sábado, 19 de agosto de 2017

SEM PROPRIETÁRIOS

A psiquiatria não é proprietária da Saúde Mental, a psicanálise não é proprietária do Inconsciente. Tais enunciados só são possíveis graças  à análise institucional, ou seja, adotando-se uma concepção teórico-prática que prioriza linhas institucionais inseridas em práticas sociais: um chute no cientificismo e no especialismo.  Ou melhor, as linhas institucionais são as próprias práticas, já que estão “presas” em nós de relações subjetivas. “Subjetivo” aqui não designa mais a pessoa, o eu, o individuo, a consciência, categorias marcadas com o selo de um humanismo crônico. Ao contrário, “subjetivo” passa a ser a forma de expressão social contextualizada na história da cultura, onde a psiquiatria e a psicanálise, entre outras instituições, se instalam e se produzem. Psiquiatria e psicanálise são subjetivas porque são formas sociais.
Assim, para a  psicopatologia, o Encontro com o paciente é um fio tênue onde ações terapêuticas se fazem, mesmo não se fazendo. É que é preciso experimentar e correr risco. Um paradoxo atravessa a clínica, já que esta também é uma instituição, ou seja, uma forma social. O trabalho da clínica da diferença está, pois, imerso numa auto-análise incessante de quem o faz, correndo o risco, sabe-se, de destruir, amordaçar, sabotar o desejo, quando pareceria promovê-lo. Isso não é fácil de lidar, mesmo que possa ser dito. Linhas fascistas nos constituem em estratos psíquicos nem sempre evidentes, mas poderosos em seus efeitos de sentido.
Num trabalho como o do Caps, onde situações clínicas gravíssimas são a própria tessitura do cotidiano, o apelo e o apego a modelos teóricos prontos (como é o caso da psicanálise) ou a aparelhos de neurocontrole de mentes (como é o caso da psiquiatria), fazem por funcionar uma maquinaria social a serviço da repressão do desejo. Para tentar evitar isso, a prática clínica torna-se inseparável da crítica e da micropolítica, esta última como um ato de resistência aos poderes instituídos naturalmente. Parece-nos que só desse modo o reducionismo psicanalítico (édipo respira sem aparelhos!) e o fascismo da psiquiatria (psiquiatras são, em geral, generais!) podem ser confrontados em seu próprio campo: o território do encontro-com-paciente. Quanto às demais instituições em jogo, psi ou não-psi, fica a discussão para outro texto.

A.M.


P.S. - texto revisado e ampliado.

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