste modo, a um remédio para um sintoma se somará outro remédio para outro sintoma e assim por diante, formando um espectro de medicações associadas, onde o autor da prescrição já nem mais sabe que substância estará atuando no cérebro. Jogo de dados, jogo de azar, loteria, roleta russa, ou tão só a violência explícita da clínica psicofarmacológica?  

A.M.
Deus é triste.

Domingo descobri que Deus é triste
pela semana afora e além do tempo.

A solidão de Deus é incomparável.
Deus não está diante de Deus.
Está sempre em si mesmo e cobre tudo
tristinfinitamente.
A tristeza de Deus é como Deus: eterna.

Deus criou triste.
Outra fonte não tem a tristeza do homem.


Carlos Drummond de Andrade

A ARTE NÃO MORRE


Carta aos Reitores das 
Universidades Européias

Senhor Reitor:

Na estreita cisterna que chamais "Pensamento" os raios do espirito apodrecem como montes de palhas.

Basta de jogos de palavras, de artifícios de sintaxe, de malabarismos formais; precisamos encontrar - agora - a grande Lei do coração, a Lei que não seja uma Lei, uma prisão, senão um guia para o espirito perdido em seu próprio labirinto. Alem daquilo que a ciência jamais poderá alcançar, ali onde os raios da razão se quebram contra as nuvens, esse labirinto existe, núcleo para o qual convergem todas as forcas do ser, as ultimas nervuras do Espirito. Nesse dédalo de muralhas movediças e sempre transladadas, fora de todas as forças conhecidas de pensamento, nosso Espirito se agita, espreitando seus mais secretos e espontâneos movimentos, esses que tem um caráter de revelação, esse ar vindo de outras partes, caído do céu.

Porém a raça dos profetas esta extinta. A Europa se cristaliza, se mumifica lentamente dentro das ataduras de suas fronteiras, de suas fabricas, de seus tribunais, de suas Universidades. O Espirito "gelado" range entre as laminas minerais que o oprimem. E a culpa è de vossos sistemas embolorados, de vossa lógica de dois- e - dois - são - quatro; a culpa è vossa, Reitores, apanhados na rede de silogismos. Fabricais engenheiros, magistrados, médicos a quem escapam os verdadeiros mistérios do corpo, as leis cósmicas do ser< falsos sábios, cegos para o além, filósofos que pretendem reconstruir o Espirito. O menor ato de criação espontânea constitui um mundo mais complexo e mais revelador que qualquer sistema metafísico.

Deixa-nos, pois, Senhores< sois tão somente usurpadores. Com que direito pretendeis canalizar a inteligência e dar diplomas de Espirito?

Nada sabeis do Espirito, ignorai suas mais ocultas e essências ramificações, essas pegadas fosseis, tão próximas de nossas próprias origens, esses rastros que às vezes logramos localizar nos jazigos mais escuros de nosso cérebro.

Em nome de vossa própria lógica, vos dizemos: a vida empesta, senhores. Contemplai por um instante vossos rostos, e considerai vossos produtos. Através das peneiras de vossos diplomas, passa uma juventude cansada, perdida. Sois a praga de um mundo, Senhores, e boa sorte para esse mundo, mas que pelo menos não se acredite à testa da humanidade.

Antonin Artaud (1925)

JOÃO DONATO - Brisa do Mar


ABALO SÍSMICO

BRASÍLIA — Está fechado o acordo entre Marcelo Odebrecht e os procuradores da Operação Lava-Jato para que o empreiteiro possa fazer sua delação premiada, informou ao GLOBO uma pessoa vinculada às investigações. Também já foram fechados os acordos de delação de mais de 50 executivos e funcionários da maior empreiteira do país. Outros acordos ainda estão pendentes de acertos finais entre investigadores e investigados. Após oito meses de negociações, será a maior série de acordos de delação já firmada no país.
(...)
Jailton de Carvalho, O Globo, 25/10/2016,06:59 hs


segunda-feira, 24 de outubro de 2016

ODILON REDON


UMA FALSA QUESTÃO

A questão da existência ou não de Deus atravessa a constituição da subjetividade. É que a instituição religião, ou melhor, a forma-religião, é um dos componentes subjetivos mais importantes para a formação da personalidade e da consciência. "Ponha a mão na consciência", "Ele não tem consciência do que fez", "Ficou com a consciência pesada", etc, são muitos os enunciados que a cultura religiosa (notadamente a cristã) forjou como linha de controle sobre nossos atos. São modos de subjetivação: obedecer à si mesmo, à própria consciência para não precisar obedecer aos outros. Ou, já parcialmente domesticado pela consciência, fica mais fácil obedecer aos outros, via instituições de toda ordem... Ora, sob tal contexto, acreditar ou não acreditar em Deus vira um falso problema. Há quem acredite e desobedeça. Há que não acredite e obedeça. É que o Nome de Deus de há muito foi substituído pelo Nome da Consciência. E é na superfície da representação de nomes identificatórios tais como Eu, Pessoa, Indivíduo, Cidadão, entre outros, que nos reconhecemos como seres racionais, sensatos e voltados à busca da salvação. Por que então ainda falar em Deus?

