Este blog busca problematizar a Realidade mediante a expressão de linhas múltiplas e signos dispersos.
domingo, 30 de setembro de 2012
DISCIPLINAR, DISCIPLINAR
O poder disciplinar é com efeito um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior "adestrar"; ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor. Ele não amarra as forças para reduzi-las; procura ligá-las para multiplicá-las e utilizá-las num todo. Em vez de dobrar uniformemente e por massa tudo o que lhe está submetido, separa, analisa, diferencia, leva seus processos de decomposição até às singularidades necessárias e suficientes.
M. Foucault - do livro Vigiar e punir
VIAGENS DE MIGUEL
Miguel aprendeu a dizer Lua, "lúuua". Por sinal, ontem, ela estava bem cheia num céu límpo. Clareava até idéias obscuras. Miguel olhava e dizia: "lúuua, lúuua".Me puxou pela mão. Balbuciava sílabas viajantes. E lá nos fomos pelos mares da lua. Objeto dos românticos de todos os rincões, a lua é um devir, devir-lua. Miguel observa que ela é branca e leitosa. Derrama sua luz sensual sobre corpos em transe. No caso de Miguel, contudo, não é bem o "em transe", mas uma viagem sem forma pela noite adentro. Noite-mistério dentro de mim. Miguel e a lua me fazem lunáticos na terra, ou terráqueos na lua, tanto faz. O que conta é o vôo no mesmo lugar, seu rosto girando ao redor do infinito sem deixar de ser a distância até a lua. Medidas astronômicas? Ora, estas são medidas humanas, por demais humanas. Trata-se de outra coisa, fluxo metafísico que Miguel me desperta. Sem medidas. Fomos dormir e a lua não. Miguel sorriu pois não queria dormir...sem ela.
A.M.
sábado, 29 de setembro de 2012
PSEUDO-EQUIPES
No trabalho da equipe técnica em saúde mental, a sobrevivência do organismo físico individual (cada um por si...) é peça vital nesse agenciamento de forças. De todo modo, pseudo-equipes tendem a uma operação de maquiagem da psiquiatrização. No fim ou no começo está a loucura. Como se sabe, a psiquiatria desconhece-a por não ser um conceito médico. No entanto, na prática continua “mandando” pois lida com remédios químicos. Aplaca, controla, utiliza, codifica e “pune” a loucura. Desemboca no ato médico como expressão concreta de poder. Os demais técnicos costumam referendar a psicofarmacoterapia na medida em que eles, em termos imaginários, se “automedicam e medicam” o paciente. A Saúde Mental se institui como discurso do Controle.
(...)
A.M. - do texto Grupo e caos in Revista Veneta - nº 1
INVENTAR CONCEITOS
(...) (...) Toda criação é singular, e o conceito como criação propriamente filosófica é sempre uma singularidade. O primeiro princípio da filosofia é que os Universais não explicam nada, eles próprias devem ser explicados.
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G. Deleuze e F. Guattari - do livro O que é a filosofia?
sexta-feira, 28 de setembro de 2012
POLÍTICA DO CORPO
O organismo não é o corpo. O desejo inscreve-se diretamente no corpo.Ou melhor, o corpo é o próprio desejo. No entanto, o uso crônico, inadequado e/ou excessivo de psicofármacos institui a hegemonia do organismo sobre o corpo, de onde a psiquiatria biológica retira mais-valia de prestígio. Seria a morte do desejo?
A.M.
quinta-feira, 27 de setembro de 2012
quarta-feira, 26 de setembro de 2012
A MORAL IMPLÍCITA
(...) (...) Excetuando o anti-social e o borderline, os demais não constituem, em geral, uma ameaça à Ordem Psiquiátrica. Ao contrário, a psiquiatria os mantém como referência semiológica para um diagnóstico definido ou a esclarecer. Nos manuais psiquiátricos as descrições são redundantes, mas permanecem compondo um capítulo dos códigos dos transtornos mentais ( = doenças mentais). Mas, que doenças? Aquelas que menos se parecem com doenças. Neste sentido, o critério usado para um enquadramento patológico é moral. É onde a psiquiatria expõe os seus instrumentos de poder acoplados à moralidade vigente.A descrição dos tipos, comparando-se uns aos outros é rasa em argumentos conceituais e redundante como elucidação de métodos.
