domingo, 31 de janeiro de 2016

Uma prece pelos rebeldes de coração enjaulados.

Tennessee Williams
VIAGENS INTENSAS

Basta dizer que não estou amando. Talvez eu seja ‘indomável’ demais para casos de amor prolongados. O que mais preciso é do mundo. Nunca seria capaz de dizer, nos braços de uma mulher, o mesmo que um herói de Wagner: ‘Deixe-me morrer!’. Quero viver… e ver mais do mundo, & Deus sabe por que, e o amor de uma mulher é um dos muitos amores indomáveis. Uma coisa é certa: a paixão goetheana não é a minha. Há irritação, agitação, ‘loucura’ demais em mim para esse estado de languidez. Preciso correr, sempre. Só dois tipos de mulher servem para mim: uma louca Edie que iguala minha própria impaciência e loucura e horror, até a exaustão de um de nós, ou uma garota simples (parecida com a minha mãe) que absorve e compreende e aceita isso tudo. Ontem mesmo uma mulher em San Francisco sufocou seu bebê até a morte porque ela ‘não queria que qualquer outra pessoa o tocasse’. De fato, sim, ‘deixe-me morrer’ em uma paixão wagneriana… vou acreditar no que Leon Robinson diz em ‘Viagem ao fim da noite’ — ‘estou bastante ocupado tentando me manter vivo’. E junte a isso… ‘e me divertindo loucamente’ com isso. Isso começa a indicar a falta de amor peculiar de minha posição nos últimos 3 anos, talvez nos últimos 26 anos… e nunca gostei tanto de uma ideia sobre mim mesmo, sério, e acho que isso também significa algo: espontaneidade é a palavra que mais me agrada… Por Deus, não é todo dia que se encontra um álibi perfeito para si mesmo, e o mais impressionante é que é tão brutalmente verdadeiro!
(...)
Jack Kerouac

DIMITRI DANISH


PUTIN, O MOSQUITO E A AMERICA LATINA

Um mosquito ameaça nocautear a orgulhosa civilização tecnológica do século XXI. Os autores de ficção imaginaram o mundo de joelhos diante de terroristas, de invasores do espaço, devolvido à Idade da Pedra por uma guerra nuclear total e até mesmo acossado pela progressão incontida de algum vírus misterioso... mas submetido a um mosquito? Isso não. Isso seria enredo de filme de terror de um tempo remoto da humanidade. No começo do século passado, a malária, transmitida por mosquitos, mandou para o hospital dez de cada 100 trabalhadores encarregados da construção do Canal do Panamá - e só oito ­saíam de lá com vida.
Agora, mais de 100 anos depois, um outro mosquito está levando o presidente americano Barack Obama a convocar reuniões de emergência na Casa Branca, em Washington, e, do lado de lá do oceano, tirando do sério outro senhor do mundo, o russo Vladimir Putin. "E agora nos vem uma porcaria da América Latina ", (grifos meus) disse Putin depois de ser informado sobre o potencial de destruição dos vírus transportados pelo mosquito Aedes aegypti. Obama exigiu de seus sábios a produção imediata de uma vacina contra o zika, o vírus mais temido transmitido pelo Aedes aegypti. Ouviu deles que, na melhor das hipóteses, uma vacina contra o zika levará três anos para estar em condições de ser usada em larga escala.
A semana culminou com um alerta da chinesa Margaret Chan, diretora-geral da Organização Mun­dial da Saúde (OMS): "O explosivo avanço do zika vírus é motivo de preocupação, especialmente diante do possível elo entre a infecção durante a gravidez e o nascimento de bebês com microcefalia". Os governos de El Salvador, Colômbia, Jamaica, República Dominicana e Equador recomendaram às mulheres evitar engravidar até 2018. Marcelo Castro, ministro da Saúde do Brasil, foi bombardeado por se sair com sugestão semelhante há algumas semanas. Disse ele: "Torço para que as mulheres peguem zika antes da idade fértil". Uma vez contaminado pelo zika, o organismo é imunizado contra novas infecções. É uma vacina natural. Como reconheceu a presidente Dilma Rousseff: "Estamos perdendo a luta contra o mosquito"
(...)
Adriana Dias Lopes e Carolina Melo, Veja.com,,29/01/2016,21:54

sábado, 30 de janeiro de 2016

ROSAS PASSOS E IVETE SANGALO - Dunas


AOS EMUDECIDOS

Oh, a loucura da cidade grande, quando ao entardecer
Árvores atrofiadas fitam inertes ao longo do muro negro
Que o espírito do mal observa com máscara prateada;
A luz, com açoite magnético, expulsa a noite pétrea.
Oh, o repicar perdido dos sinos da tarde.