A.M.

PHILIP GLASS - Labyrinth


NAVEGAÇÔES DOENTES

Tenho os sintomas todos:
navegam-me fluidos
e o devaneio em barcos de desejo

Os sons de trovoada
mesmo tapando ouvidos:
esclerótica paixão que não domino

Tenho os sintomas todos
e assim me reconheço
acamada, incurável: na parede do fundo
navegantes os barcos


Ana Luisa Amaral
SEM FÁRMACOS

Em psiquiatria clínica, seria possível usar poucas associações medicamentosas? Sim, já que elas costumam embotar o paciente e o psiquiatra. Nestes casos um diagnóstico revelador do que se passa costuma ser descartado, exatamente devido a essa "zona obscura" produzida pelo fármaco. Se, além do mais, for difícil captar a vivência mórbida, ficar na espreita do acontecimento já é um ganho ético-clínico. Escutar o vento nas orelhas do paciente. Escutar o silêncio. Ou apenas contemplar o que ele diz e o que se vê no que ele diz. Isso basta para começar o trabalho de garimpagem dos signos. Percutir as linhas do desejo talvez faça surgir algo que  não anseie  por fármacos e sim pelo acolhimento subjetivo. "Que se passa?" é a pergunta chave, logo seguida de "O que você está sentindo?". Uma clínica a experimentar.

A.M.  

GRANDES ESCRITOS


LÁGRIMAS DE CROCODILO

O Papa Francisco afirmou que a crueldade dos combates na cidade iraquiana de Mosul “faz todos chorarem e nos deixa sem palavras”. Dirigindo-se a um público de cerca de 50.000 fiéis reunidos neste domingo, o Papa afirmou que sofre pela “morte a sangue frio de numerosos filhos dessa abençoada terra, dentre os quais muitas crianças”.

Veja.com, 23/10/2016, 10:31 hs

domingo, 23 de outubro de 2016

Existem noites em que os lobos ficam em silêncio, e apenas a lua uiva.

George Carlin

ALEXEY ZAYTSEV


ERROS CORRETOS

A proposição de que "o cérebro é igual à mente" é adotada como pressuposto metodológico implícito na área da neurociência. Isso atende ao requisito principal da pesquisa, qual seja o de considerar o cérebro um objeto sólido, visível, imóvel, e daí, passível de manipulações de toda ordem, sempre com metodologias impecáveis. Ora, bastaria apenas um dado da psicopatologia clínica para demolir essa neurofraude interessada em domesticar as mentes em prol de um conservadorismo cientificamente elegante. Trata-se da síndrome conhecida como histeria e que deu origem ao edifício teórico da psicanálise em fins do século XIX. É, pois, desagradável ter que dizer coisas tão elementares, mas sabe-se há mais de 120 anos que nos quadros histéricos (mesmo os mais graves) o cérebro (notável estrutura funcional) encontra-se absolutamente normal, ou seja, sem lesões. Moderníssimos exames por imagem comprovam tal fenômeno clínico como fenômeno da mente e não do cérebro.

A.M.

A GUERREIRA

A história da ativista Agnes Igoye parece saída de um filme. Na noite do dia 7 de março de 1972, seu pai, líder de uma tribo da etnia Teso, no norte de Uganda, atravessou a selva de bicicleta com sua mulher em trabalho de parto, a caminho do hospital para que ela desse à luz em segurança. Sabia que um leão rondava a região. Agnes nasceu saudável em Pallisa, na madrugada do dia 8, coincidentemente, o Dia Internacional da Mulher, data que celebra a causa que, desde seu primeiro respiro, a acompanha pela vida. O nascimento de meninas, segundo a tradição dos Teso, não é comemorado. Mulheres que não concebem meninos podem ser devolvidas às suas famílias e o dote pago por elas, cobrado de volta por maridos insatisfeitos. Agnes foi a terceira menina gerada em sua família e a tribo ansiava por um garoto que pudesse herdar a liderança de seu pai. Educado em uma escola de missão católica e, portanto, exposto a valores ocidentais, ele não sentia tal desapontamento. Jamais se frustrou com a chegada de suas meninas e fez questão que elas e os dois filhos tivessem a mesma educação. Todos terminaram a faculdade.

