NÃO EXISTE TODO
(...) Bergson dizia: o todo não é dado nem pode vir a sê-lo (e o erro da
ciência moderna, como da ciência antiga, era de se atribuir o todo, de duas maneiras
diferentes). Muitos filósofos já haviam dito que o todo não era dado nem passível de
ser dado; a única conclusão que tiravam disto era que o todo era uma noção
desprovida de sentido. A conclusão de Bergson é muito diferente: se o todo não é
passível de ser dado é porque ele é o Aberto e porque lhe cabe mudar
incessantemente ou fazer surgir algo de novo; em suma: durar. "A duração do
universo deve constituir uma unidade com a latitude de criação que nele pode
haver." De tal modo que toda vez que nos encontramos diante de uma duração,
ou numa duração, poderemos concluir pela existência de um todo que muda, e que
é aberto em alguma parte. Sabemos muito bem que Bergson descobriu inicialmente
a duração como idêntica a consciência. Mas um estudo mais aprofundado da
consciência levou-o a mostrar que ela só existia abrindo-se para um todo,
coincidindo com a abertura de um todo. Assim também para o vivente: quando
Bergson compara o vivente a um todo, ou ao todo do universo, ele parece retomar a
mais antiga comparação. E, no entanto, inverte completamente os termos. Pois se
o vivente é um todo, portanto assimilável ao todo do universo, não é tanto porque
seria um microcosmo tão fechado quanto o todo supostamente o é, mas, ao
contrário, é enquanto ele é aberto para um mundo, e que o mundo, o próprio
universo, é o Aberto. "Em todo lugar onde alguma coisa vive, existe, aberto em
alguma parte, um registro onde o tempo se inscreve."
(...)
Gilles Deleuze in Cinema: a imagem-movimento
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