terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Caos nos presídios com R$ 2 bilhões em caixa

O sistema penitenciário brasileiro é ineficiente e brutal. Condenados ou não, milhares de presidiários são amontoados como detritos. Assim, sobrevivem se revezando para dormir, seminus, doentes, sem água por dias a fio, em temperaturas de até 50 graus.

O Estado omisso foi substituído por facções que comandam os complexos penitenciários. Enquanto isso, parte da sociedade, indignada pela violência crescente, curte silenciosa a vingança. Um eventual big brother venderia horrores, literalmente.

Nesse ambiente, a frase rabiscada em um cárcere na Bahia parece ameaçadora: “Hoje estou contido, amanhã estarei contigo.”

Os números são impressionantes. O Brasil tem cerca de 550 mil presos, a quarta maior população carcerária do mundo. Nesse G4 só ficamos atrás de Estados Unidos, China e Rússia. No entanto, a capacidade máxima das 1.312 unidades prisionais brasileiras é de aproximadamente 310 mil detentos, o que gera déficit de 240 mil vagas. Essa situação seria atenuada caso o Judiciário fosse mais ágil, pois quase 40% dos detentos são presos provisórios, com processos não julgados. Por outro lado, existem 500 mil mandados de prisão expedidos e não cumpridos.

A depender das leis, teríamos, há muito tempo, presídios no padrão Fifa. Na Constituição do Império (1824), embora fosse admitida a pena de morte, já havia disposições que protegiam os presos de penas cruéis, torturas, açoites e marcas de ferro quente, assim como determinações acerca do local do encarceramento que deveria ser limpo, bem arejado, com separação dos réus de acordo com os crimes pelos quais foram condenados. Pura balela.

Mais recentemente, em 7 de janeiro de 1994, foi criado o Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), com a finalidade de proporcionar recursos e meios para financiar programas de aprimoramento do Sistema Penitenciário Brasileiro. Paradoxalmente, na véspera de o Fundo completar 20 anos, Ana Clara, uma menina de 6 anos, morreu queimada no Maranhão, em incêndio deflagrado por ordem direta de presidiários do Complexo de Pedrinhas.

No Funpen, dinheiro não é problema. Como, por lei, 3% das loterias e 50% das custas processuais destinam-se ao Fundo, desde a sua criação já foram amealhados cerca de R$ 6,7 bilhões, em valores atualizados. No entanto, como esclarece relatório do próprio Ministério da Justiça, “os repasses do fundo são classificados como transferências voluntárias, ou seja, não decorrem de obrigação constitucional ou legal e, dessa forma, suas dotações orçamentárias fazem parte da chamada base contingenciável que o governo federal dispõe para obtenção do superávit primário”.

Nos últimos 13 anos, dos R$ 4,5 bilhões autorizados no orçamento da União, apenas R$ 1,9 bilhão (41%) foi efetivamente desembolsado. Apesar de o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ter dito, no final de 2012, que preferia morrer a ficar preso, a execução do Funpen, no ano seguinte, sob a responsabilidade de sua pasta, continuou pífia. Dos R$ 384,2 milhões autorizados, apenas R$ 73,6 milhões (19%) foram pagos, incluindo os restos a pagar.

Como o dinheiro entra, mas não sai, cresce o caos no sistema penitenciário, enquanto o saldo contábil do Funpen é atualmente de R$ 1,8 bilhão! A meu ver, cabe ao Ministério Público ajuizar ação por crime de responsabilidade contra as autoridades que determinam ou são coniventes com esse “contingenciamento” em área tão crítica.

Enfim, falta gestão! A conscientização dos cidadãos para que aceitem presídios (seguros) em suas cidades, a maior integração entre os órgãos federais, estaduais e municipais, a criação de um sistema integrado de segurança pública, as formas de reinserção de ex-presidiários na sociedade, a implantação das penas alternativas, o monitoramento eletrônico e a privatização de presídios são temas consensuais que ainda não produziram resultados com repercussão nacional. As crises não podem resultar somente em ameaças veladas de intervenção, quando o estado é governado por adversários políticos, ou em bajulação, quando administrado por aliados.

As cadeias são, há muito tempo, as universidades do crime. A reincidência é de aproximadamente 70%. Por isso, talvez seja difícil imaginar que a expressão “hoje estou contido, amanhã estarei contigo” possa envolver emoção, sentimento e significar um reencontro com a própria vida. Mas a frase é de um detento recuperado prestes a deixar a penitenciária e expressa saudade e afetividade. Afinal, diz o ditado, a única prisão paradisíaca é a paixão.

Autor: Gil Castello Branco: economista e fundador da organização não governamental Associação Contas Abertas.

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