Hoje, Agnes é a voz mais importante no combate ao tráfico de pessoas – mais especificamente de mulheres – na África. Vice-coor­denadora de Prevenção do Tráfico Humano em Uganda, ela treina funcionários públicos para reconhecer e capturar traficantes. Esse trabalho perpassa 13 ministérios e já capacitou mais de 2 mil oficiais. Além disso, é fundadora do Huts for Peace (Cabanas pela Paz, em português), um projeto que acolhe sobreviventes – em geral, meninas e seus filhos gerados no cativeiro. Também lidera o End Child Trafficking (Fim do Tráfico de Crianças), em que uma equipe percorre as tribos do interior do país para alertar a população sobre os riscos que a rondam. Em abril, recebeu o Prêmio Internacional Diane von Furstenberg pelo conjunto de seu trabalho, no valor de 50 mil dólares. Pretende investir a quantia no centro de acolhimento dessas vítimas.

(...)
Monica Serino, Globo.com, Nova York, 23/10/2016, 07:39 hs
IMAGINASSEM AS AMENDOEIRAS

Imaginassem as amendoeiras
que estamos em pleno outono.
Vestem-se como.

Púrpura, ouro,
estão perfeitas como estão:
erradas.

Pudesse um poema, um amor,
pudesse qualquer esperança
viver assim o engano:

beleza, beleza,
beleza,
mais nada.


Eucanaã Ferraz
LONGE MUITO PERTO DAQUI


ESTOU VIVENDO NA VILLA BORGHESE. Não há um resquício de sujeira em parte alguma, nem uma cadeira fora do lugar. Estamos completamente sozinhos aqui e estamos mortos. Ontem à noite, Bóris descobriu que estava com chatos. Tive de raspar-lhe as axilas e mesmo depois disso a coceira não passou. Como pode alguém adquirir chatos num lugar bonito como este? Mas isso não tem importância. Talvez nunca nos tivéssemos conhecido tão intimamente, Bóris e eu, se não fossem os chatos. Bóris acaba de oferecer-me uma síntese de suas idéias. É um profeta meteorológico. O tempo continuará ruim, diz ele. Haverá mais calamidades, mais morte, mais desespero. Não há a menor indicação de mudança em parte alguma. O câncer do tempo está nos comendo. Nossos heróis mataram-se ou estão se matando. O herói, então, não é o Tempo, mas a Ausência de Tempo. Precisamos acertar o passo, em ritmo acelerado, em direção à prisão da morte. O tempo não vai mudar. Estamos no outono do meu segundo ano em Paris. Mandaram-me para cá por uma razão que ainda não consegui compreender. Não tenho dinheiro, nem recursos, nem esperanças. Sou o mais feliz dos homens vivos. Há um ano, há seis meses, eu pensava ser um artista. Não penso mais nisso. Eu sou. Tudo quanto era literatura se desprendeu de mim. Não há mais livros a escrever, graças a Deus. E isto então? Isto não é um livro. Isto é injúria, calúnia, difamação de caráter. Isto não é um livro, no sentido comum da palavra. Não, isto é um prolongado insulto, uma cusparada na cara da Arte, um pontapé no traseiro de Deus, do Homem, do Destino, do Tempo, do Amor, da Beleza... e do que mais quiserem. Vou cantar para você, um pouco desafinado talvez, mas vou cantar. Cantarei ... (... ) (...) para cantar é preciso primeiro abrir a boca. É preciso ter um par de pulmões e um pouco de conhecimento de música. Não é necessário ter harmônica ou violão. O essencial é querer cantar. Isto é, portanto, uma canção. Eu estou cantando. É para você, Tânia, que estou cantando. Desejaria poder cantar melhor, mais melodiosamente, mas então talvez você jamais consentisse em ouvir-me. Você já ouviu outros cantarem e permaneceu fria. Cantavam bonito demais ou não cantavam suficientemente bonito. Estamos em vinte e tantos de outubro. Não acompanho mais as datas. Que diz você? Meu sonho de 14 de novembro do ano passado? Há intervalos, mas ficam entre sonhos e deles não resta consciência alguma. O mundo ao meu redor está se dissolvendo, deixando aqui e acolá manchas de tempo. O mundo é um câncer que está comendo a si próprio... Estou pensando que, quando o grande silêncio descer sobre tudo e todos, a música triunfará por fim. Quando tudo se retirar de novo para o útero do tempo, o caos será restabelecido, e o caos é a página sobre a qual a realidade está escrita. Você, Tânia, é o meu caos. É por isso que canto. Não sou nem eu, é o mundo morrendo, deixando cair a pele do tempo. Eu ainda estou vivo, dando pontapés em seu útero, uma realidade sobre a qual escrever.
(...)
Henry Miller in Trópico de Câncer  

