quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

UMA ESQUERDA AMERICANA?

(...)
Pode não ser em 2020, nem tampouco em 2024, mas é cada vez mais crível a ideia de que, mais tempo menos tempo, os EUA terão um(a) socialista sentado na Casa Branca. Para uma tradição política que, ainda no ciclo eleitoral de 2014, se encontrava completamente submersa, há que se convir que se trata de uma virada drástica, imprevista e, no mínimo, intelectualmente interessante.

Gabriel Trigueiro, Época, 27/02/2019, 14: 48 hs

(Doutor em História pela UFRJ)

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

namoro

de encontro ao vento
ando lento pra sentir seus dedos finos
e seu corpo sem matéria

eleva-me do chão alguns centímetros


Líria Porto

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

STEVIE WONDER - Ribbon in The Sky

O ESTADO MANDA

O Ministério da Educação (MEC), comandando por Ricardo Vélez Rodríguez, enviou para todas as escolas públicas e privadas do país um e-mail pedindo para que, no primeiro dia de aula, "professores, alunos e demais funcionários da escola fiquem perfilados diante da bandeira do Brasil, se houver na unidade de ensino, e que seja executado o Hino Nacional". Além disso, o texto pedia para que fosse lida uma carta de Vélez que dizia o seguinte: "Brasileiros! Vamos saudar o Brasil dos novos tempos e celebrar a educação responsável e de qualidade a ser desenvolvida na nossa escola pelos professores, em benefício de você, alunos, que constituem a nova geração. Brasil acima de tudo. Deus acima de todos!". A palavra de ordem no final da carta foi utilizada ao longo da campanha do presidente Jair Bolsonaro — já seu Governo adotou como slogan "Pátria Amada Brasil".
O e-mail e a carta foram primeiramente divulgados pelo jornal O Estado de S. Paulo, mas o MEC confirmou seu conteúdo ao EL PAÍS. Disse ainda que se tratava "um pedido de cumprimento voluntário" que faz parte "da política de incentivo à valorização dos símbolos nacionais". A mensagem ainda solicitava "que um representante da escola filme (pode ser com celular) trechos curtos da leitura da carta e da execução do Hino Nacional. E que, em seguida, envie o arquivo de vídeo (em tamanho menor do que 25 MB) com os dados da escola". As imagens deveriam ser enviadas para os correios eletrônicos da assessoria de imprensa do próprio MEC e da Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República.
(...)

Pelipe Betim, El País, São Paulo, 25/02/2019, 21:39 hs

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Vocês sabem o que significa encontrar-se diante de um louco? Encontrar-se diante de alguém que sacode dos alicerces tudo o que vocês construíram dentro de si, em torno de si, a lógica, a lógica de todas as suas construções!

Luigi Pirandello

PSIQUIATRIA BIOLÓGICA


domingo, 24 de fevereiro de 2019

DESERÇÃO

Dois militares da Guarda Nacional Bolivariana desertaram pela fronteira da Venezuela com o Brasil. São dois sargentos, que chegaram na noite de sábado e estão alojados no abrigo para refugiados de Pacaraima, disse o coronel do Exército brasileiro Georges Feres Kanaan neste domingo (24). Os dois sargentos são os primeiros militares venezuelanos a desertar do regime de Nicolás Maduro pela fronteira brasileira. No sábado, mais de 60 abandonaram o próprio país para a Colômbia, em uma dia de confrontos entre apoiadores do presidente venezuelano e opositores que deixou ao menos 3 mortos e centenas de feridos.
(...)

Emily Costa,lan Chaves, Vladimir Netto, G1 Roraima TV Globo, Paracaíma,24/02/2019, atualizado há 25 min.
História

Tenho 39 anos.
Meus dentes têm cerca de 7 anos a menos.
Meus seios têm cerca de 12 anos a menos.
Bem mais recentes são meus cabelos
e minhas unhas.
Pela manhã como um pão.
Ele tem uma história de 2 dias.
Ao sair do meu apartamento,
que tem cerca de 40 anos,
vestindo uma calça jeans de 4 anos
e uma camiseta de não mais do que 3,
troco com meu vizinho
palavras
de cerca de 800 anos
e piso sem querer numa poça
com 2 horas de história
desfazendo
uma imagem
que viveu
alguns segundos.


Ana Martins Marques

AULA DE GILLES DELEUZE - Vincennes, 03/06/1980

DESMONTE PRECOCE

A crise gerada pelas denúncias de que aliados de Jair Bolsonaro teriam utilizado recursos públicos na campanha de candidatos de fachada, somada às suspeitas de cobrança de "pedágio" a funcionários no gabinete do filho do presidente, Flávio Bolsonaro, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro ganharam mais força nos últimos dias com a divulgação de novos depoimentos e mensagens de envolvidos nos casos. Um assessor de Flávio admitiu em depoimento ao Ministério Público que transferia dois terços do salário a Queiroz todos os meses. Também foram divulgadas mensagens nas quais um assessor do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, cobrava a devolução de verbas a uma candidata que recebeu fundos partidários às vésperas da eleição. Além disso, duas candidatas do PSL teriam recebido expressivos repasses para produzir milhões de panfletos pouco antes do pleito. As novas descobertas, que começam a fechar o cerco ao PSL na crise das candidaturas laranjas, trazem mais complicações ao presidente, que nas últimas semanas vem tentando se descolar de uma série de escândalos envolvendo seus correligionários
(...)

Beatriz Jucá, El País, São Paulo, 23/02/2019, 22:35 hs


O dinheiro não dá a felicidade, mas tem uma sensação tão parecida, que é preciso um especialista para verificar a diferença.


