quarta-feira, 30 de setembro de 2015

DESTINOS

As pessoas que me dizem que eu vou para o inferno e elas vão para o céu de certa forma deixam-me feliz de não estarmos indo para o mesmo lugar.


Mark Twain

GRANDES ESCRITOS


TAMBÉM JÁ FUI BRASILEIRO

Eu também já fui brasileiro
moreno como vocês.
Ponteei viola, guiei forde
e aprendi na mesa dos bares
que o nacionalismo é uma virtude.
Mas há uma hora em que os bares se fecham
e todas as virtudes se negam.

Eu também já fui poeta.
Bastava olhar para mulher,
pensava logo nas estrelas
e outros substantivos celestes.
Mas eram tantas, o céu tamanho,
minha poesia perturbou-se.

Eu também já tive meu ritmo.
Fazia isso, dizia aquilo.
E meus amigos me queriam,
meus inimigos me odiavam.
Eu irônico deslizava
satisfeito de ter meu ritmo.
Mas acabei confundindo tudo.
Hoje não deslizo mais não,
não sou irônico mais não,
não tenho ritmo mais não.


Carlos Drummond de Andrade

ELLEN OLÉRIA - Desenho De Giz


ARGUMENTO

Mas se todos fazem



Francisco Alvim
A LUTA POLÍTICA

(...) Por luta política entendemos a luta contra o governo. O governo é o conjunto dos indivíduos que detêm o poder de fazer a lei e de impô-la aos governados, isto é, ao público. O governo é a conseqüência do espírito de dominação e de violência que homens impuseram a outros homens, e, ao mesmo tempo, é a criatura e o criador dos privilégios, e também seu defensor natural. É falso dizer que o governo desempenha hoje o papel de protetor do capitalismo, e que este último tendo sido abolido, ele se tornaria o representante dos interesses de todos. Antes de mais nada, o capitalismo não será destruído enquanto os trabalhadores, tendo se livrado do governo, não tiverem se apoderado de toda a riqueza social e organizado, eles próprios, a produção e o consumo, no interesse de todos, sem esperar que a iniciativa venha do governo, que, de resto, é incapaz de fazê-lo. Se a exploração capitalista fosse destruída, e o princípio governamental conservado, então, o governo, distribuindo todos os tipos de privilégios, não deixaria de restabelecer um novo capitalismo. Não podendo contentar todo mundo, o governo necessitaria de uma classe economicamente poderosa para sustentá-lo, em troca da produção legal e material que ela receberia dele. Não se pode, portanto, abolir os privilégios e estabelecer de modo definitivo a liberdade e a igualdade social sem por fim ao Governo, não a este ou àquele governo, mas à própria instituição governamental.
(...)
Errico Malatesta in Escritos Revolucionários (1853)

terça-feira, 29 de setembro de 2015

PALAVRAS QUE CURAM

A psiquiatria clínica e a psicologia clínica, em grande parte, vivem às custas, no encontro com o paciente, do Senso Comum, bem assessorado pelo Bom Senso, duas poderosas instituições sociais que trabalham no silêncio que fala. Dir-se-ia: "não fique desse jeito, criatura, assim desanimado; você tem tantas virtudes!". Ou "se eu fosse você, já teria feito alguma coisa, já teria me mandado". Mais: "eu sei o que você está passando, mas a vida é assim mesmo". E mais:" Você tem que buscar o equilíbrio; aí sim as coisas melhoram". E muito mais: "não se importe com o que as pessoas dizem sobre você; cuide da sua auto-estima". Ainda: "o país funciona e sempre funcionou desse jeito, você precisa aceitar as coisas como são". Tanto mais costumo ouvir relatos selvagens de gente que chega de todas as partes. Nem é preciso dizer, já dizendo, dos intoxicados crônicos pela psicoquímica das indústrias cinzentas. São zumbis que vagueiam em si mesmos, rodopiam sobre o abismo. E dos intoxicados ávidos pela palavra que "cura", a palavra do bom senso, a palavra do sacerdote travestido de técnico em saúde mental. Mas o que é isso, saúde mental? 

A.M.

BOSCH


segunda-feira, 28 de setembro de 2015

RELATOS DO CÁRCERE

(...) Os 100 dias de cárcere de Odebrecht são divididos em duas etapas. Nos 26 primeiros dias esteve preso na Custódia da Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba - QG das investigações, sob a guarda direta daqueles que o prenderam. O empresário dormiu na cama superior de uma beliche, em uma cela sem janela, onde a luz que entra é a do vão das grades da porta. Com ele, dois outros executivos.

Acostumado a eventos sociais, jantares sofisticados, o dono da Odebrecht não reclamou da comida, em geral arroz, feijão, macarrão e uma carne. Seu primeiro pedido chegou oficialmente, via advogado, no mesmo dia que foi transferido para Curitiba: o direito ao consumo de barras de cereal de três em três horas, por causa de uma hipoglicemia. Foi atendido. Ao ser preso, Marcelo Odebrecht avisou aos familiares que não queria receber visitas. A ordem deveria valer também para a mulher dele, Isabela. Mas é ela, junto com a irmã do executivo, Mônica Odebrecht quem mais o visitam na carceragem, sempre às sextas-feiras.

