quarta-feira, 2 de maio de 2018

O VAMPIRO NÃO NEM IMAGEM

(...)
Todo pensamento é já uma tribo, o contrário de um Estado. E uma tal forma de exterioridade para o pensamento não é em absoluto simétrica à forma de interioridade. A rigor, a simetria só poderia existir entre pólos e focos diferentes de interioridade. Mas a forma de exterioridade do pensamento — a força sempre exterior a si ou a última força, a enésima potência — não é de modo algum uma outra imagem que se oporia à imagem inspirada no aparelho de Estado. Ao contrário, é a força que destrói a imagem e suas cópias, o modelo e suas reproduções, toda possibilidade de subordinar o pensamento a um modelo do Verdadeiro, do Justo ou do Direito (o verdadeiro cartesiano, o justo kantiano, o direito hegeliano, etc). Um "método" é o espaço estriado da cogitatio universali, e traça um caminho que deve ser seguido de um ponto a outro. Mas a forma de exterioridade situa o pensamento num espaço liso que ele deve ocupar sem poder medi-lo, e para o qual não há método possível, reprodução concebível, mas somente revezamentos, intermezzi, relances. O pensamento é como o Vampiro, não tem imagem, nem para constituir modelo, nem para fazer cópia. No espaço liso do Zen, a flecha já não vai de um ponto a outro, mas será recolhida num ponto qualquer, para ser relançada a um ponto qualquer, e tende a permutar com o atirador e o alvo. O problema da máquina de guerra é o dos revezamentos, mesmo com meios parcos, e não o problema arquitetônico do modelo ou do monumento. Um povo ambulante de revezadores, em lugar de uma cidade modelo. "A natureza envia o filósofo à humanidade como uma flecha; ela não mira, mas confia que a flecha ficará cravada em algum lugar. Ao fazê-lo, ela se engana uma infinidade de vezes e se desaponta. (...) Os artistas e os filósofos são um argumento contra a finalidade da natureza em seus meios, ainda que eles constituam uma excelente prova da sabedoria de seus fins. Eles jamais atingem mais do que uma minoria, quando deveriam atingir todo mundo, e a maneira pela qual essa minoria é atingida não responde à força que colocam os filósofos e os artistas em atirar sua artilharia"...
(...) 

G. Deleuze e F. Guattari in Mil Platôs, vol 5

Nenhum comentário:

Postar um comentário