segunda-feira, 30 de abril de 2018

O ESTADO DE EXCEÇÃO SE TORNOU NORMA

(...) O estado de exceção era um dispositivo provisório para situações de perigo. Hoje se tornou um instrumento normal de governo. Com a desculpa da segurança diante do terrorismo, se generalizou. A exceção, por isso se chamava estado de exceção, é norma. O terrorismo é inseparável do Estado porque define o sistema de governo. Sem o terrorismo, o sistema atual de governo não poderia funcionar. Há dispositivos como o controle das impressões digitais, ou o escaneamento que te fazem nos aeroportos, que foram adotados para controlar os criminosos e agora são aplicados a todos. Da perspectiva do Estado, o cidadão se transformou em um terrorista virtual. Do contrário, não se explica o acúmulo de câmeras que nos vigiam em todas as partes. Somos tratados como criminosos virtuais. O cidadão é um suspeito, numerado, como em Auschwitz, onde cada deportado tinha seu número.
(...)

Agamben , entrevista a Francesc Arroyo, El País, 30/04, 01:31 hs


domingo, 29 de abril de 2018

Os pés e as mãos conhecem o desejo da alma.
Fechemos pois a boca e conversemos através da alma.
Só a alma conhece o destino de tudo, passo a passo.
Vem, se te interessas, posso mostrar-te.

Rumi

JOSE LUIS BUSTAMANTE


O QUE SERÁ SERÁ

Desde o fim das eleições de 2016, venho dando entrevistas e escrevendo artigos, afirmando que a eleição presidencial deste ano, deverá ser ganha por um outsider da política ou por uma figura anti-establishment. Os resultados apresentados na semana passada pelo Datafolha assim como as duas pesquisas de âmbito nacional que realizei no mês de abril, seguem ratificando a minha hipótese. Essa perspectiva não poderia ser diferente num país em que a soma dos eleitores que dizem não confiar nada ou confiar pouco no Congresso Nacional chega a uma taxa impressionante de 89%. Similarmente, não poderia ser diferente num país em que cerca de 80% dos eleitores dizem — em questionamentos separados — confiar pouco ou não confiar nada na grande mídia, nos grandes bancos, nas grandes empresas e na justiça brasileira (apesar de 83% das pessoas avaliarem a Operação Lava Jato como boa ou muito boa para o país).
Desse modo, se não houver novas surpresas jurídico-institucionais ou nenhum grave acidente de campanha, as duas vagas do segundo turno das eleições presidenciais de 2018 serão disputadas por três candidatos: o nome a ser apoiado pelo ex-presidente Lula e o PT, o deputado federal Jair Bolsonaro e o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa. Em tempos de Copa do Mundo, isso significa que dos sete candidatos que têm alguma chance de se “classificar” para o segundo turno, apenas três não dependem dos resultados dos demais.
(...)

Marcello Faulhaber, El País, 27/04/2018, 16:04 hs
Em muitos casos, a raiva contra o subdesenvolvimento é profissional. Uns morrem de fome, outros vivem dela, com generosa abundância.


Nelson Rodrigues

ALINE CALIXTO - Quem pode, pode

INDÚSTRIA DA RAIVA


Há um cheiro de enxofre no ar. É a emanação da morte. O odor cresce na proporção direta da diminuição da sensatez. Até outro dia, o ódio vadiava pelas redes sociais. Agora, circula pelas ruas à procura de encrenca. A raiva tornou-se um banal instrumento político. Há no seu caminho um defunto. Ele flutua sobre a conjuntura como um fantasma prestes a existir. A morte do primeiro morto ainda pode ser evitada. Mas é preciso que alguém ajude a sorte.

Concebida como alternativa civilizatória às guerras, a política subverteu-se no Brasil. Em vez de oferecer esperança, dedica-se a industrializar a raiva. Produz choques e enfrentamentos —uma brigalhada entre partidos enlameados, políticos desmoralizados, grupos e grupelhos ensandecidos. É nesse contexto que a notícia sobre a primeira morte bate à porta das redações como um fato que deseja ardorosamente acontecer.

O primeiro morto vagueia como uma suposição irrefreável. Por ora, ele vai escapando por pouco. Livrou-se da fatalidade quando sindicalistas enfurecidos reagirem mal às suas palavras, empurrando-o da calçada defronte do Instituto Lula em direção à rua, até cair e bater a cabeça no parachoque de um caminhão. Desviou dos tiros disparados contra os ônibus da caravana de Lula nos fundões do Paraná. Foi parar no hospital após ser baleado por atiradores filmados nas imediações do acampamento petista de Curitiba (assista no vídeo lá do alto).

Construir uma democracia supõe saber distinguir diferenças. Mas os políticos não ajudam. Estão cada vez mais a cara esculpida e escarrada uns dos outros. Todos os gatunos ficaram ainda mais pardos depois que a Lava Jato transformou a política em mais um ramo do crime organizado. Exacerbaram-se os extremos. Assanhou-se sobretudo a extrema insensatez.

Depois de sentar-se à mesa com Renans, Valdemares, Sarneys e outros azares, o PT tenta virar a mesa para fugir da cadeia pela esquerda. Por enquanto, conseguiu apenas transformar Gilmar Mendes em herói da resistência. De resto, o petismo virou cabo eleitoral da direita paleolítica personificada em Bolsonaro.

Esquerdistas, direitistas e seus devotos ainda não notaram. Mas para a maioria dos brasileiros o problema não é de esquerda ou de direita. O problema é que, em qualquer governo, tem sempre meia dúzia roubando em cima os recursos que fazem falta para milhões condenados a sofrer por baixo com serviços públicos de quinta categoria.

Bons tempos aqueles em que o Faroeste era apenas no cinema. A longo prazo, estaremos todos mortos. Mas o ideal é esquecer que a morte existe. E torcer para que ela também esqueça da nossa existência. Essa mania de provocar a morte, de desejar a morte, de planejar a morte em reuniões de executivas partidárias… Isso é coisa que só existe em países doentes como o Brasil.

