domingo, 21 de janeiro de 2018

O ESPÍRITO DO ESTADO

(...) Desejo do Estado, a mais fantástica máquina de repressão é ainda desejo, sujeito que deseja e objeto de desejo. Desejo — é esta a operação que consiste sempre em reinsuflar o Urstaat original no novo estado de coisas, em torná-lo tanto quanto possível imanente ao novo sistema, interior a este. E, quanto ao resto, partir novamente de zero: fundar aí um império espiritual sob formas tais que o Estado já não possa funcionar como tal no sistema físico. Quando os cristãos se apoderaram do império, reapareceu esta dualidade complementar entre aqueles que queriam reconstruir o Urstaat tanto quanto possível com os elementos que eles encontravam na imanência do mundo objetivo romano, e aqueles outros, os puros, que queriam partir novamente para o deserto, recomeçar uma nova aliança, reencontrar a inspiração egípcia e Síria de um Urstaat transcendente. Quão estranhas eram as máquinas que então surgiram sobre as colunas e nos troncos das árvores! Neste sentido, o cristianismo soube desenvolver todo um jogo de máquinas paranoicas e celibatárias, toda uma leva de paranoicos e perversos que, também eles, fazem parte do horizonte da nossa história e povoam nosso calendário.São os dois aspectos de um devir do Estado. sua interiorização num campo de forças sociais cada vez mais descodificadas, formando um sistema físico; e sua espiritualização num campo supraterrestre cada vez mais sobrecodificante, formando um sistema metafísico. É ao mesmo tempo que a dívida infinita deve interiorizar-se e espiritualizar-se; aproxima-se a hora da má consciência, esta será também a hora do maior cinismo, “essa crueldade recolhida do animal-homem recalcado em sua vida interior, refugiando-se, temeroso, na sua individualidade; aprisionado no Estado para ser domesticado...”
(...)

G. Deleuze e F. Guattari in O anti-édipo

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