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A. M. - do texto Transtornos da personalidade: problemas
terça-feira, 25 de setembro de 2012
ESQUIZO-MENTIRA
A esquizofrenia é definida de modo tão vago que, na realidade, trata-se de um termo frequentemente aplicado a quase toda e qualquer espécie de comportamento reprovado pelo locutor. Portanto, seria tão impossível rever a fenomenologia da esquizofrenia quanto recapitular a fenomenologia da heresia.
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T. Szasz - do livro Esquizofrenia: o símbolo sagrado da psiquiatria
RESISTÊNCIA
Legiões de psiquiatrizados de toda parte ajoelham-se no altar dos psicofármacos e dos cérebros à mão. Tudo conspira a favor do consumo de pacotes cientificamente autorizados para ações lucrativas. No entanto, mesmo desbotada e segregada nos grilhões cidológicos, a diferença resiste. A ética da potência de viver afirma-se como ética de poetas itinerantes.
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A.M.
SAÍDAS MÚLTIPLAS
A clínica da diferença busca, então, atuar em linhas existenciais desprezadas pela razão. Lida com o incurável, o imprestável, e com discursos submetidos às formações de poder. Requer um desejo não apoiado na realidade objetiva pois o desejo é a própria realidade objetiva.No universo sedutor-violento do capital, a aposta num trabalho com pacientes graves capta o ritmo das canções sem dono. Tudo é impessoal e coletivo. O Caps torna-se, então, a procura de saídas não cadastradas pela psiquiatria canônica. A ótica da diferença é o novo. A ética precede a técnica.
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A.M.
segunda-feira, 24 de setembro de 2012
ISSO FUNCIONA EM TODA PARTE
O desejo maquina entre os corpos e nos corpos. Exposto à luz do dia, mesmo à meia noite, ele é produção incessante, formigamento nem sempre visível ; "o que não tem governo nem nunca terá". Por que a metamorfose? "Ir indo". Uma espécie de gratuidade desejante empurra a existência por e para linhas insólitas.A morte deixa de ser uma coisa, mas o morrer, verbo infinito, ainda que se fale de passados ressentidos e/ou futuros impossíveis.Como desejar? Não é fácil, mesmo que pareça...
(...)
A.M.
domingo, 23 de setembro de 2012
A GRANDE MENTIRA
Não existe a esquizofrenia. Entendendo: não existe e ENTIDADE CLÍNICA esquizofrenia, exceto por necessidade e manobra política da psiquiatria ao se estabelecer como especialidade médica e paradigma técnico-científico.A esquizofrenia é, pois, uma farsa bem montada que convence a quase todos, súditos de uma era de subserviência consentida: a era do capital.
A.M.
MORTE DO DESEJO
O aumento da morbidade das depressões está relacionado a vários fatores. Destaquemos um: a dissolução das Crenças (em que acreditar?) em favor de um niilismo sócio-político devastador. No caso brasileiro, nunca se viu uma campanha eleitoral tão desanimada como a atual. Eleições deprimidas.
A.M.
DEPRESSÃO E SUBJETIVIDADE
A subjetividade é fabricada no registro do “fora” , mesmo que seja sentida por “dentro”.Assim , alguém é passível de deprimir sem querer deprimir. São fluxos (processos) de toda ordem que determinam o humor sem que o eu participe das decisões. O eu é uma instituição. Está encarregado de apaziguar as coisas. É um moderador, um negociador. Mas, às vezes, há algo inegociável. O inconsciente não negocia. A serotonina é convocada, o organismo capitula. Depressão. A química costuma socorrer. Os sintomas ficam atenuados (ou somem) e as transmissões neuro-químicas se refazem em prol de uma vida, digamos, mais animada. E sem mania, pois há sempre fármacos à mão. Esse é o universo das sinapses e das medidas exatas, das bipolaridades, ainda que no humano tudo seja inexato e múltiplo.