Odebrecht pediu pessoalmente aos agentes da Custódia da PF iluminação dentro da cela (o que é proibido) e depois a liberação para comprar duas TVs que seriam instaladas estrategicamente nos dois corredores que dão acesso aos dois blocos de três celas. Ambos negados.
(...)
Blog do Josias de Souza,27/09/2015, 09:30 hs

domingo, 27 de setembro de 2015

SEM PREVISÃO

Talvez um voltasse, talvez o outro fosse. Talvez um viajasse, talvez outro fugisse. Talvez trocassem cartas, telefonemas noturnos, dominicais, cristais e contas por sedex (...) talvez ficassem curados, ao mesmo tempo ou não. Talvez algum partisse, outro ficasse. Talvez um perdesse peso, o outro ficasse cego. Talvez não se vissem nunca mais, com olhos daqui pelo menos, talvez enlouquecessem de amor e mudassem um para a cidade do outro, ou viajassem junto para Paris (...) talvez um se matasse, o outro negativasse. Sequestrados por um OVNI, mortos por bala perdida, quem sabe. Talvez tudo, talvez nada.
(...)
Caio Fernando Abreu
SATÉLITE

Fim de tarde.
No céu plúmbeo
A lua baça
Paira.

Muito cosmograficamente
Satélite.

Desmetaforizada,
Desmitificada,

Despojada do velho segredo de melancolia,
Não é agora o golfão de cismas,
O astro dos loucos e enamorados,
Mas tão somente
Satélite.

Ah! Lua deste fim de tarde,
Desmissionária de atribuições românticas;
Sem show para as disponibilidades sentimentais!

Fatigado de mais-valia,
gosto de ti, assim:
Coisa em si,
-Satélite.


Manuel Bandeira

PHILIP GLASS - Metamorphosis 4 (Branka Parlic)


TRAVESSIA

Partir, se evadir, é traçar uma linha. O objeto mais elevado da literatura, segundo Lawrence: "Partir, partir, se evadir... atravessar o horizonte, penetrar em outra vida...É assim que Melville se encontra no meio do oceano Pacífico, ele passou, realmente, a linha do horizonte." A linha de fuga é uma desterritorialização. Os franceses não sabem bem o que é isso. É claro que eles fogem como todo mundo, mas eles pensam que fugir é sair do mundo, místico ou arte, ou então alguma coisa covarde, porque se escapa dos engajamentos e das responsabilidades. Fugir não é renunciar às ações, nada mais ativo que uma fuga. É o contrário do imaginário. É também fazer fugir, não necessariamente os outros, mas fazer alguma coisa fugir, fazer um sistema vazar como se fura um cano. George Jackson escreve de sua prisão: "É possível que eu fuja, mas ao longo de minha fuga, procuro uma arma." E Lawrence ainda: "Digo que as velhas armas apodrecem, façam novas armas e atirem no alvo." Fugir é traçar uma linha, linhas, toda uma cartografia. Só se descobre mundos através de uma longa fuga quebrada. 
(...)
G. Deleuze e C. Parnet in Diálogos
Há um tempo para partir, mesmo quando não há um lugar certo para ir.

Tennessee Williams
OPACO

É obviamente necessário, como o oráculo grego afirmava, conhecermo-nos a nós próprios. É a primeira realização do conhecimento. Mas reconhecer que a alma de um homem é incognoscível é a maior proeza da sabedoria. O derradeiro mistério somos nós próprios. Depois de termos pesado o Sol e medido os passos da Lua e delineado minuciosamente os sete céus, estrela a estrela, restamos ainda nós próprios. Quem poderá calcular a órbita da sua própria alma?
(...)
Oscar Wilde in De Profundis

MARÍLIA CHARTUNE


SOBRE A ESQUIZOANÁLISE 


Folha de S. Paulo– Por que Deleuze deve se posicionar contra a psicanálise? Trata-se de causas políticas?
David Lapoujade – De início, é preciso lembrar que Deleuze, antes de seu encontro com Guattarri, foi um dos filósofos franceses de sua geração mais próximos da psicanálise. Ele não era somente um comentador de Freud, como Derrida ou Ricoeur, ele utilizava positivamente as distinções e classificações da psicanálise -as de Freud, é claro, mas também as de Melanie Klein, Lacan e seus discípulos -e outras ainda. Tanto ele se inspirava em tudo isso, que ele queria construir uma filosofia “clínica” do inconsciente, muito afastada de toda filosofia da “consciência”. Como ele disse em seguida, foi Guattari que o tirou da psicanálise.

Com efeito, jamais o encontro com Guattari seria fecundo se Deleuze não tivesse se sentido encurralado, em um plano ao mesmo tempo teórico e prático, em relação à sua utilização da psicanálise. Para Deleuze, lutar contra ela era, de início, colocar fim a um primado excessivo acordado ao sentido, era tentar pensar a atividade do inconsciente fora de toda interpretação significante. A ruptura com a psicanálise era inevitável porque se tratava de propor uma psicanálise sem interpretação!

Mas veja como a questão se torna ao mesmo tempo política, porque devemos agora nos perguntarmos: por que se quer, a qualquer preço, que o inconsciente signifique alguma coisa? Mais ainda, por que os psicanalistas querem que ele signifique sempre a mesma coisa: Édipo? A noção de “sentido” ou de significação não é neutra e as operações que ela pressupõe (tradução, interpretação, metáfora etc.), menos ainda.

Interpretar o inconsciente em função do triângulo edípico torna-se uma operação política. E Deleuze e Guattari mostrarão que o privilégio exclusivo que a psicanálise concede ao Édipo é, em outro plano, inseparável do desenvolvimento da economia capitalista. No limite, o que deve nos surpreender não é o fato de Deleuze e Guattari compreenderem a emergência e a institucionalização da psicanálise a partir da formação da economia capitalista, mas é antes o fato de que a psicanálise tenha isolado o inconsciente de toda relação estruturante com o campo social e político, que ela o tenha encerrado na célula familiar, que todo acontecimento político ou social seja compreendido no interior de um simbólico familiarista, que toda luta seja interpretada como uma luta contra o Pai…

Por que os psicanalistas seriam, como diz Deleuze, os “novos padres”?
Isso não se refere a uma analogia comum, frequentemente evocada, entre o padre confessor e o psicanalista terapeuta, entre o confessional e o divã. Na realidade, Deleuze e Guattari retomam aqui a tipologia de Nietzsche. É Nietzsche quem, em textos admiráveis, declara que os padres inventaram a psicologia ao criar a noção de “intenção”, criando assim de um só golpe também as noções de culpabilidade, de má-consciência etc. -toda uma teologia.