Woody Allen

sábado, 23 de fevereiro de 2019

AUGUST MACKE


HORROR À LOUCURA

O instrumento clínico da psiquiatria é a psicopatologia. Ou, pelo menos, deveria sê-lo. Sem psicopatologia a intervenção sobre o paciente resume-se a julgar e controlar o seu comportamento. Por vezes reproduz uma ação policial. Em termos técnicos, a legitimação científica de tal violência conta com o uso de psicofármacos injetáveis. Seda o paciente e alivia o incômodo do técnico ao estilo magarefe. Trata-se  da psiquiatria do século XIX, atualizada com o nome de "biológica", cujo modelo opera explícito em manicômios, hospitais gerais e samus. Em contrapartida, os centros de atenção psicossocial (Caps) nasceram em 1986 com o objetivo, entre outros, de quebrar a razão dessa prática. Conseguiram?

A.M.
Glória morta

Tanto rumor de falsa glória, 
Só o silêncio é musical,
Só o silêncio,
A grave solidão individual,
O exílio de si mesmo,
O sonho que não está em parte alguma.

De tão lúcido, sinto-me irreal.



Dante Milano
SINTA-SE MELHOR QUE ELE

Deixe a xícara de café sobre a mesa da sala. É domingo, são duas da tarde. Recorde que aos domingos às duas da tarde vocês costumavam fazer outras coisas: acordar de ressaca, ler na cama, tocar-se. Agora estão falando há duas horas e ele já disse frases como “temos que ter um projeto juntos”, e depois de cada uma dessas frases você sentiu náuseas, a sensação de estar gritando dentro de um balde. Pense: “Ele fala como um livro de autoajuda”. Pense: “Cale a boca, você está arruinando tudo”. Pergunte-se onde está o homem com quem fazer sexo era, a cada vez, como descobrir o fogo. O homem com quem não era preciso “ter um plano”, porque ele era o plano, e que agora diz palavras como “casal”, “reavivar”. Sinta que, com cada uma dessas palavras, ele atira pedras sobre uma superfície de vidro. Veja como parece satisfeito, sorri melifluamente, estica a mão, quer tocar a sua. Retraia-se com um gesto que pareça casual, mas não permita que a toque. Pense em todas as amigas e amigos que lhe contaram suas próprias “conversas de casal”, suas próprias “crises”, e em todas as vezes que você lhes disse: “Não se preocupe, com certeza vai se arranjar”, enquanto pensava: “Já terminou, só que você ainda não sabe”. Pergunte-se: “Onde está o homem que era meu herói”. Sinta-se selvagem e maléfica. Sinta-se melhor do que ele. Pense que esta conversa os empurrou até a última fímbria que separava a terra do abismo. Olhe como ele tem o rosto cheio de súplica. Sinta-se traída. Sinta desprezo e desejo de lhe fazer mal. De esquecê-lo neste mesmo momento. Escute como ele diz: “Estamos juntos nisto, não é, amor?”. Sinta que uma contagem regressiva acaba de começar dentro de você. Pense que você irá suportar essa agonia com perfídia e dignidade. Diga: “Sim, amor, claro”


Leila Guerriero, El País,12/02/2019, 21:00 hs

MILES DAVIS - Ascenseur pour l'échafaud

A IGREJA  CANALHA


VATICANO- O cardeal alemão Reinhard Marx reconheceu que a Igreja católica destruiu arquivos sobre os autores de abusos sexuais . A afirmação foi feita durante uma reunião histórica no Vaticano sobre a luta contra a pedofilia.

— Os arquivos que poderiam documentar estes atos terríveis e indicar o nome dos responsáveis foram destruídos ou inclusive não chegaram a ser criados— afirmou o presidente da Conferência Episcopal Alemã — O abuso sexual de crianças e jovens se deve, em uma parte não insignificante, ao abuso de poder da administração.
Participam da reunião chega de 114 presidentes de conferências episcopais de todo o mundo. Os
religiosos foram convocados a falar sobre o encobertamento dos casos de abuso por parte da Igreja.

— No lugar de castigar os culpados, as vítimas é que foram repreendidas e silenciadas — lamentou — Os procedimentos e trâmites fixados para perseguir esses delitos foram deliberadamente ignorados, e inclusive apagados e anulados. De fato, os direitos das vítimas foram pisoteados e deixados ao livre arbítrio de indivíduos.
(...)


O GLOBO, 23/09/2019, 23:57 hs
Respiro a única felicidade que sou capaz - uma consciência atenciosa e cordial. Cada ser que encontro, cada cheiro dessa rua, tudo é pretexto para amar sem medida. Jovens mulheres supervisionam uma colônia de férias, a trombeta do vendedor de sorvetes, as barracas de frutas, melancias vermelhas com caroços negros, uvas translúcidas e meladas - tantos apoios para quem não sabe ser só. Mas a flauta ácida e terna das cigarras, o perfume de águas e de estrelas que se encontram nas noites de setembro, os caminhos aromáticos entre as árvores de pistache e os juncos. tantos sinais de amor para quem é forçado a ser só.
(...)

Albert Camus

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

NDT II Jiri kylian 27'52"

garimpo

esta procura tem um nome insanidade
passei da idade de tentar fazer sonetos
eu só consigo descrever cinzas e pretos
acho que o verso não alcança claridade

pelas gavetas prateleiras escondidos
ainda agarro pelo rabo alguns cometas
quero as estrelas não encontro suas tetas
sinto a fissura dos pequenos desvalidos

a minha escrita sempre foi penosa esgrima
desde menina que não tenho paradeiro
eu caço sapo com bodoque o dia inteiro
nesta esperança de catar melhores rimas

vasculho as glebas os grotões e quem diria

bateio o sol chego a pensar que a noite é dia


Líria Porto
A TRAGÉDIA VENEZUELANA

Os preparativos na fronteira do Brasil para enviar ajuda humanitária à Venezuela estão avançando com o baixo perfil que tem caracterizado o envolvimento do Governo de Jair Bolsonaro na operação. O clima é bem diferente do existente em Cúcuta (Colômbia). Apesar da discrição das autoridades brasileiras, horas depois que o líder chavista Nicolás Maduro fechou, na quinta-feira, a única passagem fronteiriça entre os dois países, ali perto, do lado venezuelano, ocorreu o primeiro incidente violento relacionado à ajuda humanitária. Soldados venezuelanos abriram fogo contra compatriotas indígenas em Kumarakapay, a 80 quilômetros da passagem de Pacaraima. Dois civis morreram e pelo menos 12 ficaram feridos, confirmaram líderes indígenas à agência Reuters.

