quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

O MONÓLOGO DA PSIQUIATRIA BIOLÓGICA

No exame do paciente, a psiquiatria biológica chama de sintomas positivos aqueles sintomas  expressos claramente. Ex.: diz o paciente: "eu sou o apocalipse". Por outro lado, sintomas negativos são os que não são expressos. O paciente se mostra negativista, mudo, olhar vago, não coopera, enfim. Ora, tal raciocínio é uma das maiores vergonhas da semiologia clínica em psicopatologia. Primeiro, porque não existe o não expresso. A  não expressão é uma expressão, assim como não existe o não afeto. O não afeto é um afeto. Segundo, porque a linguagem não é apenas verbal, podendo ser não-verbal, corporal, dramática, enfim, a-significante. Terceiro, porque baseada na não cooperação do paciente ("ele não se comunica") a psiquiatria justifica o uso indiscriminado de psicofármacos aparentemente para fazê-lo se comunicar. Ou seja, não tem diagnóstico, mas o paciente tem que falar, tem que dizer algo, tem que responder à interpelação psiquiátrica. Quarto, porque os modos de subjetivação não obedecem a uma lógica da consciência ou da racionalidade. Sendo assim, eles podem passar ao largo do olhar psiquiátrico. Ou até ameaçar o saber/poder psiquiátrico.Quinto, porque o exame tende a ser um fracasso da percepção médica em termos da realidade subjetiva, já que o paciente se apresenta como máquina que não funciona, mecanismo inerte, travado, entupido, quando sabemos que tudo está funcionando, talvez não do modo como a psiquiatria gostaria. Sexto, curiosamente, mas sem uma neuro-explicação, os psicofármacos costumam ser mais "eficientes" nos casos de sintomas positivos, enquanto que quanto aos sintomas negativos nada muda, nada melhora, exceto o rechaço cada vez maior à figura do psiquiatra remedeiro.

A.M.


P.S. - Texto ampliado e republicado.

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