PSIQUIATRIA BIOLÓGICA & TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL


SINCERICÍDIO

Ultrapassado nas pesquisas, o candidato do PSDB à prefeitura de Belo Horizonte, João Leite, subiu o tom. Em debate promovido pela Rede TV!, UOL, Veja e Facebook, o tucano insinuou que o rival é corrupto. Ao responder, o novo líder Alexandre Kalil, do PHS, cometeu sincericídio diante das câmeras: ''Eu roubo, mas não peço propina em Furnas''.

Leite ferveu: ''Vai ter que provar.'' E Kalil: ''Veio muito nervoso, veio muito preparado, mas tem o rabo preso, mano. […] Pode ficar pedindo direito de resposta, tá lá, delatado em Furnas com R$ 150 mil.''

Ficou-se com a impressão de que, a julgar pela opinião de um candidato sobre o outro, a capital mineira está condenada a eleger um desqualificado. E imaginar que um dia ambos foram a ambição de suas mães!
(...)

Do Blog do Josias de Souza,23/10/2016,01:46 hs

GRANDES ESCRITOS


ESQUERDA?

As urnas deram uma sova no Partido dos Trabalhadores. O PT despencou de 644 prefeituras para 256 – sem contar as sete que ainda vão disputar no segundo turno. Há quatro anos, a sigla conseguiu 17,2 milhões de votos; agora, foram apenas 6,8 milhões, o que representa uma quebra de 60%. É um baque gigantesco, não só para o PT, mas para toda a esquerda brasileira.

Você pode dizer que a tragédia não foi completa. Entre as 256 prefeituras ainda sob a estrela vermelha figuram algumas poucas cidades de algum peso, como a capital do Acre, Rio Branco. Você poderá dizer também que, fora do partido de Lula, o PSOL tem Marcelo Freixo no segundo turno do Rio de Janeiro. A essa altura, Freixo representa um alento para os que alimentam esperanças em bandeiras igualitárias e humanistas para o Brasil. Mas, mesmo assim, mesmo que a tragédia não seja completa, estamos falando de uma catástrofe.

O PT sai disso com sua identidade em crise. Em tempo: o PT é de esquerda? Os governos conduzidos por Lula e depois por Dilma abasteceram uma turma de empreiteiras (e grupos empresariais agregados) que representam a mentalidade mais retrógrada do capitalismo pátrio, baseada no compadrio, na aversão à concorrência de mercado e na proteção governamental. Os dutos de corrupção fartamente comprovados atestam que, no âmago desses governos, vigeu um modelo de rapina que exauriu empresas públicas e vitimou a população mais pobre. Isso lá é política de esquerda?

Chega a ser apavorante que alguns tenham considerado, por tanto tempo, que dava para ser de esquerda e, ao mesmo tempo, jurar obediência à ética do coronelismo parasitário. Os líderes dessa escola diziam que podiam instrumentalizar as oligarquias endinheiradas em favor de “transformações radicais” na sociedade. Incrível como enganaram tanta gente. Na verdade, eles instrumentalizaram o discurso das tais “transformações radicais” em favor dos cofres dos plutocratas primitivos – e dos seus próprios, é claro. Alegando “usar” os setores “reacionários” do capitalismo brasileiro em favor dos “pobres” e dos “oprimidos”, usaram os “pobres” para financiar o atraso.

E então? O PT é de esquerda? A conferir.
(...)