O incidente entre soldados venezuelanos e indígenas ocorreu no lado venezuelano da fronteira com o Brasil. O venezuelano Salomón Pérez, de 45 anos, chegou nesta sexta-feira ao hospital de Boa Vista na mesma ambulância em que transferiram seu irmão Alfredo, de 48 anos, ferido de bala. Dois de seus sobrinhos, de vinte e poucos anos, também são admitidos junto com seis outros indígenas Pemón-Taurepan. O incidente ocorreu no início da manhã em sua comunidade, Kumarakapay, a cerca de 80 km da fronteira. "O Exército, a Guarda Nacional, chegou para proteger a fronteira. Os indígenas saíram na estrada para conversar com o general e começaram a atirar ", explica este membro da comunidade indígena. Os feridos conseguiram atravessar a fronteira de ambulância, embora a Venezuela tenha decretado o fechamento na quinta-feira.

O Governo de Bolsonaro está armazenando alimentos e remédios em uma base aérea de Boa Vista, capital de Roraima, um dos Estados mais pobres do país. Lá aterrissou nesta sexta-feira um avião de carga C-767 da Força Aérea Brasileira carregado de arroz, açúcar e leite em pó doados pela Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (Usaid, na sigla em inglês), informou ali mesmo seu representante no Brasil, Michael Eddy. O carregamento também incluía várias caixas de medicamentos entregues pelo Governo do Brasil. Segundo o representante norte-americano, até este sábado devem chegar a Boa Vista 178 toneladas de ajuda humanitária. O Governo não detalhou qual será sua contribuição total. Também é uma incógnita quando e por quem os suprimentos serão transportados para o território venezuelano.
(...)

Naiara Galarraga Cortázar, El País, Boa Vista, 22/02/2019, 17:30 hs


VICTOR BAUER


Só serei verdadeiramente livre quando todos os seres humanos que me cercam, homens e mulheres, forem igualmente livres, de modo que quanto mais numerosos forem os homens livres que me rodeiam e quanto mais profunda e maior for a sua liberdade, tanto mais vasta, mais profunda e maior será a minha liberdade.
(...)

M. Bakunin
Açucareiro

De amargo
basta
o amor

Agridoce,
ela disse

Mas a mim
pareceu
amargo

Ana Martins Marques

NOVA APOSENTADORIA


PERGUNTAR  NÃO  OFENDE 

Pergunta - Qual o objeto da psiquiatria?

Resposta - O objeto da psiquiatria é a mente.

P- E o que é a mente?

R- A mente é um construto teórico envolvendo múltiplos saberes. Por esse motivo não há um consenso sobre "o que é a mente". Importa compreender que ela não é uma "coisa", não sendo possível visualizá-la, medi-la, etc. Ninguém nunca "viu" a mente de alguém. Para fins de pesquisa e intervenção prática (clínica), ela é um conjunto de processos subjetivos diretamente lincados com o ambiente social. Dito de outro modo, não existe a mente e depois o "social" e sim a dimensão social como constitutiva da mente. Se se pode falar de "essência", a mente é essencialmente composta de mil tipos de relações (sociais, familiares, humanas, institucionais, cósmicas, etc), todas incidindo no que se chama subjetividade. A subjetividade, portanto, vem de fora, vem do mundo.

P- E como a psiquiatria pesquisa e intervém sobre a mente?

R- Infelizmente, a psiquiatria oficial, biológica, acadêmica, manicomial, não pesquisa a mente. Não produz conhecimento. Quanto à intervenção prática, ela o faz sobre o cérebro e o comportamento social.  O primeiro, ela acredita fazer funcionar melhor. O segundo, ela acredita controlar.

P- Não entendi. Então, o objeto "dessa" psiquiatria não é a mente?

R- Não, não é.



A.M.



P.S. - texto revisado e republicado.
COISAS DO BRASIL
(...)
O nosso país segue como um paraíso de torturadores e genocidas. Por exemplo, o Supremo Tribunal Federal, desde 2010, não decide como integrará a sua decisão a favor da constitucionalidade da Lei de Anistia (na ADPF 153) com as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos adotadas em 2010 e 2018 que declararam essa lei inválida, à luz da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Corte determinou que o Brasil avançasse na promoção da responsabilização e, embora o Ministério Público Federal tenha realizado centenas de investigações e apresentado dezenas de ações penais, o Judiciário permanece inerte. Apega-se ao ordenamento jurídico da ditadura e rejeita uma interpretação que faça prevalecer normas internacionais de direitos humanos consolidadas desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Isso mesmo – o sistema de justiça brasileiro parece estar, ainda, numa fase pré-Tribunal de Nüremberg.
(...)

Marlon Alberto Wiechert, El País, 21/02/2019, 22:27 hs

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Santana - Smooth ft. Rob Thomas

As coisas

As coisas não têm culpa.
São apenas testemunhas
de nossas comédias.

As coisas não abraçam causas.
É inútil acusá-las
de qualquer inclinação,
lealdade ou felonia.

