sexta-feira, 14 de agosto de 2015

EPITÁFIO DE UMA ERA

Aconselhada por Lula, Dilma reuniu todas as siglas que o petismo chama de “movimentos sociais”. Fez isso para provar que não está só. Às vésperas de mais um ‘asfaltaço’, a presidente quis dar voz à sua infantaria. Entre os oradores, Vagner Freitas, presidente da CUT. Encenado no Planalto, o ato foi uma metáfora para a decadência. E o discurso do companheiro Vagner foi o epitáfio de uma era.

“O que se vende hoje no Brasil é a intolerância, é o preconceito. Preconceito de classe contra nós”, disse o mandachuva da CUT. “Quero dizer em alto e bom tom que somos defensores da unidade nacional, da construção de um projeto nacional de desenvolvimento para todos e para todas. E que isso implica agora, nesse momento, ir para as ruas, entrincheirado, com arma na mão, se tentarem derrubar a presisdenta Dilma Rousseff.”

Dirigindo-se à inquilina do Planalto, o orador por muito pouco não bateu continência. Perdido em algum lugar do século 19, declarou: “Seremos, presidenta Dilma, [diante de] qualquer tentativa de atentado à democracia, à senhora ou ao presidente Lula, nós seremos o Exército que vai enfrentar essa burguesia na rua…” Seguiu-se um coro de “não vai ter golpe.”

Vagner Freitas valeu-se uma antiga regra da propaganda: personalize. Tudo pode ser vendido, seja óleo de peroba ou uma tese, se tiver uma cara e um enredo. Dê um nome ao seu inimigo, ornamente-o com um rabo e um par de chifres e pronto! Seus problemas acabaram. A identificação de um demônio para o qual se possa transferir todas as culpas livra o orador de qualquer tipo de exame. A começar pelo mais espinhoso: o auto-exame. A CUT descobriu o seu: “A burguesia”.

O chefe da falange da CUT estava muito ocupado ajudando a fazer a história do novo Brasil para compreendê-la. Presos na Lava Jato, os ex-guerreiros do povo brasileiro consolidaram a sua desilusão. Deve ser mesmo dura a experiência de ter que aceitar, depois de 13 anos de usufruto do poder, que a conquista se deu sem método, com muita calhordice e hipocrisia.

Por sorte, José Dirceu e João Vaccari Neto estão presos. Sabe Deus o que faria o companheiro Vagner se, armado das virtudes que carrega no coldre, encontrasse a dupla de novos burgueses na rua. No momento, Dirceu, Vaccari e o imenso etcétera que compõe o esquema de pilhagem da Petrobras são os motores que podem mover o impeachment.

Vagner Freitas é um crítico ardoroso do ministro Joaquim Levy e do senador Renan Calheiros. Natural. Não é fácil suportar a ideia de ter que substituir os ídolos da infância por novos herois da resistência —sobretudo quando esses novos herois são velhos burgueses e a comandante da tropa confraterniza com eles ao mesmo tempo em que afirma que nunca mudou de lado.

Em condições normais, um presidente de central sindical pregando o uso de armas em pleno Palácio do Planalto, ao lado da suposta chefe da nação, deveria ser tratado como caso de polícia. Mas é preciso dar um desconto. Para o companheiro Vagner Freitas, a revisão da história do seu universo imaginário beira a autoflagelação. Sua retórica amalucada deve ser vista como uma espécie de contrição de alguém que elabora o epitáfio de uma era: ‘Aqui jaz a República da CUT, entrincheirada e com arma na mão!’

Blog do Josias de Souza, 14/08/2015, 04:31 hs

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