É que há outras origens e maneiras (clínicas) do deprimir. (Atenção: deprimir não é angustiar-se, ainda que tais sintomas possam vir juntos, tão colados que se fundem à observação grosseira. Depressão é perda da vontade de viver, ainda que esse afeto possa estar oculto ou encolhido nas dobras da alma). Pois são as dobras (ou singularizações) que compõem o ser subjetivo. Elas traçam o nexo entre o cérebro e o espírito e eliminam esse dualismo milenar. A serotonina é um efeito, ou uma causa, a depender das circunstâncias. As origens da depressão são secundárias ao contexto e não o contrário. Elas estão na história do paciente e na história da humanidade. Antes que edipiano, o inconsciente é histórico. Está aberto a mil determinações, muitas delas invisíveis.Observamos que pacientes deprimem após as mais diversas situações. Ou mesmo sem motivo; deprimem do nada, céu azul. Não é tristeza. É qualitativamente outro afeto. Podemos dizer, então, que em todas as patologias mentais a depressão poderá se insinuar como um sintoma a mais. E sempre inscrevendo-se no corpo. São órgãos que se negam a funcionar, sistemas de defesa que fraquejam. A questão da anamnese passa a ser : está deprimido há quanto tempo? A partir de que? Há outros sintomas? Como estão o sono e a alimentação? Há outras doenças? E as relações sociais? O trabalho, o dinheiro, o prazer, o sexo? Enfim, o tempo. Para além do princípio dos biopoderes cerebrais (o cérebro que a medicina produz como objeto de pesquisa), a depressão é signo de impotência subjetiva. Este é o ponto de contato da clínica psicopatológica com a vida. O paciente deprimido é redutível ao corpo com órgãos. “Doe tudo”, diz um paciente. Mas para entrar em contato com a sua dor, dor de existir, é preciso considerar a subjetividade como processo existencial abortado num corpo de intensidades destrutivas. “Tudo vai mal”. Neste sentido, as depressões são síndromes ao invés de sintomas: a vitalidade se esvai numa deriva louca em direção ao suicídio. Claro que o suicídio nem sempre acontece. Ainda bem. Mas a depressão é a expressão clínica do desejo de morrer. Um desejo que se tece às vezes nas falas mais normais. Daí, podemos considerar que também existe uma depressão sub-clínica que só se mostra por linhas enviesadas.Depressão é tema complexo. Tão complexo que convém não ouvir apenas a psiquiatria. É preciso ir mais longe. Tal fato advém de uma condição não-humana e vital que atravessa o estar deprimido. Enunciamos essa condição: apesar de todas as adversidades (mesmo e principalmente naqueles seres marcados pela privação, oprimidos de todos os matizes) por que a vida se afirma como alegria radical? Alegria sem motivo ou o motivo é apenas o de estar vivo? O “estar deprimido” talvez não seja uma doença, mas a substituição da vida pela morte que se instala sorrateira com máscaras variadas: perdas irremediáveis, serotonina, narcisismo, doenças físicas, condições insalubres de trabalho, desemprego, violência, dissolução de valores , o fim das utopias, o capitalismo mundial integrado, etc, etc.
A.M.
sábado, 22 de setembro de 2012
O QUE É UMA MÁQUINA DE GUERRA?
Definimos a máquina de guerra como um agenciamento linear construído sobre linha de fuga. Nesse sentido, a máquina de guerra não tem, de forma alguma, a guerra como objeto; tem como objeto um espaço muito especial, espaço liso, que ela compõe, ocupa e propaga. O nomadismo é perfeitamente essa combinação máquina de guerra-espaço liso.
(...)
G. Deleuze e F. Guattari - do livro Mil platôs
sexta-feira, 21 de setembro de 2012
NÃO PENSAR
As neurociências possuem trabalhos metodologicamente impecáveis. Depois a psiquiatria utiliza -os com a intenção de materializar a "sua" verdade. A verdade da psiquiatria se torna a verdade do paciente. E qual seria ela? Ora, a verdade do mundo atual, mundo regido pela tecnologia irrecusável e assentado pelo capitalismo aparentemente vencedor. Proibido pensar.
A.M.
ISSO FUNCIONA EM TODA PARTE
O desejo maquina entre os corpos e nos corpos. Exposto à luz do dia, mesmo à meia noite, ele é produção incessante, formigamento nem sempre visível ; "o que não tem governo nem nunca terá". Uma criança. Por que a metamorfose? Não há porque, não há de que, aí onde a gratuidade empurra a existência por e para linhas insólitas.A morte é o morrer, verbo infinito, mesmo que à volta se fale de passados ressentidos e/ou futuros impossíveis.Como, então, desejar?
A.M. - do texto A morte do desejo (em elaboração)
O QUE É UM GRUPO?
(...) (...) Nosso problema é, pois, o trabalho da equipe técnica em seu cotidiano e na produção de uma reflexão sobre o mesmo. Teríamos as questões: 1-Trata-se de fato de um grupo? 2-A que interesses atende? 3-Que concepções sobre a loucura norteiam o seu trabalho? 4-Como se dá a comunicação entre os segmentos técnicos em relação ao paciente? 5-Qual o lugar da ética e da política nas ações práticas? Nossa hipótese de base: apesar do ideário da reforma psiquiátrica, a psiquiatria é um modo de subjetivação que ainda domina e controla os que lidam com o paciente. Significa dizer que não há reforma psiquiátrica na clínica. Ao contrário, o grupo técnico trabalha sob a transcendência psiquiátrica.