Eugênio Bucci, Época,21/10/2016, 17:35 hs

sábado, 22 de outubro de 2016

DESCARTÁVEL


vontade de me jogar fora




Francisco Alvim

FABIO CEMBRANELLI


DA EXPERIÊNCIA DOS SIGNOS

O ser amado é como a qualidade sensível, vale pelo que en­volve. Seus olhos seriam apenas pedras e seu corpo um pedaço de carne, se não exprimissem um mundo ou mundos possíveis, paisagens e lugares, modos de vida que é preciso explicar, isto é, desdobrar, desenrolar como os pedacinhos de papel japonês: como a Srta. de Stermaria e a Bretanha, Albertina e Balbec. O amor e o ciúme são estritamente comandados por essa ativi­dade de explicação. Há mesmo como que um duplo movimento pelo qual uma paisagem necessita enrolar-se numa mulher, como a mulher, desenrolar as paisagens e os lugares que "con­tém" encerrados em seu corpo. A expressividade é o conteúdo de um ser. Aí, também, poder-se-ia acreditar que exista apenas uma relação de associação entre o conteúdo e o continente. Entretanto, embora a cadeia associativa seja estritamente ne­cessária, há algo a mais, que Proust define como caráter indi­visível do desejo que quer dar uma forma a uma matéria e preencher de matéria uma forma.Mas o que mostra ainda que a cadeia de associações só existe em relação com uma força que a vai romper é uma curiosa distorção pela qual se é tomado no mundo desconhecido expresso pelo ser amado, esvaziado de si próprio, aspirado para esse outro universo. De tal modo que ser visto faz o mesmo efeito que ouvir pronunciar seu nome pelo ser amado; o efeito de aparecer nu em sua boca. A associação da paisagem e do ser amado no espírito do narrador é, portanto, rompida em proveito de um ponto de vista do ser amado sobre a paisagem, em que o próprio narrador é tomado, mesmo que seja para ser excluído, recalcado. Mas, desta vez a ruptura da cadeia associativa não é superada pela aparição de uma essência; ela é aprofundada por uma operação de esvaziamento que restitui ao narrador o seu próprio eu. 
(...)
Gilles Deleuze in Proust e os signos
Moralistas são pessoas que renunciam às alegrias corriqueiras para poder, sem culpa e recriminação, estragar a alegria dos outros.

Bertrand Russell

GEORGE BENSON - In Your Eyes


PRISÕES
(...)
Temer herdou uma situação calamitosa, que ele não percebeu depois de tantos anos ao lado do PT. Não tem condições de abrir novas frentes, sobrecarregado pela agenda econômica. A única saída é uma espécie de intercâmbio das pessoas que conheceram as prisões brasileiras, seja por visitas de ofício ou experiências familiares, e todas conversem sobre como desmontar essa bomba.
Ideias dispendiosas são inviáveis no momento. Será preciso pôr a cabeça para funcionar. É preciso demonstrar que a inércia custa mais caro. Já vi motins causando prejuízo de R$ 2 milhões, por uma economia de R$ 5 mil numa comida intragável.
Quanto mais esquecermos os presídios, mais falarão por si próprios. E eles não falam nada quando nos lembramos deles, inclusive de monitorá-los. Ou, então, falam como os presidiários de Linhares, em Juiz de Fora, que aprenderam a bordar a exportam seus trabalhos para a Europa e o Japão, por intermédio de uma jovem empresária.
As prisões do Brasil e da Venezuela têm algo em comum: tornaram-se um inferno maior durante os anos de populismo de esquerda. Quando Thoreau falava em visitar as cadeias para conhecer o nível da sociedade, tratava de um tema mais amplo. Conhecer as cadeias do Brasil revela muito sobre o governo que dirigiu o País por 13 anos.
(...)
Fernando Gabeira, 21/10/2016
POEMA DO FALSO AMOR

O falso amor imita o verdadeiro
Com tanta perfeição que a diferença
Existente entre o falso e o verdadeiro

É nula. O falso amor é verdadeiro
E o verdadeiro falso. A diferença
Onde está? Qual dos dois é o verdadeiro?

Se o verdadeiro amor pode ser falso
E o falso ser o verdadeiro amor,
Isto faz crer que todo amor é falso

Ou crer que é verdadeiro todo amor.
Ó verdadeiro Amor, pensam que és falso!
Pensam que és verdadeiro, ó falso Amor!



Dante Milano

JÁ?


