segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

O AMOR E A MULTIPLICIDADE

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Essa é uma intuição que ainda não desenvolvemos completamente. Seria possível articular uma série de terrenos que o tema do amor pode abrir no campo da ciência política: amor como livre expressão dos corpos, como inteligência somada ao afeto, como geração contra a corrupção. Mas há um peso cultural que dificulta o desenvolvimento de uma concepção política do amor. Precisamos livrar o conceito dos limites do casal romântico e despojá-lo de sentimentalismo. Precisamos de uma concepção inteiramente materialista do amor, ou de uma concepção verdadeiramente ontológica: o amor como poder da constituição da existência.

Sim, como vocês mesmos sugerem, o Cristianismo (bem como o Judaísmo e provavelmente também as outras religiões) realmente oferece uma concepção política do amor. Pensamos em nossa própria concepção de amor como uma concepção primordialmente espinosana, mas vocês sabem, é claro, o quão profundamente enraizado ele está nas tradições cristãs e judaicas. O amor, para Espinosa, está baseado num reconhecimento duplo: reconhecimento do outro como diferente e reconhecimento de que a relação com esse outro aumenta nosso próprio poder. Assim, para Espinosa, o amor é o aumento de nosso próprio poder acompanhado do reconhecimento de uma causa externa. Notem que isso não é uma noção de amor na qual toda a diferença se perde ao abraçar uma unidade que amarra seus movimentos – uma noção comum para a maior parte dos teólogos cristãos. Não. Esse é um amor baseado na multiplicidade. E isso é exatamente como concebemos a multidão: singularidade somada a cooperação, reconhecimento da diferença e do benefício de uma relação comum. É nesse sentido que dizemos que o projeto da multidão é um projeto do amor.

Michael Hardt e Antonio Negri, trecho de entrevista sobre  o livro "Império",  concedida a Nicholas Broww e Imre Szeman, 2006

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