Se para Deleuze e Guattari os psicanalistas são os novos padres, é, em primeiro lugar, porque eles introduzem a culpabilidade no desejo: porque o desejo não deseja senão sob a condição do interdito do incesto. Em segundo lugar, é porque eles introduzem a noção de falta na definição do desejo, não uma falta passageira que pode ser satisfeita, mas uma falta constitutiva do próprio desejo, da qual a fantasia é testemunha. A falta e a fantasia são como uma “intenção” que estrutura o desejo, não um pecado original, mas uma estrutura universal.

E, na ideia de que a cura deve conduzir à aceitação da natureza do desejo como falta e castração, existe talvez mais moralismo do que se pode crer. Nietzsche já o dizia: a psicologia não está ao serviço da moral, ela é uma moral. Se, para Deleuze e Guattari, os psicanalistas são os novos padres, é porque eles querem nos impor uma concepção moral do desejo.

A psicanálise exageraria o papel do sexo na vida do sujeito?
Não, não creio. Não é essa a questão. Deleuze e Guattari pensam, como Freud, que tudo é sexual porque, para eles, tudo é desejo, tudo é libidinal. O que eles contestam é que toda sexualidade seja genital, é o rebatimento de toda sexualidade sobre a genitalidade.

Para eles, existe sexo por toda parte, não no sentido de que tudo simbolizaria a sexualidade genital, como para estes psicanalistas amadores que vêem um símbolo fálico assim que olham para um frasco de xampu, mas no sentido de que o desejo deseja, também “sexualmente”, outra coisa que a atividade sexual.

A psicanálise exagera o papel da família, em particular do pai e da mãe, na vida do sujeito?
É uma questão difícil. De saída, deve-se lembrar que, como sempre diziam Deleuze e Guattari, não foi a psicanálise que “inventou” o Édipo. São, de fato, os pacientes que vêm com suas “demandas” edípicas, são eles que são “doentes” de Édipo. São eles que estão presos na família; a família burguesa age ao mesmo tempo como um meio de reclusão e como uma caixa de ressonância do mundo social. Ela filtra tudo: as crises, os dramas, as guerras para se constituir uma interioridade neurótica, fortemente neurótica. Mas existe sempre alguma coisa que vem de fora para abalar mesmo a família mais fechada e nela introduzir um pouco de psicose ou de esquizofrenia: a falência financeira de um tio ou a psicose da avó.

O problema, aos olhos de Deleuze e Guattari, é que no lugar de nos fazer sair da família, a psicanálise nos afunda nela novamente, acompanhando um movimento que já era aquele do capitalismo, a saber, a privatização da família. De fato, com o capitalismo a família é colocada fora do campo social, mas de tal maneira que o campo social se aplica a ela e que os indivíduos se tornam personagens sociais e imagens do capitalismo, os representantes dos imperativos capitalistas: a família como pequena empresa ou poder delegado.

O mínimo que pode se dizer é que a psicanálise não procurou desfazer este movimento, mas o reforçou, o favoreceu, por intermédio justamente da “resolução” do complexo de Édipo.

A esquizoanálise seria capaz de escapar destes problemas? Como ela o faria?
Devem-se sublinhar duas coisas: em primeiro lugar, a esquizoanálise que Deleuze e Guattari propõem não exclui um procedimento terapêutico, uma “análise”. Deleuze e Guattari não são contra a análise ou a terapia, mas eles desejavam modificar seu funcionamento. Em segundo lugar, a esquizoanálise tem o mesmo “objetivo” de uma terapia clássica: acabar com o Édipo. Mas ali onde a psicanálise quer “resolver” o Édipo -o que significa, na maior parte das vezes, que cada um deve se resignar à sua neurose para conquistar uma normalidade assumida-, a esquizoanálise quer proceder de outra forma e nos reconectar com os processos esquizofrênicos próprios ao desejo, o que não quer dizer fazer de nós esquizofrênicos.

O que isso quer dizer? Não retornar incansavelmente à sua própria história pessoal e familiar para saber quando e como ela acabou mal, mas partir de um tipo de cartografia de nossa situação atual para determinar segundo quais vias, por quais combinações de fatores, nossa energia pode conseguir circular, pode conseguir se intensificar ou não. Não mais saber o que “Isso” [o “Isso” (ou Id) é uma das três instâncias psíquicas freudianas, ao lado do Ego e do Superego] quer dizer, mas como isso funciona, por quais meios, por quais construções. Não mais uma análise de interpretação, mas de experimentação. Não existe aqui nenhuma “resolução”, nenhuma origem reveladora a se pesquisar, nenhum fim liberador pelo qual se esperar; trata-se antes de sair destas narrativas intermináveis, dessas buscas infinitas e finalmente complacentes, de acabar com sua própria história para passar enfim a outra coisa.

Deste ponto de vista, a esquizoanálise procura recrutar antes os magos e os xamãs do que os psicanalistas, isto é, os seres mais sensíveis às forças, às energias e à sua circulação do que às histórias pessoais e à sua decifração.

Entrevista com David Lapoujade - Folha de S. Paulo, em 16/10/2012, por email.
A PALAVRA

Já não quero dicionários
consultados em vão.
Quero só a palavra
que nunca estará neles
nem se pode inventar.

