DIFÍCIL É PRODUZIR UM CORPO SEM ÓRGÃOS
"Atem-me se vocês quiserem". Nós não paramos de ser estratificados. Mas o que é este nós, que não sou eu, posto que o sujeito não menos do que o organismo pertence a um estrato e dele depende? Respondemos agora: é o CsO, é ele a realidade glacial sobre o qual vão se formar estes aluviões, sedimentações, coagulação, dobramentos e assentamentos que compõem um organismo — e uma significação e um sujeito. É sobre ele que pesa e se exerce o juízo de Deus, é ele quem o sofre. É nele que os órgãos entram nessas relações de composição que se chamam organismo. O CsO grita: fizeram-me um organismo! dobraram-me indevidamente! roubaram meu corpo! O juízo de Deus arranca-o de sua imanência, e lhe constrói um organismo, uma significação, um sujeito. É ele o estratificado. Assim, ele oscila entre dois pólos: de um lado, as superfícies de estratificação sobre as quais ele é rebaixado e submetido ao juízo, e, por outro lado, o plano de consistência no qual ele se desenrola e se abre à experimentação. E se o CsO é um limite, se não se termina nunca de chegar a ele, é porque há sempre um estrato atrás de um outro estrato, um estrato engastado em outro estrato. Porque são necessários muitos estratos e não somente o organismo para fazer o juízo de Deus. Combate perpétuo e violento entre o plano de consistência, que libera o CsO, atravessa e desfaz todos os estratos, e as superfícies de estratificação que o bloqueiam ou rebaixam.
(...)
G. Deleuze e F. Guattari in Mil Platôs, vol 3
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