UMA ÉTICA DA IMANÊNCIA
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Toda filosofia que seja uma filosofia para a vida não pode tolerar a morte de outros para alcançar o que quer que seja. Recusar a morte implica, concomitantemente, recusar tudo que faça morrer. “Assassinato e suicídio são a mesma coisa, ou se aceitam ambos ou se rejeitam ambos” (Albert Camus, Homem Revoltado). Quando matamos alguém, mato a ideia que fazia dele, mas também o ser humano real que havia por trás. Se a filosofia rejeita o suicídio e a morte, então o filósofo não deve colocar-se nem como vítima nem como carrasco. Não há inimigos, seu lugar é ao lado dos homens.
Portanto, não poderia haver perigo maior para a revolta que o fanatismo. Por fanatismo podemos entender desde o nazismo até o marxismo, passando por interpretações religiosas extremas. Não há filosofia que justifique a morte e a opressão sem cair no mais profundo niilismo. É necessário manter-se fiel à Terra para afastar de si todo niilismo. Isto evita que a filosofia torne-se arma dos fanáticos que matam justificando uma transcendência injustificável. Não podemos jamais confundir este conceito tão caro a Camus com alguma forma de religião ou busca por transcendência. Revoltar-se significa ir contra aquilo que nega o mundo, isto é uma das mais potentes formas de afirmação: negar aquele que nega o homem, é a mais pura forma de afirmação da vida.
A revolta é uma força aqui e agora, um movimento de apropriação do real, ela acontece no devir, não é um iludir-se com um mundo melhor no futuro, trata-se de um apropriar-se das rédeas da situação, levando a tensão ao máximo: é uma condição existencial levada ao seu limite. A revolta está sempre no plano do possível, o revoltado quer na verdade manter algo que já tem. Ele diz “Basta!”, para impor um limite, que é o limite de sua constituição no mundo. Este movimento não está relacionado com o pobreza, muito pelo contrário, é o que há de mais íntimo e valioso que ele quer resguardar e manter. Também não há uma busca pela inversão de valores, não se trata do oprimido querendo tornar-se opressor (em termos nietzschianos: não há ressentimento). A revolta é a busca por um outro sentido, trata-se de uma transvaloração dos valores.
O filósofo camuseano é um revoltado porque sua filosofia amplia as possibilidades do real. Esta ética supõe um limite: uma linha existencial deve ser respeitada. O revoltado afirma um ponto extremo, uma linha que existe no encontro, uma fronteira que deve ser preservada. Daí nasce uma ética da revolta, uma maneira de ser fundamentalmente marcada pela revolta contra limites que são absolutamente invioláveis. Esta é a fórmula encontrada por Camus: afirmar e negar ao mesmo tempo, negar a condição de miséria humana afirmando algo em si que não pode ser submetido.
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Rafael Trndade, do blog Razão inadequada, 14/12/2013
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