SEM IGUAL
(...) O humor negro de Marx, a fonte do Capital,
é sua fascinação por uma tal máquina: como isso pôde montar-se,
sobre que fundo de descodificação e de desterritorialização, como
isso funciona, cada vez mais descodificada, cada vez mais desterritorializada,
como isso funciona tão solidamente através da axiomática,
através da conjugação de fluxos, como isso produz
a terrível classe única dos homens cinzentos que mantêm a máquina,
como isso não corre o risco de morrer sozinho, mas, antes, o
que faz e nos leva a morrer, suscitando até o fim investimentos de
desejo que nem sequer passam por uma ideologia enganadora e
subjetiva e que nos fazem gritar até o fim Viva o capital na sua
realidade, na sua dissimulação objetiva! Nunca houve, a não ser
na ideologia, capitalismo humano, liberal, paternal etc. O capital
define-se por uma crueldade sem igual quando comparada com o
sistema primitivo da crueldade, define-se por um terror sem igual
quando comparado com regime despótico do terror. Os aumentos
de salário, a melhoria do nível de vida são realidades, mas realidades
que decorrem de tal ou qual axioma suplementar que o
capitalismo é sempre capaz de acrescentar à sua axiomática em
função de uma ampliação dos seus limites (façamos o New Deal,
defendamos e reconheçamos sindicatos mais fortes, promovamos
a participação, a classe única, venhamos a dar um passo em direção à Rússia que faz o mesmo em nossa direção etc.). Mas, na
realidade ampliada que condiciona essas ilhotas, a exploração não
para de endurecer, a falta é arranjada da maneira mais hábil, as
soluções finais do tipo “problema judeu” são preparadas muito
minuciosamente, o Terceiro Mundo é organizado como parte
integrante do capitalismo.
(...)
G. Deleuze e F. Guattari in O anti-édipo
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