Substantivos neutros,
são apenas coisas:
este botão descosturado de tua blusa
este chinelo ao pé da cama
um folha de papel em branco 
- e nenhum drama.

As coisas não guardam segredos
nem remorsos.
Assistem caladas
e resistem
vestidas de cal e silêncio.

As coisas não têm quereres
nem poderes.

Mas, desassombradas, 
exibem sempre
o semblante estoico da pedra.

Nisso as coisas são todas iguais

— todas indiferentes. 

Carlos Machado

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

PUTIN E OS MÍSSEIS CONTRA OS EUA


Vladimir Putin quer recuperar a confiança dos russos. Ciente de que sua popularidade está em queda livre pela situação econômica e as reformas sociais impopulares, o presidente da Rússia fez nesta quarta-feira novas ameaças militares contra os Estados Unidos e anunciou um pacote de medidas econômicas destinadas a melhorar a vida das famílias. Distante do discurso focado apenas no belicismo dos últimos anos, Putin tratou de apresentar medidas sociais em seu discurso anual sobre o estado da nação. Mas no trecho final lançou uma ameaça clara e contundente à OTAN e aos Estados Unidos: se após o abandono do tratado de desarmamento nuclear Washington colocar seus mísseis na Europa, a Rússia também posicionará e apontará seus mísseis, e não só para a UE, também para os EUA. "Estamos prontos para entrar em negociações sobre o desarmamento, mas não vamos bater em uma porta fechada", disse o presidente russo aos membros da Assembleia Federal.
No primeiro discurso para todo o país após a retirada dos EUA do tratado de desarmamento nuclear de mísseis de médio alcance, conhecido como INF, o presidente russo disse que a Rússia não tem a intenção de agir primeiro, mas não hesitará em responder. Putin anunciou com orgulho que as últimas armas nucleares prometidas – novos mísseis hipersônicos e um submarino nuclear – estarão prontas em breve. E acusou Washington de mentir e usar desculpas para abandonar o INF, que proíbe o desenvolvimento e a colocação de mísseis terrestres com um alcance de 500-5500 km. Além disso, o líder russo disse que os EUA estão há anos descumprindo esse pacto bilateral crucial que data da Guerra Fria, e que após a saída dos EUA a Rússia também abandonou. A Casa Branca afirma que foi a Rússia que violou o tratado em numerosas ocasiões nos últimos anos.
(...)

Maria R. Sahuaquillo, El País,Moscou.20/02/2019, 15:07 hs

A BALADA DE BUSTER SCRUGGS Trailer Português LEGENDADO (Netflix, 2018) J...

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

CONTRA O BIOLOGISMO

Nem todas as ideias erradas são dignas de se contestar. Existem algumas, porém, que não podem ser ignoradas. Aquelas que interpretam erroneamente questões de suprema importância, ou atrapalham nosso pensamento sobre elas, ou têm sérias consequências, devem ser discutidas.

Uma dessas ideias é a de que os seres humanos são essencialmente animais; ou no mínimo muito mais animalescos do que havíamos pensado. Ela leva a alegações de que somos apenas macacos inteligentes, de que nossas mentes não passam de sinais elétricos no cérebro.

Existem inúmeras manifestações desse "biologismo". Ele é explicado em milhares de livros e artigos sobre a chamada neuroestética, teoria dos memes, neurodireito e em abordagens neuroevolucionistas da política e da economia. Seus defensores afirmam, por exemplo, que somos capazes de compreender melhor a arte visual rastreando o cérebro para estudar sua reação, ou que a criminalidade é melhor explicada por um desequilíbrio entre os lobos frontais e o corpo amigdaloide.

Passei mais de 30 anos argumentando contra o biologismo, e recentemente escrevi "Aping Mankind: Neuromania, Darwinitis and the Misrepresentation of Humanity" ['Macacando' a humanidade: Neuromania, darwinite e a representação errônea da humanidade]. A principal suposição que sustenta o biologismo é que os seres humanos são essencialmente organismos, em vez de pessoas. Para realmente compreendê-los, diz a teoria, é preciso admitir que eles não são agentes conscientes, mas pedaços de matéria viva sujeitos às leis da biosfera.

O biologismo tem duas correntes, que eu chamo de neuromania e darwinite. A neuromania se baseia na crença de que a consciência humana é idêntica à atividade cerebral. Existem, é claro, correlações entre a atividade cerebral e aspectos da consciência. Estas podem ser demonstradas observando-se que partes do cérebro se "acendem" quando os sujeitos relatam determinadas experiências. No entanto, isso não quer dizer que a atividade neural é uma causa suficiente desses aspectos da consciência: que, por exemplo, os eventos vistos no córtex orbitofrontal quando vemos um objeto bonito sejam toda a causa de nossa experiência da beleza, e ainda menos que eles sejam nossa experiência da beleza.

Na verdade, não há uma explicação neural concebível de muitos aspectos da consciência humana. Um registro de impulsos neurais não pode explicar a simultaneidade e multiplicidade de um momento. Estou consciente, por exemplo, da tela do computador à minha frente, das letras que se espalham por ela, da luz do sol lá fora e de pássaros cantando. Essas coisas são experimentadas separadamente, e no entanto como pertencentes a um único momento presente. Este muitos-em-um é uma noz muito mais dura de quebrar do que o mistério da Trindade.

Mais importante ainda, a atividade neural não oferece explicação sobre a fonte da "referencialidade": a qualidade essencial da consciência, que significa que minhas percepções, crenças e esperanças se referem a algo diferente de impulsos neurais. A referencialidade dos conteúdos da consciência - que os filósofos tradicionalmente chamam de "intencionalidade" - é plenamente desenvolvida nos seres humanos, que são conscientes de si mesmos como separados de seus mundos de objetos, signos e conceitos. E a intencionalidade é a origem última da esfera humana: a comunidade de mentes, tecida por um trilhão de apertos de mão cognitivos ou atenção compartilhada, dentro da qual nossa liberdade opera e nossas vidas narradas são conduzidas.