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A.M. - do texto Grupo e caos - Revista Veneta
quinta-feira, 20 de setembro de 2012
MÁQUINA MORTÍFERA
Não menos que o aparelho burocrático ou militar, a psicanálise é um mecanismo de absorção da mais-valia; e ela não o é do exterior extrinsecamente, mas sua própria forma e sua própria finalidade estão marcadas por essa função social.Não é o perverso, nem mesmo o autista, que escapam à psicanálise, é toda a psicanálise que é uma gigantesca perversão,uma droga,um corte radical com a realidade, a começar pela realidade do desejo,um narcisismo, um autismo monstruoso: o autismo próprio e a perversão intrínseca da máquina do capital.
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G. Deleuze e F.Guattari - do livro O anti-édipo
quarta-feira, 19 de setembro de 2012
O TRABALHO COLETIVO EM SAÚDE MENTAL
Então, partir da psiquiatria como “proprietária” do paciente é admitir que tudo, em termos de equipe e tratamento, gira em torno do significante hegemônico “psiquiatria”como centro de significação clínica. E por extensão o seu objeto, o paciente. Parece que estamos girando num círculo de redundâncias. Como então constituir um grupo se um sujeito (a psiquiatria) instituiu há muito o seu objeto (o paciente) ? A produção criadora de clínicas só pode ser tentada se houver uma des-hierarquização das relações intra-grupais. Um mesmo plano de trabalho e de afetos. Todos são iguais em suas diferenças.
(...)
A.M. - do texto Grupo e caos - revista Veneta
O QUE É CRIAR EM SAÚDE MENTAL?
Não acreditamos na crítica como ato que propicie uma criação. A criação é que propicia uma crítica. A criação vem primeiro. Saúde éum conceito nominal. Aparelho engendrado por tecnocratas do Estado, vive para a idéia, o imaginário, a transcendência e as boas intenções humanísticas. Com o conceito de "mental" ocorre o mesmo. Criar nada tem a ver com essa ladainha político-conceitual. A arte de criar conceitos, como diz Deleuze, é a aventura do novo. Em saúde mental, criar é despersonalizar-se sem culpa, ressentimento ou nostalgias egóicas. Começa pela ausência de títulos e pompas. Uma gratuidade.
(...)
A.M.
terça-feira, 18 de setembro de 2012
VIAGENS DE MIGUEL
Continuo tentando acompanhar Miguel, aprender-Miguel. Cada vez mais falante, ele inaugura as manhãs. Isso não é uma metáfora. Ele é, sim, uma manhã com todo o brilho da existência pousado em seus olhinhos inquietos. Vamos de novo, novamente, outra vez, que a velocidade do tempo nos carrega. Perguntou a minha idade. Disse-lhe que tentasse advinhar. Não aceitou o desafio. Explicou apenas que ele era um feiticeiro nascido há um ano e meio. E o que lhe importava? Ora, o tempo não medido, o tempo-jogo, o tempo-criança. Sentou-se defronte dos meus livros e falou que nada daquilo interessava, exceto se encharcado de espírito e dança.Para meu espanto, Miguel tornou-se a minha pele tocada por fluxos de uma realidade mutante. Então, um cheiro de acácia inundou de amarelo as colinas perdidas do meu pensamento. À minha frente, Miguel continuava saltitante, como que bombeando o coração do mundo. Disse-lhe que ficasse só um pouquinho ao meu lado, enquanto durasse o encantamento dos deuses.
A.M.
"VERDADE" COMO MERCADORIA
A produção de verdade compõe o âmago das práticas psi. O caso da psiquiatria talvez seja o mais explícito, mas por certo não funcionaria sem os demais. E vice-versa. Referimo-nos à psicologia e seus congêneres. Uma vontade positivista e mercadológica se instala (sem cerimônia) em superfícies assépticas.
A.M.
A CIÊNCIA TAMBÉM OCULTA...
O psiquiatra é médico, eis um truísmo útil. Por quê? Porque, na psiquiatria, um a priori de poder funciona na relação com o paciente e impõe uma tecnologia de controle. Apesar disso, a história da psiquiatria oficial construiu a díade do atendimento sob o manto apaziguador da Ciência. A relação tornou-se, pois, vazada por uma violência implícita, daí não percebida pelo senso comum.