A indústria da raiva se equipa para produzir um cadáver. Ainda dá tempo de salvar o primeiro morto. Mas as lideranças políticas brasileiras precisariam abandonar sua vocação para o velório. Dissemina-se como nunca a tese de que os políticos são farinha do mesmo pacote. Porém…

A igualdade absoluta, como se sabe, é uma impossibilidade genética. Deve existir na política alguém capaz de esboçar uma reação. Mas são sobreviventes tão pouco militantes que a plateia tem vontade de enviar-lhes coroas de flores e atirar-lhes na cara a última pá de cal.


Do Blog do Josias de Souza, 29/04/2018, 05:05 hs
O SAMBA RESISTE

Tudo começou com um inesperado “encontro cósmico”. Evandro Salles, diretor cultural do Museu de Arte do Rio (MAR), caminhava pensando na vida quando deu de cara com um grupo de sambistas vestidos a caráter: “Fiquei tão impressionado com a beleza e a magia daquilo que tive a ideia de fazer uma exposição sobre a história do samba”.
O Rio do samba: resistência e reinvenção é o resultado daquele encontro inesperado: uma grande exposição, contendo um total de 800 peças entre pinturas,fotografias, filmes e documentos, além de 5 instalações. A mostra abriu suas portas ao público neste sábado 28 de abril. “O samba constitui um elemento estrutural da identidade cultural brasileira”, explica Salles, um dos 4 curadores da mostra, com Nei Lopes, Clarissa Diniz e Marcelo Campos. “De um ponto de vista social e cultural mais amplo, o samba aponta a uma resistência histórica frente ao escravismo, à colonização e às tentativas de supremacia cultural branca que nega esse papel estruturante das culturas negras e índias na formação do Brasil”.
(...)

Chema García Martinez, El País, Rio de Janeiro, 28/04/2018, 22:04 hs

sábado, 28 de abril de 2018

ORQUÍDEAS ETERNAS



...a tua ausência é, em cada momento, a tua ausência.
não esqueço que os teus lábios existem longe de mim.
aqui há casas vazias. há cidades desertas. há lugares.

mas eu lembro que o tempo é outra coisa, e tenho
tanta pena de perder um instante dos teus cabelos.

aqui não há palavras. há a tua ausência. há o medo sem os
teus lábios, sem os teus cabelos. fecho os olhos para te ver
e para não chorar...


José Luis Peixoto
O MANEJO DOS PSICOFÁRMACOS EM PSIQUIATRIA CLÍNICA - VI

Georges Clemenceau (1841-1929) foi um médico e político francês. Certa vez declarou que "a guerra é algo muito importante para ser confiada aos militares". Parafraseando-o, é possível dizer que a psicofarmacoterapia é algo muito importante para ser confiada (apenas) aos psiquiatras. Tal assertiva considera o fato de que ao medicar um paciente, o psiquiatra não está só. Ele é o representante autorizado de várias instituições sociais (família, direito, escola, polícia, indústria farmacêutica, etc) bem como dos técnicos que compõem a equipe de saúde mental, para executar a prescrição farmacológica. Desse modo é possível falar de um agenciamento coletivo (cf Deleuze-Guattariprecedendo o atoIsso não livra o psiquiatra de uma responsabilidade ética diante do paciente, bem ao contrário, implica-o às relações de poder que o produzem como agente da normalidade mental. O manejo dos psicofármacos em clínica é, pois, um manejo ético-político. Tal dimensão da consulta costuma vir encoberta por ideais humanitários de uma medicina idealista movida por boas intenções da consciência.


A.M.

CHICO ANÍSIO - Alberto Roberto (1996)

NÃO HÁ MAIS "FORA" DO CAPITAL

No meio do expediente, exaurido do trabalho, você abre o Facebook, checa as mensagens do WhatsApp para relaxar. Mas sabia que nessas ações você continua vendendo sua força de trabalho? O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Henrique Antoun, destaca esse ponto que parece imperceptível para a maioria dos usuários. “Estamos, de fato, trabalhando todo o tempo que permanecemos nas redes sociais. As redes são consideradas o chão de fábrica do trabalho imaterial nas metrópoles”, aponta. Ele explica que a rede é capaz de cooptar nosso trabalho e não somente o que produzimos nela como músicas, imagens, texto, etc. Através de “nossos compartilhamentos, nossas colaborações e nossos rastros, somos operados, abduzidos, recortados, distribuídos pelos dispositivos de controle do biopoder”.

Na entrevista, concedida por e-mail à IHU On-Line, Antoun reconhece que essa perspectiva das redes concebe um trabalho imaterial que faz emergir a autonomia na produção colaborativa dos coletivos e a infindável colaboração em rede. Entretanto, “o capital investe a sedução monetária corrompedora da cooptação, da fama, do sucesso, do comando para quebrar a integridade colaborativa, ao mesmo tempo que desregulam os territórios sociais criando gigantescos desníveis de proteção e justiça”. Por isso, considera que “as redes sociais querem se transformar em megafazendas, gigantescos currais que capturem todo este trabalho”.
(...)

Revista IHU -On-line, por Ricardo Machado, 01/04/2018, acessado em 28/04/2018
Encarnação

Carnais, sejam carnais tantos desejos,
carnais, sejam carnais tantos anseios,
palpitações e frêmitos e enleios,
das harpas da emoção tantos arpejos…

Sonhos, que vão, por trêmulos adejos,
à noite, ao luar, intumescer os seios
láteos, de finos e azulados veios
de virgindade, de pudor, de pejos…

Sejam carnais todos os sonhos brumos
de estranhos, vagos, estrelados rumos
onde as Visões do amor dormem geladas…

Sonhos, palpitações, desejos e ânsias
formem, com claridades e fragrâncias,
a encarnação das lívidas Amadas!



Cruz e Sousa

IVAN SLAVINSKI


ONDE ESTÃO OS MICROFASCISMOS?