NA CONTRA-CORRENTE

A psiquiatria é um aparelho de poder filhote e subproduto da medicina, por sua vez uma megamáquína em escala planetária que produz, entre outras coisas, a medicalização da vida social. É preciso sempre mais doentes! Tal medicalização implica, antes de tudo, na fabricação de afetos coletivos"baixos" tais como a reverência à figura do médico, o medo à vida (no que se inclui a doença), a crença acrítica nos métodos e na palavra deificada da medicina, e no caso psiquiátrico, a fobia à loucura e à perda do controle sobre si. Assim, o que está em jogo, nas duas formas sociais citadas, é o empreendimento capitalístico voraz de controle massivo sobre corpos e mentes, aplicado pelas vias e veias do inconsciente-fábrica ( importante: a consciência vigil só recolhe os efeitos imediatos das formas de soberania política) a desejar o modo de vida contemporâneo. Ou seja, o capitalismo não apenas como pauperização econômica "natural" eterna e brutal de milhões de pessoas, mas como capital ("simples" relação social) instalado na alma: a servidão imunda.Tudo isso é invisivelmente explícito na vitrine internética e escancarado aos milhões numa sutil fabricação de indiferença e o ressurgir do leito esplêndido para um dualismo esgotado (esquerda versus direita) como é o caso do Brasil atual. De todo modo, voltando ao início desse texto menor, é possível dizer que a psiquiatria e seus psiquiatrizados, a medicina e seus medicalizados, compõem a superfície encantada do apoliticismo hegemônico e a sua correlata substituição pela tecnologia das virtualidades deliciantes.

A.M.

GEORGI PETROV


O PROCESSO DO DESEJO

(...) Em direção a que nada a vassoura das feiticeiras os arrastam? E para onde Moby Dick arrasta Ahab tão silenciosamente? Lovecraft faz com que seu herói atravesse estranhos animais, mas enfim penetre nas últimas regiões de um Continuum habitado por ondas inomináveis e partículas inencontráveis. A ficção científica tem toda uma evolução que a faz passar de devires animais, vegetais ou minerais, a devires de bactérias, de vírus, de moléculas e de imperceptíveis. O conteúdo propriamente musical da música é percorrido por devires-mulher, devires-criança, devires-animal, mas, sob toda espécie de influências que concernem também os instrumentos, ele tende cada vez mais a devir molecular, numa espécie de marulho cósmico onde o inaudível se faz ouvir, o imperceptível aparece como tal: não mais o pássaro cantor, mas a molécula sonora. Se a experimentação de droga marcou todo mundo, até os não-drogados, é por ter mudado as coordenadas perceptivas do espaço-tempo, fazendo-nos entrar num universo de micropercepções onde os devires moleculares vêm substituir os devires animais. Os livros de Castañeda mostram bem essa evolução, ou antes essa involução, onde os afectos de um devir-cachorro, por exemplo, são substituídos por aqueles de um devir-molecular, micropercepções da água, do ar, etc. Aparece um homem cambaleando de uma porta a outra e desaparecendo no ar: "tudo o que eu posso te dizer, é que nós somos fluidos, seres luminosos feitos de fibras" . Todas as viagens ditas iniciáticas comportam esses limiares e essas portas onde há um devir do próprio devir, e onde muda-se de devir, segundo as "horas" do mundo, os círculos de um inferno ou as etapas de uma viagem que fazem variar as escalas, as formas e os gritos. Dos uivos animais até os vagidos dos elementos e das partículas.
(...)
G. Deleuze e F. Guattari in Mil platôs, vol. 4 

A INDIFERENÇA É A MORTE


CONTRAINTELIGÊNCIA NO SENADO

Reforçada por José Sarney e Renan Calheiros na última década e alvo de incontáveis acusações de arbitrariedades, a Polícia Legislativa do Senado foi alvo de uma operação da Polícia Federal na última sexta-feira, dia 21. A Operação Métis prendeu o diretor da Polícia do Senado, Pedro Ricardo Araújo Carvalho, que foi considerado líder de uma organização criminosa e comanda a área desde 2005, e outros três policiais: Geraldo Cesar de Deus Oliveira, Everton Elias Ferreira Taborda e Antonio Tavares dos Santos Neto. O grupo atuava sob o comando da cúpula do Senado e é acusado de montar um esquema de contrainteligência com o objetivo de localizar e destruir escutas telefônicas e ambientais de parlamentares envolvidos na Lava Jato. Investigadores da PF suspeitam que, além de encontrar interceptações autorizadas pela Justiça Federal, os agentes legislativos instalaram grampos ilegais. Os atos teriam ocorrido entre 2014 e 2015, durante a Operação Lava Jato.
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Alana Rizzo e Bárbara Lobato, 21/10/2016,21:07 hs

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

O ASSASSINATO DA SUBJETIVIDADE

O trabalho clínico com o paciente psiquiátrico tem (ou deveria ter) como condição a Ética. Não uma ética idealista, mas uma ética imanente à prática. Isto significa produzir condições operacionais para uma potência subjetiva se expressar. Afetos produtivos. O uso de psicofármacos, tão generalizado nos dias atuais, é um campo por excelência para o exercício prático dessa experimentação ética. Ele precede até mesmo a política, esta que funciona encravada na relação de poder médico-paciente. Assim, uma ética não idealista, não acadêmica, não transcendente, pode ser construída, problematizada e refeita a qualquer momento, na medida em que modos singulares de existir entrem na composição da clínica psicopatológica. Ora, ora, ao inverso, estamos cansados de assistir ao uso vergonhoso do paciente como depósito cerebral de psicofármacos sustentados por diagnósticos pseudo-científicos e estigmatizadores. Este é assunto da psiquiatria biológica em parceria com a terapia cognitivo-comportamental.