Que resumiria o mundo
e o substituiria.
Mais sol do que o sol,
dentro da qual vivêssemos
todos em comunhão,
mudos,
saboreando-a.


Carlos Drummond de Andrade
NÃO É O QUE PARECE

A grande maioria dos homens leva uma vida de calado desespero. O que se chama resignação é desespero confirmado. Da cidade desesperada você vai para o campo desesperado, e tem de se consolar com a coragem das martas e dos ratos almiscarados. Um desespero estereotipado, mas inconsciente, se esconde mesmo sob os chamados jogos e prazeres da humanidade. Não há diversão neles, pois esta vem depois da obrigação. Mas uma característica da sabedoria é não fazer coisas desesperadas.
(...)
Henry David Thoreau

JOÃO GILBERTO - Estate


O QUE PODE A PSICOTERAPIA?

A psicoterapia é um serviço típico do capitalismo industrial. Está inscrito no circuito da produção ad aeternum de mercadorias e atrelado ao consumo automatizado. Antes de tudo, pois, carrega o fetiche da mercadoria a ser consumida por sujeitos angustiados, fóbicos, depressivos, “doentes” da existência. Neste sentido, pode nos ocorrer (psicoterapeutas e afins) uma espécie de miopia teórica da concepção materialista do fato subjetivo, em prol de um humanismo salvacionista. Salvar aquele que sofre por/para viver, quem não tentou? Uma visão a-histórica da psicoterapia funcionaria apenas para torná-la um psico-remédio (?!) para os males da alma, buraco metafísico do qual ninguém escapa. Ora, tal “buraco metafísico” é produzido por relações sociais onde o desejo produz a sua produção. Tudo é produção. Apesar disso, não há como negar linhas da diferença em terapia, na medida em que elas produzam subjetivações que quebram (dissolvem) os próprios códigos sociais  aprisionadores do paciente. Seria, então possível, agenciar uma psicoterapia “libertadora”? Talvez, um pouco, quase nada, lembrando que “libertação” é uma palavra cheia de dobras e armadilhas semânticas e políticas. Daí, talvez seja preciso incluir a desordem nas práticas clínicas, usando-as como rearranjo de potências subjetivas até então narcotizadas. O caso da psiquiatria é emblemático, monstro industrial vegetando com suas prescrições farmacológicas fascistizantes.

A.M.

Toda paixão desvairada esconde uma manchete policial.

Millôr Fernandes

sábado, 26 de setembro de 2015

O QUE É AMAR

Não confundas o amor com o delírio da posse, que acarreta os piores sofrimentos. Porque, contrariamente à opinião comum, o amor não faz sofrer. O instinto de propriedade, que é o contrário do amor, esse é que faz sofrer. (...) Eu sei assim reconhecer aquele que ama verdadeiramente: é que ele não pode ser prejudicado. O amor verdadeiro começa lá onde não se espera mais nada em troca.
(...)
Antoine de Saint-Exupéry

PINA BAUSCH - Dead Can Dance - Song of the Stars


PODERES INOCENTES

Apontado pela força-tarefa da Operação Lava Jato como operador do PMDB no esquema de pilhagem da Petrobras, Fernando Falcão Soares, o Fernando Baiano, complicou a situação do presidente da Câmara. Convertido em delator no início de setembro, Baiano confirmou em seus depoimentos a acusação do lobista Júlio Camargo de que Eduardo Cunha recebeu propina de US$ 5 milhões em contratos de aluguel de navios-sonda da empresa Sansumg para a Petrobras.

Preso desde novembro de 2014, Fernando Baiano já foi condenado pelo juiz Sérgio Moro. Pegou 16 anos de cadeia pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro justamente no processo que trata da contratação de navios-sonda. O negócio rendeu propina de US$ 15 milhões. O lobista Júlio Camargo dissera que, desse total, US$ 5 milhões foram repassados a Cunha por intermédio de Baiano. O deputado negou. Mas Baiano confirmou.

Em privado, Eduardo Cunha diz aos seus aliados que, a exemplo de Júlio Camargo, Fernando Baiano não apresenta provas do que afirma. Alardeia que não há evidências materiais contra ele, apenas depoimentos de delatores. Acha que será inocentado pelo STF. O procurador-geral da República Rodrigo Janot denunciou-o ao Supremo, no mês passado, por corrupção e lavagem de dinheiro.

Blog do Josias de Souza, 25/09, 19:15 hs

REFUGIADOS


sexta-feira, 25 de setembro de 2015

QUANDO O SOL

quando o sol tornar a colorir a figueira da montanha
aves iluminadas estarão cantando em teu silêncio.

escutarás então o inexistente tempo
fluindo sob o peso morno das lágrimas:
sob sob.

quando o sol tocar o vento
e os longos dedos de gelo
coçarem a pele da manhã
incendiando os galos e os cabelos
das árvores e montanhas
dos caracóis e cachoeiras

quando o sol puxar entre os dentes
o interno verbo de todas as galáxias
altas redes de vento e luz e infinito

saberás que atrás de cada tortura
de cada assassínio
de toda a impostura
detrás de cada negação ou falsificação
do humano manancial
o olhar da vida

o permanente olhar da vida
sempre ardeu como um grito saltando do pó do avesso do ódio
dos ossos das sepulturas dos cárceres do rosto vazio e
implacável.


Afonso Henriques Neto
FALA, BUK...

