O ESPÍRITO DO ESTADO
(...) Desejo
do Estado, a mais fantástica máquina de repressão é ainda desejo,
sujeito que deseja e objeto de desejo. Desejo — é esta a operação
que consiste sempre em reinsuflar o Urstaat original no novo estado
de coisas, em torná-lo tanto quanto possível imanente ao novo
sistema, interior a este. E, quanto ao resto, partir novamente
de zero: fundar aí um império espiritual sob formas tais que o Estado
já não possa funcionar como tal no sistema físico. Quando
os cristãos se apoderaram do império, reapareceu esta dualidade
complementar entre aqueles que queriam reconstruir o Urstaat
tanto quanto possível com os elementos que eles encontravam na
imanência do mundo objetivo romano, e aqueles outros, os puros,
que queriam partir novamente para o deserto, recomeçar uma nova
aliança, reencontrar a inspiração egípcia e Síria de um
Urstaat transcendente. Quão estranhas eram as máquinas que então
surgiram sobre as colunas e nos troncos das árvores! Neste
sentido, o cristianismo soube desenvolver todo um jogo de máquinas
paranoicas e celibatárias, toda uma leva de paranoicos e perversos
que, também eles, fazem parte do horizonte da nossa história e povoam nosso calendário.São os dois aspectos de um devir do Estado. sua interiorização num campo de forças sociais cada
vez mais descodificadas, formando um sistema físico; e sua espiritualização
num campo supraterrestre cada vez mais sobrecodificante, formando um sistema metafísico. É ao mesmo tempo que a
dívida infinita deve interiorizar-se e espiritualizar-se; aproxima-se
a hora da má consciência, esta será também a hora do maior cinismo,
“essa crueldade recolhida do animal-homem recalcado em
sua vida interior, refugiando-se, temeroso, na sua individualidade;
aprisionado no Estado para ser domesticado...”
(...)
G. Deleuze e F. Guattari in O anti-édipo
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