RUPTURAS
(...)
Eis que, na ruptura, não apenas a matéria do passado se volatizou, mas
a forma do que aconteceu, de algo imperceptível que se passou em uma
matéria volátil, nem mais existe. Nós mesmos nos tornamos imperceptíveis
e clandestinos em uma viagem imóvel. Nada mais pode acontecer nem
mesmo ter acontecido. Ninguém mais pode nada por mim nem contra mim.
Meus territórios estão fora de alcance, e não porque sejam imaginários; ao
contrário, porque eu os estou traçando. Terminadas as grandes ou as
pequenas guerras. Terminadas as viagens, sempre a reboque de algo. Não
tenho mais qualquer segredo, por ter perdido o rosto, forma e matéria. Não
sou mais do que uma linha. Tornei-me capaz de amar, não de um amor
universal abstrato, mas aquele que escolherei, e que me escolherá, às cegas,
meu duplo, que não tem mais eu do que eu. Salvamo-nos por amor e para o
amor, abandonando o amor e o eu. Não somos mais do que uma linha
abstrata, como uma flecha que atravessa o vazio. Desterritorialização
absoluta. Tornamo-nos como todo mundo, mas de uma maneira pela qual
ninguém pode se tornar como todo mundo. Pintamos o mundo sobre nós
mesmos, e não a nós mesmos sobre o mundo. Não se deve dizer que o
gênio é um homem extraordinário, nem que todo mundo tem genialidade. O
gênio é aquele que sabe fazer de todo-mundo um devir (talvez Ulisses, a
ambição fracassada de Joyce, parcialmente bem-sucedida em Pound).
Entramos em devires-animais, devires-moleculares, enfim em devires imperceptíveis.
(...)
G. Deleuze e F. Guattari in Mil platôs, vol 3
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