AURORA
Neste livro encontra-se agindo um ser “subterrâneo” que
cava, perfura e corrói. Ver-se-á, desde que se tenha olhos para tal
trabalho nas profundezas, como avança lentamente, com
circunspecção e com uma suave inflexibilidade, sem que se
perceba em demasia a angústia que acompanha a privação
prolongada de ar e de luz; poder-se-ia até julgá-lo feliz por realizar
esse trabalho obscuro. Não parece que alguma fé o guie, que
alguma consolação o compense? Talvez queira ter para ele uma
longa obscuridade, coisas que lhe sejam próprias, coisas
incompreensíveis, secretas, enigmáticas, porque sabe o que terá
em troca: sua manhã só para ele, sua redenção, sua aurora?...
Certamente voltará: não lhe perguntem o que procura lá em baixo;
ele mesmo o dirá, esse Trofônio, esse ser de aparência
subterrânea, uma vez que de novo se tenha “tornado homem”.
Costuma-se esquecer inteiramente o silêncio quando se esteve
soterrado tanto tempo como ele, só tanto tempo como ele.
(...)
F. Nietzsche in Aurora (prefácio)
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