A.M.
Mais do que em qualquer outra época, a humanidade está numa encruzilhada. Um caminho leva ao desespero absoluto. O outro, à total extinção. Vamos rezar para que tenhamos a sabedoria de saber escolher.

Woody Allen

CONFIRMADA PRIMEIRA DELAÇÃO PREMIADA DO CUNHA

Confira se seu nome está na lista

MEGADELAÇÃO

BRASÍLIA — Nos bastidores, parlamentares apostam que uma eventual delação de Eduardo Cunha poderá prejudicar mais de uma centena de deputados que ele ajudou durante sua ascensão de líder do PMDB a presidente da Casa.

Após não encontrá-lo, os agentes da PF foram ao apartamento funcional que ele ainda ocupava na Asa Sul, em Brasília. Eduardo Cunha já tinha uma mala preparada para uma eventual prisãoEx-presidente da Câmara, Eduardo Cunha é preso em Brasília

Nas redes sociais, prisão de Cunha não demorou a ser alvo de piadasPrisão de Cunha agita a internet e piadas dominam a rede

O deputado Paulinho da Força (SD-SP)Amigo de Cunha, Paulinho da Força não descarta delação
— Ele é um arquivo vivo — afirmou o líder do PR, Aelton de Freitas (MG).
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Isabel Braga, O Globo, 20/102016, 08:22 hs





quarta-feira, 19 de outubro de 2016

MANABU MABE


DO NOVO ÍDOLO
Nalguns lugares ainda há povos e rebanhos, mas não entre nós, meus irmãos: entre nós há Estados.
Estados? O que é isso? Vamos! Apurai os ouvidos, porque agora vou falar-vos da morte dos povos.
Estado é o nome do mais frio de todos os monstros gelados. Aliás, ele mente de uma maneira fria e a mentira que sai da sua boca é esta: “Eu o Estado sou o Povo.”
Mentira! Eram criadores aqueles que criaram os povos e por cima deles suspenderam uma fé e um amor: deste modo serviam a vida.
São destruidores aqueles que armam ciladas à multidão e chamam a isso Estado: suspenderam por cima deles uma espada e cem cobiças.
No lugar onde ainda existe um povo, este não tolera o Estado e odeia-o como um mau-olhado, como um pecado contra os costumes e o direito.
Dou-vos este sinal: cada povo fala a sua língua acerca do bem e do mal: o vizinho não a compreende. Inventou a sua linguagem nos costumes e no direito.
Mas o Estado mente em todas as línguas acerca do bem e do mal; tudo o que ele diga é mentira- tudo o que ele tenha é roubo.
Nele tudo é falso: morde com dentes roubados, o cão malvado. Até as suas entranhas são falsas.
Confusão das línguas do bem e do mal: dou-vos este sinal como sinal do estado. Na verdade, este sinal quer dizer vontade de morte! Na verdade, ele chama os pregadores da morte!
Demasiados homens vêm ao mundo: o Estado foi inventado para os supérfluos!
Vede, pois, como os atrai, àqueles que estão a mais! Como ele os engole, os mastiga e os rumina!
Nada há maior do que eu sobre a terra: sou o dedo soberano de Deus- assim ruge o monstro. E não são unicamente os de grandes orelhas e de vista curta que se põem de joelhos!
Oh! Também a vós, almas grandes, ele murmura sombrias mentiras! Oh! Como ele adivinha os corações ricos que gostam de fazer prodigalidades!
Até mesmo a vós vos adivinha vencedores do velho deus! O combate fatigou-vos e agora essa fadiga serve para o novo ídolo!
Esse novo ídolo desejaria rodear-se de heróis e de homens honrados! Gostava de se aquecer ao sol da boa consciência- o frio monstro!
O novo ídolo dar-vos-á tudo se vós o adorais: é desse modo que compra o brilho da vossa virtude e o vosso olhar altivo.
Através de vós quer atrair aqueles que estão a mais! Trata-se da invenção duma marcha infernal, dum cavalo de batalha da morte tilintando sob os arreios das honras divinas!
De facto, é a invenção duma morte para a maioria, duma morte que se vangloria a si própria de ser a vida: na realidade, um serviço prestado a todos os pregadores da morte!
Dou o nome de Estado ao lugar em que todos, bons e maus, gostam de veneno: Estado, o lugar em que todos, bons e maus, se perdem a si mesmos; Estado, o lugar em que o lento suicídio de todos se chama “a vida”.
Vede, pois, esses que estão a mais! Apropriam-se das obras dos inventores e dos tesouros dos sábios. Chamam ao seu roubo cultura e tudo para eles se torna em doença e males.
Vede, pois, esses que estão a mais! Estão sempre doentes, vomitam a sua bílis, e a isso chamam jornal. Devoram-se uns aos outros e nem sequer se podem digerir.
Vede, pois, esses que estão a mais! Adquirem riquezas e só conseguem tornar-se mais pobres. Esses impotentes querem o poder e, antes de tudo o resto, a alavanca do poder, ou seja, muito dinheiro!
Vede-os trepar ágeis macacos! Sobem uns por cima dos outros e empurram-se para a lama e para o abismo.
Querem aproximar-se todos do trono: é essa a sua loucura- como se a felicidade estivesse no trono! Muitas vezes é a lama que está no trono ou então é o trono que assenta na lama. Aos meus olhos, são todos loucos, macacos trepadores e pessoas febris. O monstro frio, o seu ídolo, cheira mal: todos esses idólatras cheiram mal.
Quereis sufocar no meio das exalações das suas gargantas e dos seus apetites, meus irmãos? Mais vale quebrardes as janelas e saltardes para fora.
Evitai o mau cheiro! Afastai-vos da idolatria dos supérfluos!
Evitai o mau cheiro! Afastai-vos do fumo desses sacrifícios humanos!
Apesar de tudo, a terra agora ainda está livre para as grandes almas. Há ainda muitos lugares vazios para aqueles que estão sozinhos ou que têm a sua solidão a dois, lugares onde sopra o odor dos mares silenciosos.
Há ainda uma vida livre para as grandes almas. Na verdade, quem pouco possui também é pouco possuído: abençoada seja a pequena pobreza!
Precisamente onde termina o Estado começa o homem que não é supérfluo: aí começa o cântico dos que são necessários, a melodia única e incomparável.
Olhai bem, portanto, meus irmãos, para onde termina o Estado! Não vedes o arco-íris e a ponte do Super-Homem?
F. Nietzsche