O outro pilar do biologismo - a darwinite - também decorre do erro de identificar a mente com o cérebro. Se o cérebro é um órgão que evoluiu para otimizar as probabilidades de sobrevivência, segundo essa teoria, a mente também é. A darwinite, consequentemente, confunde a evolução biológica da espécie com o desenvolvimento de nossa cultura. A teoria da evolução descreve os processos da seleção natural que sem dúvida deram origem ao Homo sapiens. Mas é errado concluir que se aceitarmos essa teoria também teremos de procurar uma explicação evolucionista da gênese e da forma da cultura humana.

Mas a darwinite é ainda mais vulnerável a ataques que a neuromania. Veja a diferença entre uma hora de vida animal e uma hora de vida humana. Admito que apreciar a diferença é mais difícil quando falamos em linguagem que animaliza o comportamento humano e humaniza o comportamento animal. Daisy, a vaca, bate em um arame elétrico e a partir de então o evita. Eu decido que quero melhorar minhas chances na vida, então me matriculo em um curso que começa no ano que vem e contrato uma babá para que eu tenha mais tempo para estudar. Tanto Daisy como eu podemos ser descritos como praticantes do "comportamento aprendido", mas isso oculta diferenças profundas. Estas incluem meu complexo sentido de tempo e o fato de que estou lidando com estruturas e hábitos abstratos. Nós conduzimos nossas vidas, regulando-as por narrativas compartilhadas e individuais, enquanto os animais meramente as vivem.

Muitas pessoas acreditam que o biologismo decorre inevitavelmente da teoria evolucionista. As pessoas muitas vezes pensam que sou um criacionista ou um prosélito de alguma religião. Para constar, sou um ateu humanista, um médico e neurocientista para quem a ciência é nosso maior monumento intelectual. Sou um agnóstico ontológico, não um dualista cartesiano. Só porque eu nego a identidade da mente com a atividade cerebral, não significa que eu considere a mente como um fantasma no maquinário do cérebro.
(...)
Raymmond Tallis
fluidos

tornei-me assim liquefeita
quando daquela feita
despi-me de nãos e sins

de mim então me perdi
nessa vontade inconclusa
acumulada no rim

ficou a mágoa comigo
fincada dentro do umbigo
quase criava raiz

minha tristeza de chuva
esta amargura profusa 
tem olhos túmidos

sou tal e qual o dilúvio
derramo transbordo enxurro
sangro os pulsos


Líria Porto
devir-lua

Não, meu bem, não adianta bancar o distante: lá vem o amor nos dilacerar de novo...

Caio Fernando Abreu
SOBREVIDA

Começam a se perguntar no exterior quem manda no Brasil e quanto durará o presidente Bolsonaro. A resposta poderia ser: governam muitos e ninguém. É que o capitão reformado Jair Bolsonaro, de extrema direita, eleito com 57 milhões de votos, praticamente ainda não começou a governar. Há quem governe por ele ou contra ele. Quanto isso durará é algo que saberemos logo. Decidirá o Congresso, aprovando ou descartando suas grandes reforma, da Previdenciária à da luta contra a violência. Se naufragarem, o Governo acaba. E o Brasil vai à bancarrota. Se bem sucedido, o Governo segue o seu destino pelos próximos quatro anos.
(...(

Juan Arias, El país, 22/02/2019, 20:20 hs

domingo, 17 de fevereiro de 2019

GÊNESE

Todo o poema começa de manhã, com o sol. Mesmo
que o poema não esteja à vista (isto é céu de chuva)
o poema é o que explica tudo, o que dá luz
à terra, ao céu, e com nuvens à mistura – a luz incomoda
quando é excessiva. Depois, o poema sobe
com as névoas que o dia arrasta; mete-se pelas copas das
árvores, canta com os pássaros e corre com os ribeiros
que vêm não se sabe de onde e vão para onde
não se sabe. O poema conta como tudo é feito:
menos ele próprio, que começa por uma acaso cinzento,
como esta manhã, e acaba, também por acaso.
com o sol a querer romper.


Nuno Júdice
AGONIA DE UMA REVOLUÇÃO

Muitos estrangeiros compraram propriedades em nome de cubanos nos últimos anos em Havana porque ainda não é permitido que façam isso por conta própria. Os preços se multiplicaram. No bairro de Vedado, abundam as mansões e departamentos em restauração. Na zona de Miramar, existem pubs onde os únicos negros que há dentro são os seguranças: tipos grandes e musculosos como os que guardam as discotecas nova-iorquinas ou parisienses. Meses atrás fui a um desses − o Mio & Tuyo − e, quando quis chegar à área onde estavam as mulheres mais admiráveis, um desses porteiros me deteve pondo seu braço em meu ombro: “Daqui para lá é VIP”, disse-me. “Para passar, você precisa comprar uma garrafa de uísque Chivas Regal ou ser sócio do clube”, acrescentou. E eu pensei: terminou a revolução.
(...)