(...)
A.M.
O USO DA FILOSOFIA
O risco do discurso totalitário é uma presença constante na filosofia.Não creio que os filósofos se sintam tentados pelo totalitarismo: apesar de tudo,existe neles uma idéia fundamental, a de liberdade.Razão e liberdade devem caminhar lado a lado.Mas é verdade que a filosofia entre as mãos de políticos que visam o totalitarismo é um instrumento temível.
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F.Châtelet -do livro Uma história da razão
segunda-feira, 17 de setembro de 2012
SOBRE VENETA
(...) (...) Veneta é uma força repentina, uma surpresa.Nem sempre agradável,intensa toda vez.Tem o dom do intempestivo,é prodigiosa,pródiga.O repente lhe é comum na rapidez,na euforia e no gênio.Veneta é a alma do avesso.É a borda do que sabemos sobre nós mesmos e sobre os outros.É a beira do mundo. Estamira.Versa pelas artes do encontro,do choque,do contágio.Veneta é disparate.É disparo.Fere rente.
Do Editorial da Revista Veneta - n° 1 - Vitória da Conquista
PSEUDO-EQUIPE EM SAÚDE MENTAL
Uma pseudo-equipe técnica se reconhece num contexto de dominação consentida. As contingências do seu funcionamento passam a ser previsíveis. Neste sentido, o psiquiatra é o sujeito empírico das equipes. Por que? Porque ele é a Medicina em pessoa. Quem cuida de doentes mentais é o psiquiatra. Deste modo, o grupo trabalha com a transcendência psiquiátrica norteando ações. Pouco importa se lugares de comando são preenchidos por não-psiquiatras. A subjetividade psiquiátrica se compõe de linhas existenciais traduzidas em papéis sociais diversos, a depender do contexto prático. Um técnico não psiquiatra poderá pensar, perceber, sentir e atuar tanto quanto um psiquiatra na relação com a loucura, e por extensão, com o paciente. Um técnico não-psiquiatra pode ser até “mais psiquiatra” que o psiquiatra.
(...)
A.M. - do texto Grupo e caos, Revista Veneta, n° 1
domingo, 16 de setembro de 2012
O QUE SIGNIFICA PENSAR?
(...) (...) Outras realidades só serão percebidas (ou criadas) com o uso de novos conceitos. Os velhos estão colados a instituições como as do eu, do indivíduo, do especialista e claro, da Saúde Mental. São estéreis; servem ao empreendimento burguês de usar a racionalidade como base do progresso tecnológico e científico. Portanto, abrir os conceitos, mesmo os antigos, é rearranjá-los em territórios subjetivos. A forma saúde-mental não deixará de existir nesse tipo de estratégia, mas a sua força diminuirá.O que o paciente costuma querer é o que quer a Saúde Mental: o controle e o auto-controle, se possível. A prerrogativa vem da instituição psiquiátrica, o que não significa pôr a psiquiatria como alvo único da crítica. Até porque a psiquiatria não traz problema algum ao trabalho conceitual que lhe seja adverso. Ela desconhece o conceito e por isso não pensa, só representa.
(...)
A.M.
DE VENETA
(...) (...) Escrevemos por uma Psicologia que se faça, enfim,desnecessária.Que a morta-viva de 50 anos sacuda seus velhos trajes importados e os reinvente à costura tropical, que ela encarne sua condição tupi-nagô-africana-quilomba-acarejezista com a malemolência que lhe cabe. Para que seus maquinistas aprendam a conspirar novos sentidos em função do acontecimento, sempre tão imprevisível,que redesenhe seus próprios espaços, sua própria cultura,que saiba ser digna de sua própria pobreza, mas também de sua riqueza,das potências éticas, estéticas e políticas que a constituem; para que tenhamos,enfim,uma psicologia menos piedosa, tal qual a serpente de Paul Valéry, que se devora pela cauda, recriando o pensamento como forma de liberdade.
(...)
Cecília Barros-Cairo e Eder Amaral - da revista Veneta, n° 1.
sábado, 15 de setembro de 2012
UM NOVA TERRA
Fala-se em "espiritualidade" (quem?) como de "algo bom". Cabe a pergunta: o que é mesmo a "espiritualidade" ? Quais as relações que ela (seja lá o que for) mantém com a ética, com a política, enfim, com as práticas sociais? O mundo atual é um mundo esgotado de potências de transformação, e daí, um mundo descrente de si mesmo, mundo niilista. Nietzsche vive. Talvez seja necessário acelerar esse niilismo em busca de uma nova terra...