Para que nosso diálogo se estabeleça de forma potente, é preciso ressaltar que o fascismo que nos retratamos não se trata do Fascismo como regime de um Estado Totalitário, que concentra suas forças em uma centralização molar do poder no Estado, ou seja, esta concepção se inscreve no âmbito da segmentaridade dura, na macropolítica.
Porém, não podemos esquecer o fascismo que se capilariza em linhas fluidas, no âmbito das molecularidades e não opera por meio da centralização, mas no campo dos vetores de subjetivação singulares, no âmbito da micropolítica, em um poder que opera diretamente nas minúsculas, nos micros, nas molecularidades (nossas condutas, práticas, discursos, desejos) que nos atravessam em quaisquer relações: família, escola, casamento, clínica e até nos movimentos de resistência.
E por incrível que pareça as militâncias, os movimentos de resistência, o que há de pulsante e revolucionário estão sucumbindo às frutas podres do microfascismo que se propaga em vias, capilarizações no cenário da biopolítica contemporânea.
Não é raro observarmos dentro do movimento feminista, negro, lgbt discursos e posturas microfascistas, distorcendo a potência do movimento em nome de uma ideia niilista, totalitária, universalizante e inflexível.
(...)

Monstrx Kuir, 01/02/2016
ESTATÍSTICAS DO SUICÍDIO

As formas de suicídio mais praticadas no mundo e no Brasil envolvem sempre situações de sofrimento, angústia e desespero. Normalmente, os suicídios são consequência de uma depressão, onde segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), diz que mais 800 mil pessoas tiram a sua própria vida todos os anos no mundo.
Cada vez mais o sofrimento emocional vem se tornando mais intenso na vida de muitas pessoas, e viver acaba sendo um fardo de angústias. Com isso, a vida perde o sentido, e é o que faz com que estas pessoas entrem em uma depressão e acabem tirando as suas próprias vidas.
No caso do Brasil, este é o oitavo país do mundo em números de suicídios. No ano de 2012 foram registradas mais de onze mil mortes através de suicídio, sendo a maioria cometida por homens. A pesquisa diz ainda que a cada 40 segundos uma pessoa tira a própria vida e somente 28 países possuem planos de prevenção.
(...)

Do site "Carta de Suicídio", 22/06/2017, acessado em 28/04/2018

CARTOLA - O Mundo É Um Moinho


QUEM DIZ PALAVRAS COM A MINHA BOCA?



O dia todo eu penso nisso, mas é só de noite que eu digo.

De onde eu vim, e o que eu deveria estar fazendo?

Eu não faço ideia.

A minha alma é de algum outro lugar, eu tenho certeza disso,

e a minha intenção é de lá m’acabar.



Esta embriaguez começou em alguma outra taverna.

Quando eu voltar, um dia, àquele lugar,

eu estarei completamente sóbrio. Enquanto isso,

eu sou como um pássaro de algum outro continente, sentado neste aviário.

Há de chegar o dia em que eu voe,

mas quem é este em meu ouvido, agora, que ouve a minha voz?

Quem é este que diz palavras com a minha boca?



Quem é este que observa com os meus olhos? O que é a alma?

Eu não consigo parar de indagar.

Se eu pudesse experimentar um só gole do que fosse uma resposta,

eu poderia me livrar desta prisão de bêbedos.

Eu não vim para cá por conta própria, e eu não posso ir embora deste modo.

Quem quer que seja que me trouxe aqui, terá de levar-me para casa.



Tanta poesia. Eu nunca sei o que eu vou dizer.

Eu não planejo.

Quando já estou fora do falar-me disso,

fico bastante quieto, não digo quase nada.



Rumi
ESSE É O CLIMA

Um ataque a tiros foi realizado na madrugada deste sábado contra o acampamento Marisa Letícia, em Curitiba, onde se concentram os apoiadores do ex-presidente Lula, preso na carceragem da Polícia Federal próximo ao local. Jeferson Lima de Menezes, de 39 anos, foi ferido no pescoço e levado em estado grave para a Unidade de Pronto Atendimento da cidade. Militantes petistas disseram que foram ouvidos ao menos 20 tiros. Segundo a Polícia, o autor do ataque seria um homem que se aproximou de carro e realizou os disparos: a perícia encontrou cápsulas de munição 9 milímetros no local, munição de uso exclusivo das forças armadas. Além do homem baleado, uma mulher fiou ferida por estilhaços sem gravidade. É o segundo ataque com armas de fogo contra simpatizantes do ex-presidente em um mês: em março, com Lula ainda em liberdade, um ônibus com integrantes de sua caravana foi alvejado também no Paraná.
(...)

Gil Alessi, El País, 28/04/2018, 08:16 hs

O IMPÉRIO DOS SENTIDOS - roteiro e direção de Nagisa Oshima, 1976

O MANEJO DOS PSICOFÁRMACOS EM PSIQUIATRIA CLÍNICA - V

Na clínica, a melhora obtida pelo uso de psicofármacos necessita ser avaliada em função: 1-da  hipótese diagnóstica (síndrome) estabelecida. 2- da vivência do paciente em relação a si e ao mundo.3-da sua produtividade existencial. No primeiro caso, o foco é o alívio ou remissão de um ou mais sintomas. No entanto, isso deve ser reportado ao diagnóstico com o intuito de confirmá-lo ou não. No segundo caso, trata-se de considerar os afetos e as crenças como elementos vivenciais que precedem os sintomas do suposto diagnóstico. Por fim, é preciso avaliar as linhas existenciais de autonomia psíquica frente à patologia e ao mundo em torno (família, trabalho, etc). Usar psicofármacos em psiquiatria clínica discrepa do emprego em outras especialidades. Tudo porque a psicopatologia condensa fatores causais fora do circuito físico-químico do organismo, ao mesmo tempo sem desprezá-lo. Os psicofármacos são, pois, insuficientes para abarcar o contexto da causalidade múltipla. Além disso, podem produzir danos no organismo, caso sejam usados em excesso ou de modo inadequado.


A.M.
PEZÃO NEGA

RIO — Em delação homologada pelo ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Miranda, operador do esquema de corrupção no Rio, declarou que o grupo pagava uma mesada de R$ 150 mil ao governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB). E diz ainda que, de 2007 a 2014, a propina ao peemedebista incluía décimo terceiro salário e dois bônus, cada qual no valor de R$ 1 milhão.
(...)

