O VAMPIRO NÃO NEM IMAGEM
(...)
Todo pensamento é já uma
tribo, o contrário de um Estado. E uma tal forma de exterioridade para o
pensamento não é em absoluto simétrica à forma de interioridade. A rigor, a
simetria só poderia existir entre pólos e focos diferentes de interioridade.
Mas a forma de exterioridade do pensamento — a força sempre exterior a si
ou a última força, a enésima potência — não é de modo algum uma outra
imagem que se oporia à imagem inspirada no aparelho de Estado. Ao
contrário, é a força que destrói a imagem e suas cópias, o modelo e suas
reproduções, toda possibilidade de subordinar o pensamento a um modelo do
Verdadeiro, do Justo ou do Direito (o verdadeiro cartesiano, o justo kantiano,
o direito hegeliano, etc). Um "método" é o espaço estriado da cogitatio
universali, e traça um caminho que deve ser seguido de um ponto a outro.
Mas a forma de exterioridade situa o pensamento num espaço liso que ele
deve ocupar sem poder medi-lo, e para o qual não há método possível,
reprodução concebível, mas somente revezamentos, intermezzi, relances. O
pensamento é como o Vampiro, não tem imagem, nem para constituir
modelo, nem para fazer cópia. No espaço liso do Zen, a flecha já não vai de
um ponto a outro, mas será recolhida num ponto qualquer, para ser relançada
a um ponto qualquer, e tende a permutar com o atirador e o alvo. O problema
da máquina de guerra é o dos revezamentos, mesmo com meios parcos, e
não o problema arquitetônico do modelo ou do monumento. Um povo
ambulante de revezadores, em lugar de uma cidade modelo. "A natureza
envia o filósofo à humanidade como uma flecha; ela não mira, mas confia
que a flecha ficará cravada em algum lugar. Ao fazê-lo, ela se engana uma
infinidade de vezes e se desaponta. (...) Os artistas e os filósofos são um
argumento contra a finalidade da natureza em seus meios, ainda que eles
constituam uma excelente prova da sabedoria de seus fins. Eles jamais
atingem mais do que uma minoria, quando deveriam atingir todo mundo, e a
maneira pela qual essa minoria é atingida não responde à força que colocam
os filósofos e os artistas em atirar sua artilharia"...
(...)
G. Deleuze e F. Guattari in Mil Platôs, vol 5
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