Patricio Fernández, El País, 16/02/2019, 21:00 hs

IRENE SHERI


A IMAGEM SOBERANA

Impossível negar: a nível planetário, uma tecnologia da imagem veio para ficar. Ela compõe talvez a face mais concreta das "conquistas"da modernidade. Tudo é imagem. Um universo imagético torna-se a própria subjetividade. Não a entidade-do-eu, não a consciência, não a  racionalidade, mas o processo da subjetivação veloz e incessante que nos afeta e nos constitui. O real é cada dia mais artificial. A sensação subjetiva ("eu existo, eu penso") e a correlata certeza de quem sou, são hoje sustentadas pela realidade da imagem, pela verdade da imagem, pela concretude da abstração, enfim. Tal verdade, sem que eu perceba, passa a ser a minha verdade, mesmo a mais íntima. Devastação do pensamento e até do inconsciente representativo (freudiano). Caminhamos para o fim da divisão mundo interno-mundo externo.Nesse ponto, a referência à esquizofrenia é inevitável: há um estilhaçamento da subjetividade na esteira de uma profunda erosão do sentido. Aniquilamento da linguagem verbal, dissolução de crenças e valores, convite ao fascismo (via apologia aos arcaísmos) e demonização da mídia (via ideação paranóica) mesmo nas ditas esquerdas. Em que ou em quem acreditar? Um gigantesco buraco ontológico compõe o reino encantado das imagens verídicas: telefone fixo, internet, rede social, celular, zap, televisão, cinema, vídeo, videogame, fotografia, etc, tanto faz. Imagens, imagens, tão só imagens devoram tudo, arrastam tudo,  designam tudo, significam tudo, inclusive eu aqui escrevendo e você lendo o artigo agora. No entanto, tal estado de coisas não é um mal em si. Pois, se somos dominados "por dentro" no mais fundo da interioridade psíquica, algo se anuncia naquilo que Nietzsche chama "a transvaloração dos valores". A alma em revolta pela criação de uma nova terra.

A.M.


Obs. texto revisado e republicado.
A ERA DA INCERTEZA

Sensação de fim de uma era. Essa foi a vibração emitida este ano pela Conferência de Segurança de Munique, que acaba neste domingo em um clima de tensão internacional. Com o fracasso do tratado de armas nucleares de alcance intermediário (INF), vigente desde a Guerra Fria, os desencontros transatlânticos, a crescente assertividade russa e chinesa, as crises de Venezuela, Síria, Irã e o Brexit, a incerteza dispara. Mas acima de tudo vem a sensação de que os consensos e equilíbrios travados com cuidado durante décadas se desfazem como cubos de açúcar. Que nos aproximamos de uma nova era política na qual as potências rivalizam por uma nova acomodação em um tabuleiro geopolítico a ser definido.
Foi o que disse a primeira-ministra alemã Angela Merkel, e o que repetiram em infinitas variantes governantes e especialistas. “Vemos que a arquitetura que define o mundo como o conhecemos é um quebra-cabeças que se desmontou em pequenos pedaços”, interpretou Merkel em um discurso muito ovacionado e no qual fez uma inflamada defesa do multilateralismo, conscientemente alheia às diretrizes globais que caminham em direção contrária. “As estruturas com as quais trabalhamos são fruto dos horrores da Segunda Guerra Mundial e agora estão sob uma intensa pressão, porque os desafios atuais nos exigem que as reformemos”, afirmou neste sábado a chanceler na capital bávara.
(...)

Ana Carbajosa, El País, Munique, 17/02/2019,11:53 hs

JOÃO BOSCO - Passos De Amador (Fools Rush )

Encontro de almas

Vem,
Conversemos através da alma.
Revelemos o que é secreto aos olhos e ouvidos.

Sem exibir os dentes,
Sorri comigo, como um botão de rosa.
Entendamo-nos pelos pensamentos,
Sem língua, sem lábios.

Sem abrir a boca,
Contemo-nos todos os segredos do mundo,
Como faria o intelecto divino.

Fujamos dos incrédulos
Que só são capazes de entender
Se escutam palavras e vêem rostos.

Ninguém fala para si mesmo em voz alta.
Já que todos somos um,
Falemos desse outro modo.

Como podes dizer à tua mão: “toca”,
Se todas as mãos são uma?
Vem, conversemos assim.

Os pés e as mãos conhecem o desejo da alma.
Fechemos pois a boca e conversemos através da alma.
Só a alma conhece destino de tudo, passo a passo.

Vem, se te interessas, posso mostrar-te


Jalâl ad-Din Rûmî, 

(tradução José Jorge de Carvalho)
O ARREPENDIMENTO

Diante da crise política em que virou protagonista, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, fez um desabafo para interlocutores próximos e demonstrou profundo arrependimento em ter trabalhado ativamente pela eleição do presidente Jair Bolsonaro.

"Preciso pedir desculpas ao Brasil por ter viabilizado a candidatura de Bolsonaro. Nunca imaginei que ele seria um presidente tão fraco", disse Bebianno para um aliado, numa referência à influência dos filhos do presidente no rumos do governo, especialmente o vereador Carlos Bolsonaro.

Nessas mesmas conversas, Bebianno demonstra preocupação com o efeito desse protagonismo familiar nas decisões do país. E reconhece que o governo Bolsonaro precisa descer do palanque para administrar o Executivo.

Para aliados de Bebianno, também causou contrariedade o movimento da família Bolsonaro para sacramentar a saída do ministro do governo. No momento em que vários aliados trabalhavam na sexta-feira (15) para baixar a temperatura, contornar a crise e manter Bebianno, integrantes da família do presidente vazaram para a imprensa que o pai havia demitido o ministro, para tornar a queda um fato consumado, sem chance de mudança no fim de semana.


Gerson Camaroti , O Globo, 17/02/2019, atualizado há 1 h

ONTEM O FUTURO AGORA

A disciplina do amor

Por que não lhe disse antes?
Apertá-lo demoradamente contra o meu peito e dizer: não disse porque pensava que tinha pela frente a eternidade. Só me resta agora esperar que aconteça outra vez, vislumbro esse encontro - mas vou reconhecê-lo? E vou me reconhecer nos farrapos da memória do meu eu?
Peço que me faça um sinal e responderei ao código secreto na mente e no silêncio dos navios que se comunicam quando cruzam no mar.
(...)