Por Chico Otavio/Daniel Biasetto, O Globo,27/04/2018, 19:55 hs




sexta-feira, 27 de abril de 2018


Noite Morta

Noite morta.
Junto ao poste de iluminação
Os sapos engolem mosquitos.

Ninguém passa na estrada.
Nem um bêbado.

No entanto há seguramente por ela uma procissão de sombras.
Sombras de todos os que passaram.
Os que ainda vivem e os que já morreram.

O córrego chora.
A voz da noite...
(Não desta noite, mas de outra maior.)



Manuel Bandeira

CARLA BLEY & STEVE SWALLOW - Intro

SOBRE O RIZOMA

Na natureza  há dois tipos de raízes: as arborescentes e as rizomáticas. As primeiras possuem raízes fixas, ao passo que as segundas são constituídas por raízes que se movem, e que fazem da planta um autêntico  andarilho, um Andaleço de espaços lisos de itinerâncias.Filosofias ortodoxas sempre fizeram da árvore um modelo ideal de sistema : raízes fincadas em um solo fixo ( seja este solo a Razão ou Deus), um tronco rígido , a Física, ligando as raízes aos diversos galhos, que são as disciplinas  sustentadas dogmaticamente  pelo tronco.  Descartes,o racionalista, é o exemplo mais célebre de uma filosofia arborescente. Em Deleuze e Guattari, diferentemente, as formações rizomáticas inspiram uma pop’filosofia( Mil Platôs). O rizoma é  constituído por  raízes formando uma multitudo, um espaço sem centro, uma anarquia coroada. O rizoma  não é uma semente, um fruto ou uma flor. Ele é uma raiz que brota de si como se fosse uma semente, ele  guarda em si sua continuidade à maneira de um fruto, ele desabrocha  para fora como só faz uma flor.Ele é sua própria semente, fruto e flor, sem deixar de ser raiz.Ele é plenamente raiz, e como tal o rizoma cresce. Enquanto no modelo arborescente as disciplinas são compartimentadas e segmentadas, o rizoma inspira uma produção de conhecimento trans e interdisciplinar.A essência do rizoma é se expandir:  expandir-se como raiz, sem para tal necessitar de semente, fruto ou flor.Os rizomas são plantas sem “existidura de limites” , como diz Manoel de Barros. São plantas de conectividade, agenciamento, encontros, afetos . Como em Manoel de Barros, os rizomas são as raízes crianceiras , são as raízes da invenção.


Elton Luiz
Como uma pessoa pode gostar de ser acordada diariamente pelo despertador às 6h30, pular da cama, se vestir rápido, comer depressa, cagar, mijar, escovar os dentes, pentear o cabelo, lutar contra um imenso engarrafamento para chegar a um lugar onde essencialmente se faz muito dinheiro para outra pessoa e ainda ter que agradecer por essa oportunidade?


Charles Bukowski

ALEXI ZAITSEV


DESEMPREGO: 13,1 %

Nos últimos meses, a economia brasileira tem vivido altos e baixos, em uma constante oscilação dos seus indicadores. Para quem quer ver o copo meio cheio da retomada que começou em 2017, há boas notícias como a queda da taxa de juros ao menor patamar histórico (6,5%), inflação abaixo da meta e aumento há cinco meses da arrecadação do Governo. Os mais pessimistas, no entanto, também encontram motivos para se preocupar com a (falta de) velocidade da recuperação. A taxa de desemprego divulgada nesta sexta, por exemplo, registrou alta e chegou a 13,1% no trimestre concluído em março, como mostram os dados levantados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Sem pessoas consumindo pelo lado da demanda, a atividade econômica, ou seja, a oferta, perde o fôlego no começo deste ano. O desempenho nos serviços, indústria e comércio foram menores que o previsto pelo mercado, colocando em xeque a previsão da maioria dos economistas de crescimento de 3% para 2018.
(...)

Heloísa Mendonça, El País, São Paulo, 27/04/2018, 16:26 hs
MÚSICA SURDA

Como num louco mar, tudo naufraga.
A luz do mundo é como a de um farol
Na névoa. E a vida assim é coisa vaga.

O tempo se desfaz em cinza fria,
E da ampulheta milenar do sol
Escorre em poeira a luz de mais um dia.

Cego, surdo, mortal encantamento.
A luz do mundo é como a de um farol...
Oh, paisagem do imenso esquecimento.


Dante Milano

FAZENDO DOCE!


LULA LÁ

RIO — Os fatos abordados pelo ex-ministro da Fazendo Antonio Palocci na delação premiada firmada com a Polícia Federal (PF) reconstituem o esquema de corrupção na Petrobras, as relações das empreiteiras com políticos do PT e a forma como os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff se envolveram com negócios que deram prejuízo de cerca de R$ 42 bilhões à empresa, segundo estimativa da PF.

Palocci detalhou entregas de dinheiro vivo a Lula. O ex-ministro detalhou ocasiões em que foi pessoalmente levar pacotes ao ex-presidente e relacionou datas e valores entregues por um de seus principais assessores, Branislav Kontic, na sede do Instituto Lula. Segundo Palocci, os pagamentos a Lula, feitos nos últimos meses de 2010, quando ele se preparava para deixar o Planalto, chegavam a somar R$ 50 mil.
(...)

Por O Globo, 27/04/2018, 11:38 hs

A ECONOMIA, CLARO!

“É a economia, estúpido”. O lema não oficial com o qual Bill Clinton ganhou a presidência norte-americana em 1992 bem poderia ser pronunciado agora por Kim Jong-un. O líder supremo norte-coreano está fazendo história ao sentar à mesa de negociação com o presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, em chão sulcoreano nesta sexta-feira, a terceira ocasião em que líderes de ambas Coreais se veem cara a cara. A cúpula sela um giro de 180 graus, tão rápido como surpreendente, à posição beligerante de Kim de só cinco meses atrás. Um giro motivado, entre uma de suas grandes razões, pelo desejo de desenvolver a economia norte-coreana.
(...)