Não há nada a lamentar sobre a morte, assim como não há nada a lamentar sobre o crescimento de uma flor. O que é terrível não é a morte, mas as vidas que as pessoas levam ou não levam até a sua morte. Não reverenciam suas próprias vidas, mijam em suas vidas. As pessoas as cagam. Idiotas fodidos. Concentram-se demais em foder, cinema, dinheiro, família, foder. Suas mentes estão cheias de algodão. Engolem Deus sem pensar, engolem o país sem pensar. Esquecem logo como pensar, deixam que os outros pensem por elas. Seus cérebros estão entupidos de algodão. São feios, falam feio, caminham feio. Toque para elas a maior música de todos os tempos e elas não conseguem ouví-la. A maioria das mortes das pessoas é uma empulhação. Não sobra nada para morrer.
(...)
Charles Bukowski

SAGRAÇÃO DA PRIMAVERA


PERGUNTA-SE:

P. O curso do rio, dá diploma?
R. Só se o sujeito for muito pro fundo.

P. Camisa de onze varas, vem com punho duplo? 
R. Pelo contrário, vem com manga de colete.

P. Corrente marinha, serve pra amarrar cachorros? 
R. Não, mas serve pra arrastar imbecis.

P. Dor de dente, dói? 
R. Não, o que dói é a anestesia.

P. Na Bienal, tem fratura exposta? 
R. Quando os críticos entram em desacordo.

P. Um perneta, pode passar a perna em alguém? 
R. Se pode! Com um pé nas costas.


Millôr Fernandes

WILL CALHAOUN TRIO, MARC CARY & CHANETT MOFFETT - Afro Blue


O PROCESSO

(...) Imagina tu, leitor, uma redução dos séculos, e um desfilar de todos eles, as raças todas, todas as paixões, o tumulto dos Impérios, a guerra dos apetites e dos ódios, a destruição recíproca dos seres e das coisas. Tal era o espetáculo, acerbo e curioso espetáculo. A história do homem e da Terra tinha assim uma intensidade que lhe não podiam dar nem a imaginação nem a ciência, porque a ciência é mais lenta e a imaginação mais vaga, enquanto que o que eu ali via era a condensação viva de todos os tempos. Para descrevê-la seria preciso fixar o relâmpago. Os séculos desfilavam num turbilhão, e, não obstante, porque os olhos do delírio são outros, eu via tudo o que passava diante de mim,— flagelos e delícias, — desde essa coisa que se chama glória até essa outra que se chama miséria, e via o amor multiplicando a miséria, e via a miséria agravando a debilidade. Aí vinham a cobiça que devora, a cólera que inflama, a inveja que baba, e a enxada e a pena, úmidas de suor, e a ambição, a fome, a vaidade, a melancolia, a riqueza, o amor, e todos agitavam o homem, como um chocalho, até destruí-lo, como um farrapo.
(...)
Machado de Assis

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

E assim é o mundo; às vezes, sinceramente, desejo que Noé e sua comitiva tivessem perdido o barco.

Mark Twain

terça-feira, 22 de setembro de 2015

ASSIM

Vomitaram trinta estrelas nesse charco 
de líquidos corpos empoçados. 
Nas tocas iluminadas os que se iniciam na morte 
fantasmas de si mesmos 
fecundam ritmos e bússolas e fracassos. 
Há desgosto e música na atmosfera branca 
negra. 
Vomitaram trinta estrelas talvez mais 
mas o buraco se fecha. 
Em silêncio algumas flores resistem 
nas verdes gramas do sol.

Afonso Henriques Neto
ESSÊNCIA DO ANARQUISMO

(...) a ordem é a miséria, a fome, tornadas estado normal da sociedade . A ordem é a mulher que se vende para alimentar seus filhos (...) é o operário reduzido ao estado de máquina. A ordem é uma minoria ínfima, educada nas cátedras governamentais, que se impõe por esta razão à maioria, e que prepara seus filhos mais tarde para ocupar as mesmas funções, a fim de manter os mesmos privilégios, pela astúcia, pela corrupção, pela força, pelo massacre. 
(...) A desordem é a insurreição dos camponeses contra os sacerdotes e os senhores, incendiando os castelos para dar lugar às choupanas, saindo de seus esconderijos para ocupar seu lugar ao sol. A desordem – o que eles denominam de desordem – são as épocas durante as quais gerações inteiras mantêm uma luta incessante e se sacrificam para preparar uma existência melhor para a humanidade, livrando-a das servidões do passado. São épocas durante as quais o gênio popular toma seu livre impulso e dá, em alguns anos, passos gigantescos, sem os quais o homem teria permanecido no estado de escravidão antiga, de ser rastejante, aviltado na miséria. 
(...)A palavra anarquia, implicando a negação desta ordem e invocando a lembrança dos mais belos momentos da vida dos povos, não foi bem escolhida para um partido que caminha para a conquista de um futuro melhor?
(...)
Piotr Kropotkin
 

O EXEMPLO


segunda-feira, 21 de setembro de 2015

POÉTICA

(...) E quem adivinha ao menos em parte as consequências de toda profunda suspeita, os calafrios e angustias do isolamento, a que toda incondicional diferença do olhar condena quem dela sofre, compreenderá também com frequência, para me recuperar de mim, como para esquecer-me temporariamente, procurei abrigo em algum lugar - em alguma adoração, alguma inimizade, leviandade, cientificidade ou estupidez; e também por que, onde não encontrei o que precisava, tive que obtê-lo à força de artifício, de falsificá-lo e criá-lo poeticamente para mim.
(...)
Nietzsche

domingo, 20 de setembro de 2015

Esta primavera
não é flor que se cheire.

Eudoro Augusto

JORGE BEN - Jorge da Capadócia


VADE  RETRO !

O PT é uma empresa de demolição – a melhor que o país já conheceu - a quem se incumbiu a tarefa de edificar. O resultado não poderia ser outro: a desconstrução do país. E não apenas na economia, mas em todos os demais campos da cena pública.