Lygia Fagundes Telles

sábado, 16 de fevereiro de 2019

BRUNO GANZ nas "Asas do desejo"

Argumento

Mas se todos fazem



Francisco Alvim
O QUE VIRÁ?

Não estamos nem na metade dos cem dias de graça concedidos aos governantes em início de mandato, e o presidente Jair Bolsonaro já está no centro de uma polêmica interna com seu partido, o PSL, e seus filhos, a qual poderia acabar por devorá-lo. Há até quem pense que estamos no princípio de um fim dramático.
Tudo porque o presidente começa a sentir na pele que uma coisa são os arroubos, promessas e receitas milagrosas de uma campanha eleitoral que prometia enterrar a velha política da corrupção e seus compadrios, e outra é a realidade dura e crua da situação brasileira.
(...)

Juan Arias, El País, 14/02/2019, 18:04  hs

Awaken - Damien Escobar | Live Performance (I. Am. Me. Tour)

ALGUÉM AÍ? 


A psicose e a neurose grave são indicações para o Caps. Mas, do que se trata?  Como entidades clínicas fixas não existem. Nem A psicose nem A neurose. Nada de essências. Tudo é processo existencial, portanto social. Caps significa "centro de atenção psicossocial", mesmo que o Ministério da Saúde tente extingui-lo. Ou talvez por isso. Impossível evitar o naufrágio do cuidado em saúde mental apoiando-se em transcendências (abstrações ocas) clínicas. Nada há além da prática. Mesmo a prática teórica. Os transtornos da CID-10 não são mais que entidades tecnoburocráticas fincadas no solo infértil da psiquiatria conservadora. No universo da diferença há mil, cem mil psicoses e neuroses a cada hora, em toda a parte. Acontece que o Caps costuma receber as psicoses e as neuroses de antemão biologizadas, encaixotadas em gravidade e rechaço. Eis o doente! Tal demanda traz o sobrepeso dos corpos desejantes da miséria social planejada como Destino. Sofrimento naturalizado, o mundo em fiapos semióticos, a dor invisível, a matéria bruta do psiquismo. Importante: psicoses e neuroses são variações clínicas do mesmo tom subjetivo das relações sociais. Elas expressam um sentido existencial. Isso é o que lhes preenche como errância e incapacidade subjetiva de produzir a si mesmo. Psicoses: delírio, alucinação, fim de mundo, apocalipse. Neuroses: angústia, vivência sem forma, sem foto, sem imagem, sem exame de laboratório, o ir não indo, o ser não sendo. No acolhimento, para tratar, avalie delírio e angústia como estilhaçamentos do sentido. Cada qual a seu modo. Em ambos, a natureza dos signos é a mesma, ou seja, o real-social non sense oculto na construção delirante e/ou angustiante. Alguém acode? Alguém cuida? Alguém responde? Alguém aí?


A.M.
Ouvir estrelas

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."


Olavo Bilac

O GOLPE DE 1964 - episódio 1

APOCALYPSE NOW


– ...segura a história aí que eu quero ouvir o fim, você espera um pouco? É que eu preciso muito ir no banheiro. Rapidão. Mas antes queria dizer o seguinte: Felipe, você está de parabéns. Chegamos aqui faz três horas e até agora você não falou nada sobre como a culpa na verdade é do capitalismo.

– Não tinha reparado, mano, é verdade.

– Feito histórico, hein?

– Valeu, valeu. Me superei.

– A gente tem que celebrar. Vou lá e já venho. Vocês pedem mais um baldinho?

– Pode deixar.

– ...

– Não tá nada fácil, hein, Felipe? Descendo o feed aqui, mano, Facebook, Instagram e tal, é só tragédia: Boechat, o incêndio do Flamengo, as enchentes, Brumadinho... Nunca vi um ano começar tão sinistro.

– Nem me fale. E olha que não deu nem seis meses do Museu Nacional.

– Nossa, tem essa ainda.

– Não quero nem ver. Fevereiro ainda.

– Como pode uma coisa dessas, né, cara? Parece que o mundo vai acabar.

– Total. Você viu aquele meme que disse que na verdade o mundo acabou em 2012, depois do apocalipse maia, e que tá todo mundo no inferno?

– Tipo isso mesmo.

– Mas, brincadeiras à parte, eu fico pensando muito nisso.

– No apocalipse maia?

– Apocalipse em geral. Tipo, em todo lugar que a gente olha, aparece o fim do mundo. Videogame. Hollywood.

– Noticiário.

– Ainda mais! Toda essa discussão a respeito de aquecimento global, mudanças climáticas, joga muito com essa ideia, né? O medo do fim do mundo. Meio inescapável.


– É mesmo. Estava falando com minha namorada, ela quer rever O dia depois de amanhã , que eu ainda não vi. Mas fica meio sem clima...

– Nenhum clima, mano. Agora parece documentário.

– Se passasse na TV, iam demorar pra se dar conta. E parece que o cara é especialista nesse tipo de filme. Dirigiu o Independence Day , o 2012 ... Você falou dos maias e eu lembrei dele na hora.

– Apocalypse Now. Slogan do Brasil em 2019.

– Já imaginou? Queria ver as vinhetas na Globo nessa brincadeira. O Cristo Redentor em chamas. Chuva de meteoros na Guanabara. Aqueles carros estilo Mad Max na Avenida Atlântica, com caixas de som gigantes.

– Tocando funk, é claro.

– Tom Jobim não combinaria mesmo.

– Mas, falando sério, eu estava lendo em algum lugar, ou ouvindo num podcast, sei lá, que é muito comum essa imagem do fim do mundo aparecer no encerramento de um ciclo, no fim de um momento histórico.

– Tipo o quê?