A.M.
Revelações feitas por Marcos Valério à VEJA (15 de setembro/2012):
"O BANCO IA EMPRESTAR DINHEIRO PARA UMA AGÊNCIA QUEBRADA?" - Os ministros do STF já consideram fraudulentos os empréstimos concedidos pelo Banco Rural às agências de publicidade que abasteceram o mensalão. Para Valério, a decisão do Rural de liberar o dinheiro - com garantias fajutas e José Genoino e Delúbio Soares como fiadores - não foi um favor a ele, mas ao governo Lula. "Você acha que chegou lá o Marcos Valério com duas agências quebradas e pediu: 'Me empresta aí 30 milhões de reais para eu dar pro PT'? O que o dono de um banco ia responder?"
Valério se lembra sempre de José Augusto Dumont, então presidente do Rural. "O Zé Augusto, que não era bobo, falou assim: 'Pra você eu não empresto'. Eu respondi: 'Vai lá e conversa com o Delúbio'. A partir daí a solução foi encaminhada. Os empréstimos, diz Valério, não existiriam sem o aval de Lula e Dirceu. "Se você é um banqueiro. você nega um pedido do presidente da República?"
POLÍTICA DA ARTE
A arte permanece como um dos raros domínios no qual o indivíduo pode teoricamente oferecer sua plena dimensão, quaisquer que sejam a época, a história ou a geografia. Através dela ficam os vestígios da luta com armas iguais com o tempo, se não com aquilo que perdura em longínquos impulsos, nos subsolos onde se preparam as vitalidades futuras. Ora, todos os regimes, todos os poderes políticos conhecem esse local estratégico e o querem confinar, dominar,limitar, conter, até controlar radicalmente.
(...)
M. Onfray - do livro A política do rebelde - tratado de resistência e insubmissão
NÃO SE TRATA A EXISTÊNCIA
Desde 1952 nos acostumamos a ver o paciente mental sob o efeito de algum remédio químico. Este se tornou peça indispensável, não só para o tratamento, mas na constituição de uma subjetividade enferma. Na década de 90 os fármacos avançam e substituem a psicopatologia. Torna-se um hábito ver o paciente mental como expressão-efeito da química. A indústria produz o pensar medicamentoso como campo por excelência do desejo. O objetivo maior é o de manejar os sintomas. Como tudo é sintoma, ou passou a sê-lo, incluindo o paciente, o objetivo de passar remédio tornou-se o de excluir o pensamento e a existência.
A.M.
sexta-feira, 14 de setembro de 2012
O QUE É UM GRUPO?
(...) (...)Trata-se, efetivamente, de um grupo? Ora, considerando as práticas “capsianas” em seus aspectos gerais, não é um grupo. Desse modo, se a proposta do trabalho é multidisciplinar, a equipe técnica é um pseudo-grupo. Um grupo trabalha sobre si numa auto-análise incessante enquanto se produz para fora num processo-ato (autogestão). São essas as condições básicas para um conjunto de indivíduos (ou pessoas) se intitular grupo. Portanto, quando falamos em grupo não falamos de uma organização nem tampouco de um dispositivo técnico (equipe) dentro da organização. Todo grupo compõe um corpo não visível, corpo em intensidade, corpo liso que se liga a outros corpos. A consistência grupal torna-se o conjunto das linhas subjetivas que confluem na produção de algo. No caso da equipe técnica, é uma produção de práticas singulares que irão servir ao paciente. Fora desse “projeto” não é grupo, e sim, evento serial de indivíduos. Tal entidade faz com que a equipe técnica dissolva-se. O que fica é uma forma espectral (uma sombra) esperando ordens.
(...)
A.M. - do texto Grupo e caos - incluído no 1º número da revista VENETA, a ser lançada em 15/09/2012 - Vitória da Conquista.
FALA, ANTONIN ARTAUD
(...) (...) Nós não estamos no mundo, oh Papa confinado no mundo; nem a terra nem Deus falam de você. O mundo é o abismo da alma. Papa caquético, Papa alheio à alma, deixe-nos nadar em nossos corpos, deixe nossas almas em nossas almas, não precisamos do teu facão de claridades.
(...)