Diante dos destroços, com o pedido de impeachment já na Câmara, prepara-se para fazer o que sempre soube: demolição – isto é, oposição. A base petista não quer a saída de Dilma, mas condena o que ela vê como tábua de salvação: seu pacote fiscal.

Põe em cena, então, um modo singular de apoio: a favor do governo e contra seus projetos; a favor do moribundo, mas contra a medicação. No que isso vai dar, não se sabe, mas se imagina. Mais destruição. O presidente da CUT, Vagner Freitas, prometeu pegar em armas contra os que querem a saída da presidente, mas usou de igual veemência para condenar as armas que ela própria concebeu para livrar-se do impedimento, o pacote fiscal.

Cabe aí o chavão: com aliados assim, pra quê oposição? Lula et caterva sustentam que é possível continuar a crescer, manter benefícios, crédito e consumo a rodo, sem submeter a economia a remédios amargos. Não explicam como, até porque não sabem – e até porque não há como.

Mas são detalhes. Importa manter a massa inflamada, supondo que algum vilão a quer surrupiar. As elites, claro.

O partido se especializou em propaganda enganosa. Com ela, e subsidiado com propinas extorquidas da Petrobras, venceu as eleições, mas não entregou a mercadoria. Nem entregará.

Considera, mesmo assim, que o partido e sua eleita são detentores de um mandato intocável, não obstante as previsões legais e constitucionais para situações como essa.

O país está economicamente arruinado. Ainda que o pacote de Joaquim Levy fosse um achado genial – e, óbvio, não é -, não teria o governo meios de implementá-lo, por não dispor de credibilidade. Sem ela, nada feito. Economia não é ciência exata; tem forte e decisivo conteúdo psicossocial.

Se hoje Dilma dispusesse de outro Plano Real – ou de um ainda melhor -, fracassaria. Ninguém o levaria a sério. A credibilidade do governante e de seu entorno é fundamental. As pesquisas mostram que algo em torno de 7% é o que restou à presidente de apoio na sociedade. Menos que a taxa de inflação.

Se tivesse juízo, pediria o boné e voltaria para casa. Mas não tem – e isso é um dos componentes da tragédia. A presidente, no desespero de sua aridez mental, topa tudo, até a estatização do jogo do bicho e da roleta. “Não descarto nenhuma fonte de receita”, avisou semana passada. Até cobrança de IPTU para as sepulturas está em curso – parece piada, mas não é. Demolições S.A.

Antes de sair, há ainda alguns estragos à vista. A OAB, a CUT de gravata, conseguiu emplacar no STF a proibição de doações eleitorais por parte das empresas. O PT, como lembrou o ministro Gilmar Mendes, não tem com o que se preocupar: já tem doações suficientes para muitas eleições, como o demonstra o Petrolão.

O aparelhamento das instituições é de tal ordem que, antes das votações – não só no STF, mas no STJ, TCU e TSE -, a imprensa ocupa-se, com a maior naturalidade, em antecipar os resultados: tantos ministros votam com o PT, tantos são independentes. Costuma funcionar.

Poucos se deram conta da gravidade das palavras do ministro Gilmar Mendes, ao acusar o PT de ganhar as eleições com dinheiro público roubado. Do lado avesso de suas argumentações, o ministro Marco Aurélio Mello considerou ilegítimo receber dinheiro de empresas privadas, ainda que declarado. Ou seja, considerou todo o espectro político derivado das urnas ilegítimo, já que assim funcionaram as eleições passadas – e as que as precederam.

Nem tudo é como parece. A proibição soa como medida moralista, cuja ausência teria gerado a corrupção em curso. Mas não é. A proibição não suprirá a necessidade de as eleições serem financiadas, sobretudo num país-continente. O dinheiro virá agora do caixa dois e do Estado. Como este está vazio, resta o dinheiro clandestino. O STF legalizou o caixa dois – exceto, talvez, para o PT, que está abastecido para umas dez campanhas.

Tudo o que se sabe até aqui circunscreve-se à Petrobras e a uma pontinha da Eletrobras. Mas há bem mais: BNDES, Caixa Econômica, Banco do Brasil, fundos de pensão etc. Onde haja um cofre, há um arrombamento. Dos generosos empréstimos externos do BNDES, quanto retorna como caixa dois ao PT para os embates eleitorais futuros? Não se sabe. Ainda.

Ao final de 13 anos do PT, legenda de número 13, seu espólio está sendo julgado na 13ª vara federal de Curitiba, enquanto na Câmara dos Deputados 13 pedidos de impeachment foram reunidos em um só para dar início à reconstrução do país.

É uma numerologia macabra, em que o 13, mais que nunca, consolida sua reputação mítica de número do azar. Vade retro! 

Ruy Fabiano, do Blog do Noblat, 19/09/2015, 01:10 hs
Uma prece pelos rebeldes de coração enjaulados.

Tennessee Williams

FRANZ MARC


DISPOSIÇÃO DO GUERREIRO

A autoconfiança do Guerreiro não é a autoconfiança do homem comum. O homem comum procura certeza aos olhos do observador e chama a isso autoconfiança. O Guerreiro procura impecabilidade aos próprios olhos e chama a isso humildade. O homem comum está preso aos seus semelhantes, enquanto o Guerreiro só está preso ao infinito. 
(...)
Carlos Castaneda
ATENÇÃO!

Um argumento a favor do diabo: é preciso recordar que nós ouvimos só uma versão da história. Deus escreveu todos os livros.


