segunda-feira, 3 de outubro de 2016

JEITO IMPESSOAL

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Quando o problema é o de um devir-minoritário: não fingir, não fazer como ou imitar a criança, o louco, a mulher, o animal, o gago ou o estrangeiro, mas tornar-se tudo isso, para inventar novas forças ou novas armas. É como na vida. Há na vida uma espécie de falta de jeito, de fragilidade da saúde, de constituição fraca, de gagueira vital que é o charme de alguém. O charme, fonte de vida, como o estilo, fonte de escrever. A vida não é sua história; aqueles que não têm charme não têm vida, são como mortos. Só que o charme não é de modo algum a pessoa. É o que faz apreender as pessoas como combinações e chances únicas que determinada combinação tenha sido feita. É um lance de dados necessariamente vencedor, pois afirma suficientemente o acaso, ao invés de recortar, de tornar provável ou de mutilar o acaso. Por isso, através de cada combinação frágil é uma potência de vida que se afirma, com uma força, uma obstinação, uma perseverança ímpar no ser. É curioso como os grandes pensadores têm, a um só tempo, uma vida pessoal frágil, uma saúde bastante incerta, ao mesmo tempo que levam a vida ao estado de potência absoluta ou de "grande Saúde". Não são pessoas, mas a cifra de sua própria combinação. Charme e estilo não são boas palavras, seria preciso encontrar outras, substituí-las. É a um só tempo que o charme dá à vida uma potência não pessoal, superior aos indivíduos, e que o estilo dá à escritura um fim exterior que transborda o escrito.
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G. Deleuze e C. Parnet in Diálogo

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