A.Artaud - do texto Carta ao Papa
O DIREITO AO DELÍRIO
A avaliação do delírio unicamente como sintoma, dificulta a obtenção de um diagnóstico preciso. O sintoma é secundário à vivência. Através da vivência é que o paciente organiza as suas crenças. Vivência diz respeito ao significado da realidade e aos afetos postos nesse significado. Crença e afetividade são elementos-chave para adentrar aos modos de subjetivação. Estes elementos compõem “processos de singularização”. Daí o delírio se constitui como um território existencial que se expressa por singularidades.
(...)
A.M.
PSEUDO-EQUIPE EM SAÚDE MENTAL
(..) (...) O ideário da reforma psiquiátrica cunhou o rechaço ao hospital psiquiátrico e a valorização do usuário como ser humano. No entanto, este humanismo não foi suficientemente forte para levar a clínica (ou seja, o encontro com o usuário) para formas descoladas dos antigos clichês do hospício. Entre estes, persiste a submissão ao poder psiquiátrico como representante autorizado da Ciência. Tal submissão produz efeitos sobre o paciente, reduzindo-o a um cérebro que consome remédios químicos. É uma constatação já denunciada por segmentos sociais interessados na qualidade da assistência prestada aos portadores de transtorno mental.
(...)
A.M. - do texto Grupo e caos, incluído na revista VENETA, a ser lançada amanhã, 15 de setembro, às 16 hs, em Vitória da Conquista.
quinta-feira, 13 de setembro de 2012
MÁQUINAS DO DESEJO
(...) (...) Freud não chegou a ver que a angústia, fenômeno biológico, não pode aparecer no ego a menos que seja preparada, primeiro, na profundeza biológica. Isso era um golpe duro para o meu trabalho sobre o problema da angústia. Eu acabara justamente de dar um grande passo à frente no rumo da distinção entre angústia como causa e angústia como resultado da repressão. Daí em diante, seria mais difícil provar a opinião de que a angústia estásica resultava da estase sexual porque as formulações de Freud eram, naturalmente, portadoras de autoridade considerável. Não era muito fácil sustentar uma opinião diferente: com certeza, não em assunto de tamanha importância. No meu livro sobre o orgasmo, transpus a dificuldade com uma inofensiva nota de rodapé; concorda-se geralmente,assinalei, em que na neurose a angústia é a causa da repressão sexual. Ao mesmo tempo, sustentei a minha própria opinião de que a angústia é o resultado da estase sexual. E isso Freud liquidou.
(...)
W.Reich - do livro A função do orgasmo
QUAL EQUIPE?
(...) (...) A “equipe técnica em saúde mental” recita os discursos em que o Estado – de modo implícito – comanda. O Estado é o Senhor. A clínica dos transtornos mentais é, assim, retalhada por linhas institucionais que a destroem, ou no mínimo, a desfiguram. São fluxos de poderio invadindo mentes e corpos desautorizados a desejar.
(...)
A.M. - do texto Grupo e caos, a ser publicado.
quarta-feira, 12 de setembro de 2012
TODOS DELIRAM
(...) (...) Ao desconfiar que alguém delira, não julgue. Pense primeiro “ o que estará sentindo o suposto delirante?”. Quem delira pode não estar delirando, ou seja, pode estar apenas pensando em voz alta. Afinal, como seres do pensamento, deliramos. Uma barreira colocada entre nós e o dito mundo real impede que o delírio se torne um problema. Sim, torna-se um problema quando a ordem “natural” das coisas é rompida a nível da conduta. Para o bom senso isso é insuportável, ou quase insuportável. Parece claro. Há uma ordem racional do mundo que instituiu e institui valores, normas e códigos. Isso em toda parte. Uma necessidade de ordem e bom comportamento parece fazer as coisas andarem. O binômio ordem/desordem vem daí, alimenta-se de possíveis desvios que o confirmam.
(...)
A.M. - do livro Trair a psiquiatria
Mulher tenta invadir Planalto dizendo-se 'marido' da presidente
Luiza Damé, O Globo
A Polícia Militar e o Hospital Regional da Asa Norte (HRAN) informaram na noite desta terça-feira que Edmeire Celestino Silva, 29 anos, é mulher. Ela tentou invadir o Palácio do Planalto, subindo a rampa e entrando em confronto com o soldado do Batalhão da Guarda Presidencial, que chegou a fazer dois disparos com balas de borracha.