Samuel Butler

PHILIP GLASS - Choosing Life


sábado, 19 de setembro de 2015

MÁQUINA DE GUERRA, CIÊNCIA MENOR, NÔMADE

(...) Um corpo não se reduz a um organismo, assim como o espírito de corpo tampouco se reduz à alma de um organismo. O espírito não é melhor, mas ele é volátil, enquanto a alma é gravífica, centro de gravidade. Seria preciso invocar uma origem militar do corpo e do espírito de corpo? Não é o "militar" que conta, mas antes uma origem nômade longínqua. Ibn Khaldoun definia a máquina de guerra nômade por: as famílias ou linhagens, mais o espírito de corpo. A máquina de guerra entretém com as famílias uma relação muito diferente daquela do Estado. Nela, em vez de ser célula de base, a família é um vetor de bando, de modo que uma genealogia passa de uma família a outra, segundo a capacidade de tal família, em tal momento, em realizar o máximo de "solidariedade agnática". A celebridade pública da família não determina o lugar que ocupa num organismo de Estado; ao contrário, é a potência ou virtude secreta de solidariedade, e a movência correspondente das genealogias, que determinam a celebridade num corpo de guerra. Há aí algo que não se reduz nem ao monopólio de um poder orgânico nem a uma representação local, mas que remete à potência de um corpo turbilhonar num espaço nômade. Certamente é difícil considerar os grandes corpos de um Estado moderno como tribos árabes. O que queremos dizer, na verdade, é que os corpos coletivos sempre têm franjas ou minorias que reconstituem equivalentes de máquina de guerra, sob formas por vezes muito inesperadas, em agenciamentos determinados tais como construir pontes, construir catedrais, ou então emitir juízos, ou compor música, instaurar uma ciência, uma técnica... Um corpo de capitães faz valer suas exigências através da organização dos oficiais e do organismo dos oficiais superiores. Sempre sobrevêm períodos em que o Estado enquanto organismo se vê em apuros com seus próprios corpos, e em que esses, mesmo reivindicando privilégios, são forçados, contra sua vontade, a abrir-se para algo que os transborda, um curto instante revolucionário, um impulso experimentador. Situação confusa onde cada vez é preciso analisar tendências e pólos, naturezas de movimentos. De repente, é como se o corpo dos notários avançasse de árabe ou de índio, e depois se retomasse, se reorganizasse: uma ópera cômica, da qual não se sabe o que vai resultar (acontece até de gritarem: "A polícia conosco!"). 
(...)
G. Deleuze e F. Guattari in Mil Platôs, vol 5

GRANDES ESCRITOS


DISCURSO

nada existe, celebremos 
a alegria. 
o nascer e o morrer 
não nos acontece. 
só para os outros 
somos espetáculo. 
há vento em excesso 
pelos buracos da linguagem. 
um jardim muito espesso 
labirinto de idéias 
flocos de imagens sobre natais de fumaça. 
nada existe, celebremos 
aventura. 
tudo se instala 
o sentido esvaziou-se do oceano 
praias da totalidade. 
o que não existe 
celebra a concretude. 
é grave a pedra 
a pele desgarrada 
o esqueleto do silêncio. 
lábios se tocam em alegria 
beijo seco 
jardim de séculos. 
quase nenhuma fala 
ninguém 
mas os caminhos. 
recordemos: 
infância veloz 
olfato de espantos 
estátua ardente arfando 
no sonho. 
apenas não há 
ninguém 
mas os espaços 
(apenas o já nascido 
previamente ido). 
infinito buraco sem tempo 
celebração. 


Afonso Henriques Neto
OUTROS MUNDOS AQUI

Se é possível obter água cavando o chão, se é possível enfeitar a casa, se é possível crer desta ou daquela forma, se é possível nos defendermos do frio ou do calor, se é possível desviar leitos de rios, fazer barragens, se é possível mudar o mundo que não fizemos, ou da natureza, por que não mudar o mundo que fazemos: o da cultura, o da história, o da política?
(...)
Paulo Freire

DMITRY SPIROS


CASAMENTANDO

Minha mulher e eu temos o segredo para fazer um casamento durar:
Duas vezes por semana, vamos a um ótimo restaurante, com uma comida gostosa, uma boa bebida e um bom companheirismo. Ela vai às terças-feiras e eu, às quintas.
Nós também dormimos em camas separadas: a dela é em Fortaleza e a minha, em SP.
Eu levo minha mulher a todos os lugares, mas ela sempre acha o caminho de volta.
Perguntei a ela onde ela gostaria de ir no nosso aniversário de casamento, “em algum lugar que eu não tenha ido há muito tempo!” ela disse. Então, sugeri a cozinha.
Nós sempre andamos de mãos dadas…Se eu soltar, ela vai às compras!
Ela tem um liquidificador, uma torradeira e uma máquina de fazer pão, tudo elétrico. Então, ela disse: “nós temos muitos aparelhos, mas não temos lugar pra sentar”. Daí, comprei pra ela uma cadeira elétrica.
Lembrem-se: o casamento é a causa número 1 para o divórcio. Estatisticamente, 100 % dos divórcios começam com o casamento.
Eu me casei com a “senhora certa”. Só não sabia que o primeiro nome dela era “sempre”.
Já faz 18 meses que não falo com minha esposa. É que não gosto de interrompê-la.
Mas, tenho que admitir: a nossa última briga foi culpa minha.
Ela perguntou: “O que tem na TV?”
E eu disse: “Poeira”.

Luís Fernando Veríssimo

LITTLE BOY... WHY?


O MEDO

      A Antonio Candido

        "Porque há para todos nós um problema sério...
         Este problema é o do medo."
                   (Antonio Candido, Plataforma de Uma Geração) 



Em verdade temos medo.
Nascemos escuro.
As existências são poucas:
Carteiro, ditador, soldado.
Nosso destino, incompleto.

E fomos educados para o medo.
Cheiramos flores de medo.
Vestimos panos de medo.
De medo, vermelhos rios
vadeamos.

Somos apenas uns homens
e a natureza traiu-nos.
Há as árvores, as fábricas,
Doenças galopantes, fomes.

