domingo, 9 de outubro de 2016

EM QUE ACREDITAR?

O "delírio" é um conceito-chave em psicopatologia. Por que? Porque ele está ligado, plugado, conectado à questão da verdade. Isso não é uma observação abstrata, ao contrário. Na clínica, na vida cotidiana, nas relações sociais, na atividade política, enfim, em toda parte, a questão da verdade está presente, mesmo que não seja dita. Talvez porque incomode ou assuste. Desde criança, a mais tenra, somos atravessados pela produção de verdade, quando, por exemplo, nos convencem (naturalmente) que aquele senhor de barba, tão presente no dia-a-dia, é o nosso pai. Foi feito exame de DNA? Claro, esse é um exemplo simplório que serve apenas para demonstrar que a verdade vem de fora, sendo portanto construída independente de nossa consciência ou de nossa vontade. E o que dizer de verdades mais finas, sutis, complexas, abstratas,ou, indo direto ao ponto, de verdades mentirosas, ou "meia-verdades"? Adiante no tempo, se for o caso, a verdade poderá se tornar um delírio... ou ela já não seria um delírio? Assistimos pacientes delirarem, mas a toda hora pessoas comuns, normais, boas pessoas, cidadãos cumpridores de ordens, também deliram, ainda que esse delírio não seja cadastrado como um sintoma de transtorno mental ou como o próprio transtorno. Que se passa? Como tentar compreender (ou aceitar) tais fenômenos sem apelar para os argumentos do senso comum, do bom senso, ou pior, para a lógica simplista e excludente da psiquiatria biológica, onde quem delira necessariamente tem alterações cerebrais?! Ou, como quando se dizia antigamente, quem delira tem um parafuso frouxo? Nada disso. Todos deliram porque o pensamento só vive "fora dos trilhos", portanto, delirando. Os poetas sabem.

A.M.

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