M. V. L. , El País, Goyang (Coreia do Sul), 27/04/2018, 17:43 hs

ERNEST LUDWIG KIRCHNER


O BLOCO DA SAUDADE

O verão está no fim. Sinto pela temperatura da água, pelos ventos mais frios. Na Europa, segundo Hermann Hesse, há verão que tem morte súbita: uma trovoada, dias de chuva e ele não volta mais.

Não é adequado falar das estações do ano numa página de política. Elas nos remetem à passagem do tempo, aos lances da vida passada, e só servem para ressaltar a tristeza do momento no Brasil.

Caminhamos para uma eleição imprevisível não apenas por causa das pessoas que a disputam, mas também pela falta de dados sobre o que farão, caso cheguem ao poder.

Fica difícil olhar para a frente. A questão da impunidade não foi resolvida porque há um forte núcleo de resistência no STF.

Os ministros desse núcleo não consideram o caso encerrado, pelo contrário, estão dispostos a uma luta permanente, a uma guerrilha técnica para soltar os que estão presos e impedir a prisão dos que ainda estão na rua.

Lewandowski e Toffoli são simpáticos ao PT e desprezam a luta contra a corrupção, talvez pela própria análise da esquerda que a considera um fato de pé de página nos livros de história.

Gilmar Mendes não tinha essa posição, mas ao longo desses anos tornou-se um grande adversário da Lava-Jato. Na sua fúria, ele se identifica com a esquerda na medida em que quer soltar os que estão presos e, se possível, prender juízes e procuradores.

Juntam-se a eles Marco Aurélio e Celso de Mello, que parecem comprometidos com uma generosa tese jurídica e pouco se importam com suas consequências catastróficas na vida real brasileira.

Não vou repetir o mantra de que a sociedade está dividida: este mito é um bálsamo para as minorias. A sociedade apoia maciçamente a Lava-Jato e quer punição para os culpados.

Mas o que pode a sociedade contra eles? No seu delírio de mil e uma noites na Al Jazeera, Gleisi Hoffmann disse que a imprensa manda no Supremo. Sabemos que não é assim. A imprensa reflete um clamor social contra a impunidade. O próprio comandante do Exército se viu obrigado a manifestar sua opinião sobre o tema, possivelmente por sentir que o clamor também chega às suas tropas.

Mas falta a dimensão política. O sistema partidário adotou uma posição defensiva. Todas as suas energias se voltam para neutralizar a Lava-Jato. Objetivamente, joga suas esperanças nas tramas do núcleo resistente do Supremo.

Essas duas forças, o sistema político partidário (nos bastidores) e o núcleo do STF (na frente da cena) são os artífices da tentativa de bloquear as mudanças no Brasil.

Nem sempre os políticos atuam apenas nos bastidores. De vez em quando, como aconteceu agora, surge um projeto destinado a limitar investigações e a tornar mais fácil a vida dos gestores corruptos.

Essa aliança de políticos que não dependem do voto de opinião com ministros do STF engajados na defesa da impunidade, ou embriagados nas suas teses generosas, é uma constelação difícil de ser batida.

Ela significa que ainda teremos dias difíceis pela frente. O único grande problema para todos nós será o de manter a raiva popular dentro dos limites pacíficos.

Tanto juízes como políticos envolvidos na sua teia de interesses, míopes diante da realidade que os cerca, não hesitam em colocar em risco a democracia.

Alguns são muito corajosos, outros apenas irresponsáveis. Será difícil buscar o horizonte, se não resolvermos essa questão. Ela está atravessada no futuro imediato do Brasil.


Fernando Gabeira, 21/04/2018
você está tão longe
que às vezes penso
que nem existo

nem fale em amor
que amor é isto



Paulo Leminski 

quinta-feira, 26 de abril de 2018

O MANEJO DOS PSICOFÁRMACOS EM PSIQUIATRIA CLÍNICA - IV

Entre o psiquiatra e seu paciente, o psicofármaco. Colado aos enunciados técnicos da receita ele vai junto com a figura do psiquiatra: a máquina de subjetivação. Trata-se de um efeito-médico que em geral passa despercebido. O texto bioquímico (que está na bula) funciona como aliado do texto imaginário do especialista. É recomendável, levando-se em conta a compreensibilidade do paciente, explicar porque e para que tal medicação será usada. Outras "explicações"sobre um possível diagnóstico, por exemplo, podem ser fornecidas desde que suscitem no paciente uma força de autonomia psíquica. Ou pelo menos que tal força seja mantida. São opções éticas do trabalho farmacoterápico. Num serviço como o Caps, onde técnicos não psiquiatras também lidam com o paciente, é essencial que tais atitudes ultrapassem os limites da consulta médica. Ou seja, configurem o técnico de saúde mental como o que promove a autonomia do outro para além dos psicofármacos e para além do caps, rumo à comunidade. 

A.M.

IVETE SANGALO & MARIA BETHÂNIA - Muito Obrigado Aché

Pensando bem, a religião nunca viu problemas em matar pessoas. Mais gente morreu em nome de Deus do que por outro motivo. Depende de quem manda e de quem morre!

George Carlin
O apanhador de desperdícios

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.


Manoel de Barros

TRUMP E KING JONG EM RELACIONAMENTO SÉRIO


quarta-feira, 25 de abril de 2018

JOGOS DO PODER

Já virou um hábito. O ministro Gilmar Mendes, do Supremo, visitou o Palácio do Jaburu na noite desta terça-feira. Encontrou-se pela enésima vez com o denunciado e investigado Michel Temer. Protagonista do inquérito que apura corrupção no setor de portos, o anfitrião pode se tornar matéria-prima para futuras sentenças do visitante. Mas as conversas entre ambos ocorrem com uma frequência que desafia o recato.

Deve-se à repórter Andréia Sadi a notícia sobre este penúltimo encontro. Há no Supremo muitos temas de interesse de Temer —da prisão em segunda instância à limitação na abrangência do foro privilegiado. Mas Gilmar assegurou que sua conversa com o presidente gravitou em torno de um tema menos candente: semipresidencialismo. Então, tá!