Refugiamo-nos no amor,
este célebre sentimento,
e o amor faltou: chovia,
ventava, fazia frio em São Paulo.

Fazia frio em São Paulo...
Nevava.
O medo, com sua capa,
nos dissimula e nos berça.

Fiquei com medo de ti,
meu companheiro moreno,
De nós, de vós: e de tudo.
Estou com medo da honra.

Assim nos criam burgueses,
Nosso caminho: traçado.
Por que morrer em conjunto?
E se todos nós vivêssemos?

Vem, harmonia do medo,
vem, ó terror das estradas,
susto na noite, receio
de águas poluídas. Muletas

do homem só. Ajudai-nos,
lentos poderes do láudano.
Até a canção medrosa
se parte, se transe e cala-se.

Faremos casas de medo,
duros tijolos de medo,
medrosos caules, repuxos,
ruas só de medo e calma.

E com asas de prudência,
com resplendores covardes,
atingiremos o cimo
de nossa cauta subida.

O medo, com sua física,
tanto produz: carcereiros,
edifícios, escritores,
este poema; outras vidas.

Tenhamos o maior pavor,
Os mais velhos compreendem.
O medo cristalizou-os.
Estátuas sábias, adeus.

Adeus: vamos para a frente,
recuando de olhos acesos.
Nossos filhos tão felizes...
Fiéis herdeiros do medo,

eles povoam a cidade.
Depois da cidade, o mundo.
Depois do mundo, as estrelas,
dançando o baile do medo.

Carlos Drummond de Andrade

CENTÁUREA NO CAMPO


ALFABETO


O Plano A, vendido na campanha, era prover rios de mel aos brasileiros, depois de livrar o país das medidas impopulares tramadas por Aécio Neves e impedir que o Banco Central independente de Marina Silva retirasse a comida da mesa dos pobres.

O Plano B consistia em recrutar o tucano Joaquim Levy na diretoria do Bradesco para que ele fizesse um superávit primário de pelo menos 1,1% do PIB em 2015. Que teve de ser reduzido para 0,15% do PIB porque a mistura de estagnação com inflação transformou o remédio num veneno que deixou a economia paralisada.

O Plano C foi subdividido em três etapas: 1) dizer que não havia mais como cortar despesas, 2) entregar o país nas mãos de Deus, e 3) enviar para o Congresso um orçamento para 2016 com um déficit de R$ 30,5 bilhões —coisa de 0,5% do PIB.

O Plano D foi rabiscar um pacote fiscal em cima do joelho, porque os estrategistas do governo não tinham imaginado que o descompromisso com as metas fiscais irritaria a Standard & Poor’s a ponto de a agência rasgar o selo de bom pagador que concedera ao Brasil.

O Plano E será, será… Ainda não há Plano E. Mas a aversão do Congresso à ideia de ressuscitar a CPMF, coração do Plano D, já empurra os sábios do governo para a conclusão de que talvez seja conveniente elaborar um plano de contingência. Cogita-se legalizar o jogo do bicho, o bingo e os cassinos.

Na última quinta-feira, reunidos a portas fechadas com os parlamentares da Comissão de Orçamento do Congresso, os ministros Joaquim Levy (Fazenda) e Nelson Barbosa (Planejamento) disseram que o governo não tem um Plano B.

Atônitos, os ministros ainda não se deram conta de que, em menos de nove meses, o governo já flerta com o Plano E. O alfabeto é extenso. Mas paira no ar uma dúvida: a paciência da plateia e a economia resistirão até o Plano Z?

Blog do Josias de Souza,19/09/04:53 hs

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

IRREVERSÍVEIS

Devires são o conteúdo do desejo, linhas de potência que atravessam meios, ritmos e as horas do mundo. Nem sempre ou quase nunca perceptíveis, produzem efeitos de sentido inseridos na passagem das coisas: o tempo. Não se vê o tempo, é verdade, mas existiria maior certeza de que ele existe? O tempo é desejo. Desse modo, devires são modos de existência que captam nuances do tempo. Não como uma temporalidade ao modo fenomenológico, mas como subjetivações a-subjetivas, ou seja, descoladas da organização da consciência. Tarefa árdua esta a de ser devires, na medida que uma cultura planetária, hoje capitalística (o axioma financeiro), odeia os devires, identificando-os com a desordem e o caos.Como diz Deleuze, o que assombra as sociedades (espécie de insulto ao senso comum) é a dissolução, a descodificação dos fluxos do desejo, o estranhamento (o que é isso? do que se trata? o que se passa? quem é você? onde estamos? etc). Assim, de uma escala social ampla (coisas do Estado, guerras) a uma escala estreita ( relações entre pessoas), passando por mil universos da diferença, os devires circulam e avançam implacáveis, desmedidos, inomináveis, irreversíveis, furtando-se à vontade individual. No entanto, a organização delirante e o controle milimétrico implementado pela sociedade industrial atestam a vontade de estancar os devires, projeto condenado de antemão à entronização do ressentimento e da culpa. Nada de novo, pois, debaixo do sol.

A.M

NINA SIMONE - I Put Spell On You


APRENDER

Há algumas coisas que não se pode aprender rapidamente, e o tempo, que é só o de que dispomos, cobra um preço alto pela aquisição delas. São as coisas mais simples do mundo, e porque leva a vida inteira de um homem para conhecê-las, a pequena novidade que cada homem extrai da vida custa muito caro e é a única herança que ele poderá deixar.
(...)
Ernest Hemingway in Morte ao Entardecer

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

a  arrogância do humanismo
sustenta os exércitos
os estados
as igrejas
as academias

e o dia-a-dia
da violência
naturalizada

A.M.