– Ah, cara, sei lá. Não vou saber te dizer com certeza agora, mas parece que na Bíblia o surgimento do livro do Apocalipse tem a ver com a crise do Império Romano, umas coisas assim... Mesma coisa se você pegar Canudos, por exemplo. O Antônio Conselheiro chega falando do fim do mundo, aquele papo todo bem pesado, e isso coincide com o fim do Império...


– Que brisa.

– Pega o punk. É igual. No future, no future for you. Sex Pistols são contemporâneos da Margaret Thatcher. É todo um mundo que está acabando ali, aquele sonho dourado do pós-guerra, o fordismo, a indústria, o estado de bem estar social... Tudo na onda do choque do petróleo. Onda não, tsunami.

– Saquei. Mas aqui não é diferente, não? Nessas tragédias de agora, pelo menos. É que tem uma dose de acaso, de coincidência, em tantas tragédias juntas, ainda mais em tragédias que não têm muito a ver uma com a outra, tipo a do Boechat, a das enchentes e a de Brumadinho.

– Sim, sim. Quer dizer. Mais ou menos. A das enchentes e a de Brumadinho têm uma dimensão diferente... Teve muito descaso, ganância, vista grossa em nome do lucro...

– Claro, claro. Mas não conecta exatamente com o que você tava falando da impressão de fim do mundo.

– Hum... É, conecta mais ou menos. É como se a impressão, a sensação de fim do mundo já estivesse no ar, e esses eventos só reverberassem mais alto, mais forte. A rede simbólica está pronta; o que cair nela, a gente pesca.

– Aí você já deu uma brisada...

– Filosofia de mesa de bar, cara. Não só é legalizado, como é obrigatório.

– Pode crer. Mas você acha que tem um mundo acabando?

– Aqui no Brasil?

– É.

– Acho que sim. Quer dizer, eu não, ou não só eu. Tem uns filósofos que eu sigo que...

– Os comunistas. A esquerdalhada.

– Isso. Claro. É daí pra baixo só. Mas então, tem um pessoal que diz que esses últimos anos seriam meio que o fim da Nova República, o momento pós-ditadura, saca? Clássico fim de um ciclo histórico.

– Saquei.

– Não deixa de ser um fim do mundo.

– É... Entendi o seu ponto.

– E, além disso, o Brasil também está no mundo, sabe? A sensação é geral, repercute aqui também. Não me espanta que lá fora a impressão seja essa. Volta do nacionalismo, estranhamento entre grandes potências, a crise climática... Se você acrescentar a internet nessa história, parece que a gente está vivendo um momento econômico novo também, que poderia ser traduzido como fim do mundo, ou fim de um mundo.

– Isso que você falou do momento econômico é verdade... Mudou tudo, né? Com aplicativo, internet. Hoje você faz qualquer coisa. De casa mesmo.

– É, mas… Mais ou menos, cara. Acho que mudou tudo pra tudo continuar igual, né?

– Como assim?

– Olha... Se você compra uma coisa ao vivo, pelo correio ou –

– Voltei. Marcos, você estava dizendo que...

– ...pela internet, são três coisas muito diferentes, mas no fim não são tão diferentes assim. É tudo comprar. Tudo mercadoria.

– Ô, Felipe, capitalismo? Mas eu não posso ficar nem cinco minutos longe? Como você deixa isso, Marcos?

– O papo era fim do mundo, mas você demorou, cara.

– Fim do mundo, capitalismo... É tudo a mesma coisa.

– Só quero saber o seguinte: e a cerveja, hein? Pediram?


Henrique Balbi, -Época, 13/02/3019, 14:00 hs

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Cenário

Tudo é só, a montanha é só, o mar é só,
A lua ainda é mais só.
Se encontrares alguém
Ele está só também.

Que fazes a estas horas nesta rua?
Que solidão é a tua
Que te faz procurar
O cenário maior,
O de uma solidão maior que a tua?


Dante Milano
ESTUDO CLÍNICO DAS PSICOSES - III

As psicoses são reconhecíveis pelo delírio. Mas, atenção: o delírio nas psicoses se constitui como sentido. Desse modo, ultrapassa a dimensão do sintoma (elemento da semiologia médica) em direção a uma produtividade subjetiva incompatível com o meio social e com a percepção moral. Tanto é verdade que os quadros ditos negativistas (quando o paciente não fala, não responde, não obedece...) respondem mal ao uso de psicofármacos ou simplesmente não respondem (não melhoram). Sinal de que há algo mais que o sintoma. A psiquiatria biológica chama isso de sintoma negativo. Quem trabalha numa equipe de saúde mental sabe como é difícil se aproximar de um "sintoma negativo". O essencial a reter é o fato de que o delírio não necessita ser dito verbalmente, já que ele pode ser dito não verbalmente, como o jeito de olhar, de andar, de rir, por exemplo. As psicoses, conforme uma psiquiatria da diferença ou de uma diferença na psiquiatria, produzem uma semiótica desconcertante (regime de signos) que só será acessada mediante o uso de recursos técnicos fora da psiquiatria. Isso não invalida, ao contrário, o uso da medicação anti-psicótica. Antes, estabelece a psicofarmacologia como um instrumento terapêutico cujo valor estará condicionado a uma postura ético-política de quem atende, de quem cuida. Infelizmente, há um muro na clínica das psicoses. É que o problema essencial, a má formação "congênita" da psiquiatria biológica é a sua adesão inconfessa a um positivismo cientificista raso e danoso para o paciente enquanto ser vivente capaz de autonomia existencial. Considerando-o objeto inerte e passivo (e perigoso) tal psiquiatria, claro, está instalada em seu próprio território de poder, e daí obtém resultados terapêuticos de admirável controle sobre as mentes, inclusive as dos próprios psiquiatras.


A.M.