Identificada como um homem a princípio, Edmeire estava visivelmente perturbado, dizia ser “marido” da presidente Dilma Rousseff e fez declarações de amor a ela. Durante a tentativa de invasão, Dilma estava no Palácio, conduzindo uma reunião sobre portos.
- Eu sou marido da Dilma Vana Rousseff. Eu gosto dela - disse, ainda deitada no chão, depois de ser contida pelos soldados e pelos seguranças da Presidência.
METAMORFOSES
(...) (...) É claro que há lobishomens, vampiros, dizê-mo-lo de todo coração, mas não procure aí a semelhança ou a analogia com o animal, pois trata-se do devir-animal em ato, trata-se da produção do animal molecular (enquanto que o animal "real" é tomado em sua forma e sua subjetividade molares) (...) (...) Sim, todos os devires são moleculares; o animal, a flor ou a pedra em que nos tornamos são coletividades moleculares...
(...)
G. Deleuze e F.Guattari - do livro Mil platôs
terça-feira, 11 de setembro de 2012
QUAL CRÍTICA?
(...) (...) A crítica acabou. Ela resvala em superfícies duras e infensas às ondas, mesmo fortes. Uma volúpia pela imagem descarnada assalta espíritos simplórios. Veja. Ouvi do estudante um comentário choroso. Falava da depressão anoréxica. Tratava-se de um famélico. O pensamento parecia uma coisa à toa que aterrissava plácido nas maçãs do rosto. Uma origem: a crítica com ares de simpatia misturada à burrice dos espaços em branco.O ideal asséptico a todo furor. Nuvens de arrebentação. Os devires passam rente às lixeiras no subsolo das mentes por demais ocupadas consigo mesmas. Não concorde com tudo.Finja que sim. Finja que pensa. Acione dois ou três dendritos e avise a certos neurônios que você tem algo a dizer. Não diga. Assuma o negativismo dos psicóticos incuráveis. Beije a mão do general e do papa travestidos de médicos. Eles compreenderão a sua humildade. A crítica direta é pura simulação. Não ofende, não corta, não faz explodir. Contenha-se em sua inferioridade geneticamente instituída. Repita as frases, repita ao ponto de uma halitose civilizada se misturar ao formol dos cadáveres encaixotados em pets. Enfim, criticar é preciso desde que não se critique. Ou que a crítica seja um signo do horror político mostrado como ciência e salvação. Depois de tudo, arrisque um palpite, faça uma fezinha na loteria acadêmica. A mesma que abastece os exércitos pregando a paz no Oriente Médio. Experimente pensar.
(...)
A.M. - do livro Trair a psiquiatria
ÉTICA DO INFINITO
Ele tinha dito que tudo que eu fizesse deveria ser um ato de feitiçaria. Um ato livre de expectativas invasoras, de medo de falhar, de esperanças de sucesso. Livre do culto do eu ; tudo que eu fizesse deveria ser improvisado, um trabalho de magia onde eu me abrisse livremente para os impulsos do infinito.
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C. Castaneda - do livro A lado ativo do infinito
segunda-feira, 10 de setembro de 2012
A "instituição" não é a "organização"
(... (...)Trazemos da análise institucional o conceito de instituição. Desse modo, a instituição “Saúde Mental” compreende uma forma social (ou uma forma geral das relações sociais) traduzida subjetivamente. É uma produção, mas uma produção abstrata, daí não necessariamente visível ou mensurável. E também concreta, pois seus efeitos são práticos. Se traduzem em relações sociais onde circulam elementos interpessoais, familiares, técnicos, clínicos etc. São, por assim dizer, a materialidade do cotidiano Ao dizer “instituição” e não “organização” da Saúde Mental, evitamos captar o dado apenas empírico, ou seja, o das identidades fixadas em papéis sociais, como por exemplo os de psiquiatra e/ou de doente mental. É que para chegar aos problemas reais e às suas causas, buscamos outro olhar.Um olhar que quebre os clichês perceptivos marcados pela moral e inseridos no universo da representação Então, quando falamos de instituição, e mais precisamente, de instituição Saúde Mental, falamos de outra coisa que não (no caso do hospital psiquiátrico) da organização administrativa – o prédio, seus muros - ou dos dispositivos práticos – a contenção do paciente no leito, a hora da medicação etc . Queremos, mais profundamente, registrar que a Saúde Mental é um pensamento enraizado na subjetividade dos que nela acreditam e a servem. Isso pressupõe, entre outras coisas, a divisão binária loucos/normais.
(...)
A.M. - do livro Trair a psiquiatria
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