SEM CONVERSA
É difícil "se explicar" – uma entrevista, um diálogo, uma conversa. A
maior parte do tempo, quando me colocam uma questão, mesmo que ela me
interesse, percebo que não tenho estritamente nada a dizer. As questões são
fabricadas, como outra coisa qualquer. Se não deixam que você fabrique suas
questões, com elementos vindos de toda parte, de qualquer lugar, se as
colocam a você, não tem muito o que dizer. A arte de construir um problema
é muito importante: inventa-se um problema, uma posição de problema,
antes de se encontrar a solução. Nada disso acontece em uma entrevista, em
uma conversa, em uma discussão. Nem mesmo a reflexão de uma, duas ou
mais pessoas basta. E muito menos a reflexão. Com as objeções é ainda pior.
Cada vez que me fazem uma objeção, tenho vontade de dizer: "Está certo,
está certo, passemos a outra coisa." As objeções nunca levaram a nada. O
mesmo acontece quando me colocam uma questão geral. O objetivo não é
responder a questões, é sair delas. Muitas pessoas pensam que somente
repisando a questão é que se pode sair delas. "O que há com a filosofia? Ela
está morta? Vai ser superada?" É muito desagradável. Sempre se voltará à
questão para se conseguir sair dela. Mas sair nunca acontece dessa maneira.
O movimento acontece sempre nas costas do pensador, ou no momento em
que ele pisca. Já se saiu, ou então nunca se sairá. As questões estão, em geral,
voltadas para um futuro (ou um passado). O futuro das mulheres, o
futuro da revolução, o futuro da filosofia etc. Mas durante esse tempo,
enquanto se gira em torno de tais questões, há devires que operam em
silêncio, que são quase imperceptíveis. Pensa-se demais em termos de
história, pessoal ou universal. Os devires são geografia, são orientações,
direções, entradas e saídas. Há um devir-mulher que não se confunde com
as mulheres, com seu passado e seu futuro, e é preciso que as mulheres
entrem nesse devir para sair de seu passado e de seu futuro, de sua
história. Há um devir-revolucionário que não é a mesma coisa que o futuro da revolução, e que não passa inevitavelmente pelos militantes. Há um
devir-filósofo que não tem nada a ver com a história da filosofia e passa,
antes, por aqueles que a história da filosofia não consegue classificar.
(...)
Gilles Deleuze e Claire Parnet in Diálogos
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