Gilmar teve uma terça-feira cheia. Pela manhã, disse a jornalistas, num evento em São Paulo, que a pena imposta a Lula (12 anos e 1 mês de cadeia) pode ser reduzida por meio de recurso no Supremo. À tarde, de volta a Brasília, proferiu na Segunda Turma da Corte o voto decisivo para retirar de Sergio Moro os trechos da delação da Odebrecht relativos ao sítio de Atibaia e ao Instituto Lula. À noite, encontrou-se com o multi-encrencado presidente da República.

Temer também teve uma terça animada. Antes de avistar-se com Gilmar, o presidente da República recepcionara no final da tarde, no Palácio do Planalto, o réu Aécio Neves, amigo de ambos.


Do Blog do Josias de Souza, 25/04/2018, 16:27 hs
MUDARAM DE IDEIA

A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso desde 7 de abril em Curitiba, teve uma rara e surpreendente vitória contra a Operação Lava Jato e o juiz Sérgio Moro cujas implicações completas ainda estão por ser conhecidas. Por maioria de votos, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta terça retirar das mãos de Moro parte das delações da Odebrecht que citam Lula e remetê-las à Justiça de São Paulo. Para três dos cinco ministros, os trechos nos quais os delatores relatam o suposto repasse de verbas indevidas para Lula, incluindo a reforma de um sítio de Atibaia (SP), não estão relacionados diretamente com a Petrobras, que é a investigação original da Lava Jato, e portanto, não deveriam ficar com o magistrado em Curitiba. O mais curioso é que os mesmos ministros haviam negado um recurso da defesa do petista em outubro no mesmo caso - e por unanimidade. Agora, mudaram de ideia os ministros Antonio Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, que acabou desempatando o jogo a favor do ex-presidente.
(...)

El País, São Paulo, 25/04/2018, 22:47 hs

terça-feira, 24 de abril de 2018

A sensação de tocar com os dedos
O que não tem realidade -
Uma pequena borboleta.

Buson
84%

Será verdade que, como injustamente se divulga no exterior, os brasileiros estão divididos em tudo? Que nada é capaz de unir os cidadãos de um lado e do outro do arco político? Há dois brasis irreconciliáveis em tudo? A julgar pelos resultados da última pesquisa nacional do Datafolha, a resposta é não.
De acordo com essa pesquisa, quem aposta em um Brasil dividido em tudo deve se sentir frustrado. Existe um tema que vem incendiando a opinião pública nos últimos anos e que se intensificou com a condenação e prisão de Lula: o apoio à Lava Jato, cuja continuidade é defendida por 84% dos brasileiros. Apenas insignificantes 12% acham que deve terminar. O Brasil todo parece unido na luta contra a corrupção e contra as tentativas de “estancar a sangria”, sonho de tantos políticos e poderosos e até mesmo de boa parte do Supremo Tribunal Federal. Entre esses 84% que querem que a Lava Jato continue estão, por exemplo, 77% dos eleitores de Lula, algo que o PT, que acusa a Justiça de ser seletiva com seu partido, deveria explicar, se de fato a grande maioria de seus eleitores também defende essa cruzada contra a corrupção.
(...)

Juan Arias, El País, 24/04/2018, 11:39 hs
O MANEJO DOS PSICOFÁRMACOS EM PSIQUIATRIA CLÍNICA - III

O manejo dos psicofármacos é complexo. Por isso mesmo funciona como analisador da prática clínica do psiquiatra no que diz respeito a 1-técnica; 2-ética; 3-política. Como técnica, requer um conhecimento semiológico da psicopatologia levando a hipóteses diagnósticas (síndromes e não entidades). Como ética sinaliza a afirmação da potência ou da impotência de existir do paciente como singularidade. Por fim, como política, problematiza o lugar de poder ocupado pelo médico e os seus efeitos práticos. São condições mínimas para operar uma terapêutica e não um controle. Ocorre que os sintomas clínicos quase sempre vêm em conjunto. Isso configura uma síndrome (signos de toda ordem) que prepara a linha da intervenção psicoquímica. Se o paciente melhora é porque está criando (qualquer coisa), inclusive a si mesmo. Mais: do lugar do médico que passa remédio, o psiquiatra (no processo de melhora, ele também melhora) cede seu pretenso saber ao paciente que quer deixar de ser paciente. Quer ficar bom, livrar-se disso, ser autônomo, falar em seu próprio nome. Não é fácil, óbvio. Mas é uma referência desejante extraída das 3 dimensões conceituais citadas acima.

A.M.
CIÚMES

Tenho ciúmes deste cigarro que você fuma
Tão distraidamente.


Ana Cristina César

RYUICHI SAKAMOTO - Rain

A SEITA

O esforço para politizar a prisão de Lula estimula a suspeita de que o PT, cansado de se apresentar à sociedade como um partido, esteja tentado se transformar numa seita. O petismo trata Lula como uma divindade e os executores de sua pena como agentes de uma neo-inquisição. A juíza Carolina Lebbos negou o pedido de visita de mais de uma dezena de políticos a Lula. Só parentes e advogados têm livre acesso. Assim é com todos os demais presos na PF de Curitiba. Mas o PT trata a decisão como heresia, um atentado à democracia.

A Lei de Execuções penais prevê que o preso tem direito à visita do cônjunge, de parentes e amigos em dias determinados. Mas também anota que esse direito não é absoluto. E a juíza de Curitiba realçou que a ampliação das visitas de Lula dificultaria o funcionamento da PF e prejudicaria o direito dos outros presos de também receber os seus familiares.

O PT finge que não notou, mas quem está preso em Curitiba não é um ex-presidente ou um futuro candidato. Foi em cana um cidadão igual a todos os demais. O que distingue Lula no momento é a condenação por corrupção. Politizando a prisão, o PT anima os seus devotos. Mas distancia-se da maioria do eleitorado. De acordo com o Datafolha, 54% dos eleitores consideraram a prisão de Lula justa, 57% defendem o encarceramento na segunda instância e 84% desejam a continuidade da Lava Jato. Estão a caminho novas condenações de Lula. O PT logo estará pregando apenas para convertidos.
(...)