E AGORA?


PRISÃO DE EDUARDO CUNHA: A FILA ANDA



Aprendi que o artista não vê apenas. Ele tem visões. A visão vem acompanhada de loucuras, de coisinhas à toa, de fantasias, de peraltagens. Eu vejo pouco. Uso mais ter visões. Nas visões vêm as imagens, todas as transfigurações. O poeta humaniza as coisas, o tempo, o vento. As coisas, como estão no mundo, de tanto vê-las nos dão tédio. Temos que arrumar novos comportamentos para as coisas. E a visão nos socorre desse mesmal.

Manoel de Barros
QUEM NÃO ASSISTIU

No segundo debate entre os Marcelos que disputam a prefeitura do Rio, levou a melhor o pedaço do eleitorado que não assistiu ao debate, privilegiando o travesseiro. Guiando-se por autocritérios, Freixo pode declarar-se vencedor. Crivella também pode se proclamar vitorioso. Mas a grande dúvida é a seguinte: quem vence um debate medíocre é melhor ou pior do quem perde?
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Do Blog do Josias de Souza, 19/10/2016, 05:00 hs

terça-feira, 18 de outubro de 2016

MARCOS VALLE & STACEY KENT - Amando Demais


Os transtornos mentais não explicam nada. Eles é que devem ser explicados.

A.M.
INFERNO DAS PRISÕES
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Há nos arquivos do Conselho Nacional de Justiça um sem-número de relatórios sobre os reflexos da omissão do poder público nos presídios. O fenômeno é nacional. E potencializa a ação das facções ciminosas. Abandonados pelo Estado, os presos ficam à mercê do crime organizado. Em troca de favores e de proteção, os condenados novos são obrigados a seguir diretrizes do crime, que os sentenciam a uma segunda pena: a criminalidade perpétua.
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Do Blog do Josias de Souza,18/10/2016, 06:02 hs

18 DE OUTUBRO - DIA DO MÉDICO


segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Pensando bem, a religião nunca viu problemas em matar pessoas. Mais gente morreu em nome de Deus do que por outro motivo. Depende de quem manda e de quem morre!

George Carlin

CHRISTINA NGUYEN