segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

DEVIR-ESCRITOR

Há um momento em que o escritor entra em devir-escritor. Já falamos tanto de devires, por que falar de mais um? Qual seria a importância de se falar de um devir escritor? O mundo é tão prático, as notícias de internet estão sempre nos informado rapidamente do que precisamos saber. O devir-escritor é um dos modos de resistência criativa (dentre os vários outros devires), mas com uma diferença: trata-se de uma viagem imóvel.

Não existe devir-sedentário, claro, então precisamos considerar a importante possibilidade de compreender o leitor como um viajante. Há na leitura e na escrita um processo tão intenso que podemos falar de um devir-leitor e devir-escritor. Jorge Amado falava de quando seus dedos digitavam mais rápido que sua mente, os personagens como que se moviam pelo papel antes dele conseguir planejar o que fariam; Henry Miller era um ótimo datilógrafo, digitava muito bem, e podia escrever muitas páginas de seu romance em um só dia; Kerouac também nos conta deste frenesi da escrita, quase um estado zen, meditativo, suspenso. Seu corpo era mais rápido que sua mente, seus dedos, mais rápidos que os olhos. Uma Razão Inadequada, razão corporal.

Um Corpo sem Órgãos nasce da escrita e da leitura, um  processo intenso que pode ser obtido no sofá da sala. Lembremos de Deleuze, é preciso sempre se perguntar: “isso funciona?”. Se não, pare de escrever ou para de ler! Em seus livros, o desejo pode alçar voo e encontrar outros territórios. Uma frase, uma lembrança, um lugar, é difícil saber onde o desejo encontrará um campo livre para povoar de multiplicidades.

A escrita é uma ferramenta de criação de intensidades. Não se escreve para fugir da vida, por falta de vida, como fuga. A escrita é uma arma, uma vitamina que potencializa, ensina e torna mais capaz de viver. O escritor monta uma máquina de guerra que opera na realidade, livros são armas!, pensamentos são um modo de resistir e atuar na realidade concreta. O escritor nômade entra em contato com os fluxos, seu corpo se torna um canal, ele abre os poros buscando por algo que se passe em sua superfície. Uma escrita experimental, que não procura interpretar; nômade é aquele que abandona a si mesmo no processo, volta, e já é outro!
(...)

Rafael Trindade, do blog Razão inadequada

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