domingo, 9 de agosto de 2015

AS HORAS NÃO PASSAM

Trabalhar em saúde, e mais, em saúde mental, não deveria ser trabalhar para sobreviver (seja no público ou no privado, se bem que no público pagam-nos pelos impostos). Tampouco para enriquecer, amealhar patrimônios à luz do dia. Nada! Levo tudo isso mais a fundo e mais a sério; na superfície dos dias, fico mais sério. Nenhum assistencialismo ou cristianismo disfarçado. Me move tão só o trabalho em saúde por não saber o que é saúde , mais ainda por não saber o que é  "saúde mental", mais ainda por não saber o que é"mente". Ainda de nada sei, não me contaram, sou o mais ingênuo e isso me empurra na direção de um plano existencial sem rumos e papéis fixos: para onde vai quem e o que não sou? Dos tempos do hospício, da psiquiatria clínica, da fenomenologia,da psicanálise e do psicodrama, até hoje ficou o registro do Encontro, para o bem e para o mal, mas sempre e inevitavelmente o Encontro com pessoas, narrativas, seres, coisas, situações, cidades, escolas, contextos, grupos, climas, cheiros, visões, etc. Quando percebo que as paredes do consultório são perfuradas pelas balas da moral e pelo odor da política, busco na hora do Encontro tecer uma existência menos conforme o senso comum e mais do que nunca buscadora da ética como potência de viver e da estética como beleza de criar. Toda essa percepção amplificada não impede que eu desça às masmorras do meu próprio exílio, e, em seguida rodopie sobre o corpo liso do pensamento, alçando o átimo de um desejo de alegria que se espraia pelos quatro cantos da terra brasílica devastada e humilhada. Um abismo insondável anuncia horas, as horas com Virgínia Woolf de frente com o acaso.

A.M.

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