Do Blog do Josias de Souza, 24/03/2018,  00:10 hs

segunda-feira, 23 de abril de 2018

O SONHO CUBANO

Um impulsivo e outro pragmático, um carismático e outro destituído de qualquer magnetismo, os irmãos Fidel e Raúl Castro deixaram seu sobrenome marcado a sangue e fogo na história cubana dos últimos sessenta anos. Esta semana a nova geração bate à porta do poderoso clã familiar que planeja sair do foco central, mas não se distanciar demais do poder.
Houve um tempo em que as crianças cubanas calculávamos a idade que teríamos quando chegasse o novo século. Imaginávamos nos tornar adultos em um milênio tingido com o vermelho da bandeira comunista, onde não haveria nem o dinheiro nem a miséria. No entanto, o muro de Berlim caiu, a esperança se partiu em mil pedaços e nossa aritmética pessoal passou a contar os anos que iríamos ter quando o castrismo caísse.
Adeus aos Castro Ao tomar posse, novo presidente cubano diz que Castro “encabeçará as decisões”
Esse dia chegou, mas não como pensávamos. Em lugar de uma épica derrubada com as pessoas nas ruas desfraldando bandeiras, o regime cubano vai se desbotando como uma velha fotografia: sem graça nem romance. Esse processo começou há doze anos quando Fidel Castro ficou doente e transmitiu o comando do país, por via sanguínea, ao irmão mais novo.
(...)

Yoani Sánchez, El País, 23/04/2018, 20:25 hs

NELSON PEREIRA DOS SANTOS

cena de "Vidas Secas"

SONETO DE FIDELIDADE

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.


Vinicius de Moraes

ORQUÍDEAS ETERNAS


O MANEJO DOS PSICOFÁRMACOS EM PSIQUIATRIA CLÍNICA ´- II

O manejo adequado de psicofármacos em psiquiatria é secundário ao uso do diagnóstico. Como não existe o diagnóstico etiológico (causa) nessa especialidade médica, resta o diagnóstico sindrômico (sinais e sintomas). Este tem a função de balizar a avaliação psicopatológica em torno dos sintomas mais relevantes à vivência do paciente. Ora, considerando-se que o remédio químico tem efeitos apenas sobre o sintoma, é pouco inteligente orientar a prescrição para cada sintoma. Essa é uma das origens do uso de vários fármacos, 5, 6, 7, ou até mais. Isso fere um princípio metodológico da farmacoterapia que é o de saber qual substância está atuando no organismo físico-químico. Mas não só. Entorpece o paciente, produzindo efeitos devastadores a nível da subjetividade, tornando-a farmacologizada. Grosso modo, este é o panorama regido pela lógica clínico-manicomial, e que se reproduz acriticamente nos caps, ambulatórios, consultórios, etc.

A.M.



O ESTADO DA INOCÊNCIA

O PT divulgou neste domingo uma mensagem que Lula gravou em 7 de abril, antes de deixar o bunker sindical de São Bernardo para se render à Polícia Federal. A peça exibe um personagem sem nexo. Em duas semanas, a lábia do “preso político” saiu do prazo de validade. Admitindo-se que o PT ainda queira participar da sucessão presidencial, a exibição do vídeo inspira uma indagação: o que é que o partido pretende oferecer?

Na gravação, Lula repetiu que poderia ter dado no pé. Mas ''não quis fugir porque quem é inocente não corre.” Subiu no caixote: “Não tenho medo das denúncias contra mim porque sou inocente e não sei se meus acusadores são inocentes”. Lula não está em cana por conta de “denúncias”. Foi passado na tranca porque se tornou o primeiro ex-presidente da República condenado por corrupção. É um corrupto de segunda instância. Além da confirmação da sentença no TRF-4, há o aval do STJ e a concordância do STF.

Quanto à ''inocência'' de Lula, esse é um estado comum a todos os presidiários, como explicou o companheiro José Dirceu na semana passada, numa elucidativa entrevista à repórter Mônica Bergamo. Prestes a retornar ao xadrez, Dirceu declarou que, atrás das grades, ''todo mundo é inocente''. Didático, acrescentou: ''O cara matou a avó, fritou o gato dela, comeu. Mas ele começa a conversar com você e a reclamar que é inocente.” Quem se animaria a contestar um especialista?
(...)

Do Blog do Josias de Souza, 23/04/2018, 02:08 hs

sábado, 21 de abril de 2018

O BRASIL DESCOBRIU CABRAL

O ex-governador do Rio Sérgio Cabral (MDB) quis receber propina mesmo depois de deixar o governo. A declaração foi dada por seu operador Carlos Miranda, em delação premiada registrada pelo Ministério Público Federal (MPF) e obtida com exclusividade pela TV Globo.

Ele foi assessor parlamentar de Cabral por mais de 10 anos e era o “homem da mala” do ex-governador, até assinar um termo de delação premiada. Segundo Miranda, Cabral procurou o empresário Marco Antonio de Luca para pedir o pagamento de propina mesmo após o mandato — do qual renunciou para seu vice, Luiz Fernando Pezão (MDB), assumir.

Em troca da propina, Cabral indicou De Luca como fornecedor do comitê da Olimpíada Rio-2016. Marco Antonio de Luca é alvo da operação Ratattouille, desdobramento da Lava-Jato no Rio, na qual chegou a ser preso.
(...)

Por Danilo Vieira e Arthur Guimarães, GloboNews e TV Globo,21/04/2018, há 1 hora

ANTONIO CARLOS JOBIM - Lígia

NELSON 40 GRAUS


O diretor de cinema Nelson Pereira dos Santos, de 89 anos, morreu neste sábado (21) no Rio. Ele estava internado no Hospital Samaritano, em Botafogo, Zona Sul do Rio. O cineasta era considerado um dos precursores do movimento do Cinema Novo e autor do filme Vidas Secas.

Nelson foi internado, no dia 12 de abril, com sintomas de pneumonia e, durante a internação, médicos descobriram um tumor no fígado. A morte foi confirmada por volta das 17h deste sábado (21), quando teve falência múltipla dos órgãos.

