A FILA ANDA
Um dia qualquer, pode ser quarta-feira na hora do almoço, seu ex-marido telefona para contar que está namorando. Talvez ele mande uma mensagem de celular ou um e-mail. Não faz diferença. Você recebe a notícia e, instantaneamente, as imagens ao seu redor saem de foco. Você respira fundo, tenta se recompor, mas a voz da pessoa com quem está almoçando vai ficando cada vez mais longe. Por alguns segundos, você ouve apenas o seu próprio batimento cardíaco, sangue pulsando com som estereofônico nos ouvidos. Acha que vai desmaiar. É uma sensação assustadora, que, ainda bem, desaparece como veio. Então você se ajeita na cadeira, retoma a conversa, e, penosamente, começa a viver sua nova realidade.
Quanto tempo faz desde a separação – um ano, oito meses? Você já deveria estar preparada. Ele é um cara legal, bonito, afetuoso, uma hora aconteceria. Claro, vocês andaram trocando mensagens no final do ano, ele ficou com o seu cachorro durante as férias, talvez você achasse que as coisas estavam de alguma forma se ajeitando. Mas não.
Em todo esse tempo, repare, ele nunca tentou tocar em você, nunca a convidou para fazer nada romântico. Ele a procurava de vez em quando, é verdade, mas sempre para falar dos problemas que o afligiam no trabalho, na família, nas relações com os amigos. Você confundiu a intimidade que persistia entre vocês com alguma forma de romance, mas não era o caso. O romance estava guardado para outro alguém, que pelo jeito apareceu.
Não há o que censurar, você bem sabe. Durante esse tempo você também esteve tentando, procurando, se divertindo. Gostou daquele cara tatuado – lembra? -, mas ele não quis mais sair. Houve aquele outro, do beijo no meio do jantar. Você jurava que iria rolar, mas não. Antes de sentir-se vítima das circunstâncias ou das pessoas, lembre dos homens que você esnobou. Eles ligavam, procuravam, persistiam, mas com eles você não queria nada. Faltava química, vontade de rever, saudades. Senão você estaria namorando.
A verdade é que você não se apaixonou desde a separação. Ele se apaixonou. Não há injustiça.
(...)
Ivan Martins, Época, 11/01/2017,14:54 hs
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