QUEM MANDA?
Deleuze e Guattari mencionam que o surgimento do Estado Moderno Capitalista levou a uma "falência dos códigos" marcada pela "emergência da propriedade privada, a riqueza, a mercadoria, as classes". A partir desse momento, o "Estado já não pode se concentrar em sobrecodificar elementos territoriais já codificados; ele deve inventar códigos específicos para fluxos cada vez mais desterritorializados: pôr o despotismo a serviço da nova relação de classes; integrar as relações de riqueza e de pobreza, de mercadoria e de trabalho; conciliar o dinheiro mercantil com o dinheiro fiscal. (...) O que o Estado despótico corta, sobrecorta ou sobrecodifica, é o que vem antes, a máquina territorial, que ele reduz ao estado de tijolos, de peças trabalhadoras submetida desde então à ideia cerebral".
"O Estado, inicialmente, era esta unidade abstrata que integrava subconjuntos que funcionavam separadamente; agora, está subordinado a um campo de forças cujos fluxos ele coordena e cujas relações autônomas de dominação e subordinação ele exprime. Ele não mais se contenta em sobrecodificar territorialidades mantidas e ladrinhadas; deve constituir, inventar códigos para os fluxos desterritorializados do dinheiro, da mercadoria e da propriedade privada. Já não forma por si mesmo uma ou mais classes dominantes; ele próprio é formado por essas classes tornadas independentes e que o incubem da prestação de serviços à potência delas e às suas contradições, às suas lutas e aos seus compromissos com as classes dominadas. O Estado já não é a lei transcendente que rege fragmentos; mal ou bem, ele deve desenhar um todo ao qual dá a sua lei imanente. Já é o puro significante que ordena seus significados, mas aparece agora atrás deles e depende do que ele próprio significa. Já não produz uma unidade sobrecodificante, mas ele próprio é produzido no campo de fluxos descodificados. Como máquina, o Estado já determina um sistema social, mas é determinado pelo sistema social ao qual se incorpora no jogo de suas funções".
"Fluxos descodificados - quem dirá o nome desse novo desejo? Fluxo de propriedades que se vendem, fluxo de dinheiro que escorre, fluxo de produção e de meios de produção que se preparam na sombra, fluxo de trabalhadores que se desterritorializam: será preciso o encontro de todos esses fluxos descodificados, sua conjunção, a reação de uns sobre os outros, a contingência desse encontro, desta conjunção, desta reação que se produzem uma vez, para que o capitalismo nasça e que o antigo sistema encontre a morte que lhe vem de fora, ao mesmo em que nasce a vida em que o desejo recebe seu novo nome".
O "Estado Capitalista", sob o contexto histórico marcado por fluxos de descodificação cada vez mais intensos e generalizados, exerce a prerrogativa de regulação ou regulamentação: esses fluxos exigem "órgãos sociais de decisão, de gestão, de reação, de inscrição, uma tecnocracia e uma burocracia que não se reduzem ao funcionamento de máquinas técnicas. Em suma, a conjunção dos fluxos descodificados, suas relações diferenciais e suas múltiplas esquizas ou fraturas, exigem toda uma regulação cujo principal órgão é o Estado. O Estado Capitalista é o regulador dos fluxos descodificados como tais, enquanto tomados na axiomática do capital. Nesse sentido, ele completa bem o devir-concreto que nos pareceu presidir à evolução do Urstaat despótico abstrato: de unidade transcendente, ele devém imanente ao campo de forças sociais, passa a seu serviço e serve de regulador aos fluxos descodificados e axiomatizados".
"Se é verdade que a função do Estado moderno é a regulação dos fluxos descodificados, desterritorializados, um dos principais aspectos dessa função consiste em reterritorializar, de modo a impedir que fluxos descodificados fujam por todos os cantos da axiomática social. Às vezes, tem-se a impressão de que os fluxos de capitais voltar-se-iam de bom grado à lua, se o Estado capitalista não estivesse lá para reconduzi-los à terra".
Na axiomática do capitalismo, fundada em processos de desterritorialização e territorialização cada vez mais intensos e abrangentes, o Estado exerce a função de gestão e regulação dos fluxos, conduzindo-os em determinada direção, ordenando-os em compartimentos e vias pré-estabelecidas, garantindo, desta forma, os meios para toda forma de arranjamento e decodificação exercidos pela máquina capitalista.
(...)
Gilles Deleuze e Félix Guattari, excertos do Anti-édipo, extraído do blog "Antropologia Simétrica " de Diego Soares, visitado em 23/08/2015.
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