Nascido em São Paulo, em 22 de outubro de 1928, Nelson Pereira dos Santos foi diretor, produtor, roteirista, montador, ator e professor. Ele ocupava a sétima cadeira da Academia Brasileira de Letras (ABL), desde 2006. O roteirista foi o primeiro cineasta brasileiro a se tornar membro da ABL.

Formado em direito nos anos 1950, também trabalhou em jornais e era professor. Como cineasta, Nelson dirigiu mais de 20 filmes. Entre eles, marcos da cultura nacional como Rio 40ºC. O filme, lançado em 1955, foi o primeiro de uma trilogia sobre a cidade que o cineasta adotou e onde alcançou sucesso e prestígio.

Rio 40ºC retrata a realidade de meninos pobres, que vivem numa favela, e chegou a ser censurado com o pretexto de que a cidade não tinha temperatura tão alta.
(...)

Por G1 Rio, 21/04/2018, há 1 hora

ATIRE EM TUDO QUE SE MEXER

A filosofia está penetrada pelo projeto de tornar-se a língua oficial de um puro Estado. O exercício do pensamento se conforma, assim, com os objetivos do Estado real, com significações dominantes como com as exigências da ordem estabelecida. Nietzsche disse tudo sobre esse ponto em Schopenhauer educador. O que é esmagado e denunciado como nocivo é tudo o que pertence a um pensamento sem imagem, o nomadismo, a máquina de guerra, os devires, as núpcias contra natureza, as capturas e os roubos, os entre-dois-reinos, as línguas menores ou as gagueiras na língua etc. Certamente, outras disciplinas que não a filosofia e sua história podem desempenhar esse papel de repressor do pensamento. Pode-se até mesmo dizer, hoje, que a história da filosofia fracassou, e que "o Estado não precisa mais da sanção da filosofia". Amargos concorrentes, porém, já tomaram o lugar. A epistemologia substituiu a história da filosofia. O marxismo brandiu um julgamento da história ou até mesmo um tribunal do povo que são, antes de tudo, mais inquietantes que os outros. A psicanálise ocupa-se cada vez mais da função "pensamento", e não é à toa que se casa com a lingüística. São os novos aparelhos de poder no próprio pensamento, e Marx, Freud, Saussure compõem um curioso Repressor de três cabeças, uma língua dominante maior. Interpretar, transformar, enunciar são as novas formas de idéias "justas". Até mesmo o marcador sintático de Chomsky é, antes, um marcador de poder. A lingüística triunfou ao mesmo tempo que a informação se desenvolvia como poder, e impunha sua imagem da língua e do pensamento, conforme à transmissão das palavras de ordem e à organização das redundâncias.
(...)

G. Deleuze e C. Parnet in Diálogos 
O TEMPO, SUBITAMENTE SOLTO

o tempo, subitamente solto pelas ruas e pelos dias,
como a onda de uma tempestade a arrastar o mundo,
mostra-me o quanto te amei antes de te conhecer.
eram os teus olhos, labirintos de água, terra, fogo, ar,
que eu amava quando imaginava que amava. era a tua
a tua voz que dizia as palavras da vida. era o teu rosto.
era a tua pele. antes de te conhecer, existias nas árvores
e nos montes e nas nuvens que olhava ao fim da tarde.
muito longe de mim, dentro de mim, eras tu a claridade.



José Luís Peixoto

CLAUDE MONET


O manejo dos psicofármacos na psiquiatria clínica - I

Na atualidade a psiquiatria clínica é essencialmente uma psiquiatria farmacológica, ou, dito de outro modo, uma psiquiatria farmacologizada. Há dois fatores causais (entre outros) interligados .1-A profunda influência das neurociências sobre a psicopatologia a partir da última década do século passado. 2- Os interesses da indústria farmacêutica internacional na comercialização dos seus produtos. Tal linha de análise sobre o manejo clínico dos psicofármacos encaixa a função social do psiquiatra numa espécie de encruzilhada ético-política. Ética: o paciente está aumentando a sua potência de viver, existir, criar? Política: a quem servem os remédios químicos? para que servem? Duas perguntas que dão o tom para discutir o manejo dos psicofármacos no interior da técnica e para além da técnica. Aceitar o ir-e-vir dessa viagem conceitual é o mesmo que pensar o real (mesmo o real cruel) fora da reflexão da boa consciência tipo "sou da saúde, sou do bem". Há muito mais...

A.M.
ÉTICAMENTE INVIÁVEL


O noticiário político virou um necrotério. Há cadáveres demais nas manchetes. São tantos e tão disseminados os escândalos que a ética deveria ser guindada ao patamar de tema obrigatório da temporada eleitoral. Ocorre, porém, o oposto.

Numa disputa que envolve sujos e mal lavados, os maiores partidos —PMDB, PT, PSDB— e seus satélites não cogitam falar de corrupção a não ser em legítima defesa. Há um déficit ético no debate pré-eleitoral.

O eleitor que for buscar no discursos dos candidatos ou na propaganda eleitoral dos partidos os parâmetros morais para tomar suas decisões em 2018 arrisca-se a tirar não conclusões, mas confusões por contra própria.

Misturando-se a confusão com a devoção, um candidato preso e inelegível, como Lula, pode figurar nas pesquisas como favorito. E Joaquim Barbosa, o algoz do PT no mensalão, pode aparecer na terceira colocação mesmo sem lançar formalmente sua candidatura.

Pesquisa do Datafolha revelou que oito em cada dez brasileiros desejam a continuidade da Lava Jato. Com 84% de adeptos, a operação anticorrupção chega a 2018 como a maior atração política do país. O eleitor é incapaz de reconhecer honestidade na política. E a política é incapaz de demonstrá-la.

Num cenário ideal, candidato que não puder falar sobre corrupção sem recorrer ao cinismo deveria se abster de disputar. Como o ideal não existe, cabe ao eleitor desligar os cínicos da tomada.


Do Blog do Josias de Souza, 21/04/2018, 02:10 hs