SEM LEITOS
“De todas as formas de desigualdade, a injustiça na saúde é a mais chocante e desumana”.
A escolha da frase do líder Martin Luther King, Jr. não é mero detalhe no artigo que a médica Flávia Machado publicou na edição de ontem do The New England Journal of Medicine. É a mais perfeita tradução da realidade que ela enfrenta numa das unidades de terapia intensiva (UTI) do Hospital São Paulo, na capital paulista.
O relato de Flávia dá a justa medida da precariedade enfrentada pelos médicos que tentam fazer o melhor num cenário de progressivo sucateamento da saúde pública. Se para os profissionais o dilema é moral, para os pacientes é questão de vida ou morte.
São 7 horas da manhã e, mais uma vez, precisamos decidir quem ocupará um leito na unidade de terapia intensiva (UTI) depois de uma cirurgia eletiva. Uma avó de 55 anos com câncer de intestino? Um idoso com metástase no fígado? Uma jovem que sente dor e precisa de cirurgia numa articulação para continuar a trabalhar e sustentar a família?
Deveríamos escolher ou recusar os pacientes que têm câncer? Deveríamos fazer escolhas baseadas na idade? Na qualidade de vida prévia? Ou no impacto social, se, por exemplo, o doente tem quatro crianças para criar? Devemos oferecer o leito a quem já o negamos antes? Ou devemos simplesmente deixar de brincar de Deus e conceder a vaga a qualquer pessoa que tenha pedido antes?
Escolhas – por vezes, trágicas – são feitas. “Na maioria dos dias alguém fica sem leito”, me disse Flávia. Ela não trabalha num hospital perdido no meio do sertão no estado mais pobre do país. Pelo contrário. Flávia dirige o setor de terapia intensiva da disciplina de anestesiologia da Escola Paulista de Medicina, uma instituição de referência ligada à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
(...)
Cristiane Segatto, Época, 23/12/2016, 08:01 hs
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