A puta, em gélidos calafrios, pare uma criança morta.
A cólera de Deus chicoteia enfurecida a fronte do possesso,
Epidemia purpúrea, fome que despedaça olhos verdes.
Oh, o terrífico riso do ouro.

Mas quieta em caverna escura sangra muda a humanidade,
Constrói de duros metais a cabeça redentora.


Georg Tràki  (tradução: Cláudia Cavalcante)
USAR PSICOFÁRMACOS?

Vinicius Lemos Reis: Como os tratamentos em saúde mental, em especial a terapia medicamentosa, podem se tornar um aprisionamento do sujeito, e não um alívio, revelando um biopoder sobre as subjetividades? 

Antonio Moura: Os psicofármacos constituem uma peça essencial do agenciamento psiquiátrico instituído. Sendo assim, em geral eles são mortificações do desejo, ou mais precisamente, produtores de subjetividades serializadas, padronizadas, normatizadas. No entanto, não são um “mal em si”, tampouco são uma “essência”, exatamente por se instituírem como um dispositivo prático, entre outros. Caso eles sejam utilizados em conexões com outros recursos terapêuticos (muitos a serem inventados) podem ser úteis, sim, notadamente em psicopatologias graves, quando há situações de grande risco para o paciente e/ou outros e em situações clínicas complexas. Contudo, esta não é a realidade mais comum, sendo os remédios químicos, como dito acima, mortificações do desejo, mormente em quadros não graves (neuróticos) quando o paciente costuma substituir seus sintomas por uma dependência abjeta aos antidepressivos, ansiolíticos, sedativos, hipnóticos, estabilizadores do humor, neurolépticos em doses pequenas, enfim, uma invalidação legalizada de suas potências, tudo isso louvado como a melhor das soluções possíveis. Desse modo, o conceito de “biopoder” expressa o corpo instituído como organismo consumidor da química que “naturalmente” lhe falta. Ao psiquiatra que quer fazer algo pelo paciente e não só farmacologizá-lo, toda essa realidade já chega pronta, definida, formatada, à qual ele deve se dobrar se quiser continuar sendo psiquiatra. Este é um ponto crucial de inflexão da minha prática clínica. Ser psiquiatra sem ser psiquiatra. Um paradoxo que escapa à racionalidade médica. Mas, ao mesmo tempo, uma estratégia de combate camuflada ao estilo do agente duplo.

Extraído de entrevista em  "O corpo" - Jornal de Popularização Científica, Ed nº 50 - Labedisco, Uesb, Vitoria da Conquista, novembro/2015.

GRANDES ESCRITOS


FÍSICA DA REVOLUÇÃO

Aprendi através da experiência amarga a suprema lição: controlar minha ira e torná-la como o calor que é convertido em energia. Nossa ira controlada pode ser convertida numa força capaz de mover o mundo.
(...)
Mahatma Gandhi

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

É um olhar para o ser menor, para o
insignificante que eu me criei tendo.
O ser que na sociedade é chutado como uma
barata – cresce de importância para o meu
olho. 

Manoel de Barros

CHET BAKER - EveryTime We Say Goodbye


DO ‘AEDES AEGYPTI’ À TSÉ-TSÉ


A crise brasileira é um fato internacional. Dentro dos nossos limites, estamos puxando a economia mundial para baixo. Nossa queda não impacta tanto quanto a simples desaceleração chinesa. Mas com alguma coisa contribuímos: menos 1% no crescimento global.
Na crise da indústria do petróleo, com os baixos preços do momento, o Brasil aparece com destaque. Cerca de 30% dos projetos do setor cancelados no mundo foram registrados aqui, com o encolhimento da Petrobrás. Dizem que os brasileiros eram olhados com um ar de condolências nos corredores da reunião de Davos. Somos os perdedores da vez.
Diante desse quadro, Dilma diz-se estarrecida com as previsões negativas do FMI. Quase todo mundo está prevendo uma crise de longa duração e queda no PIB. Centenas de artigos, discursos e relatórios fortalecem essa previsão. Dilma, se estivesse informada, ficaria estarrecida por o FMI ter levado tanto tempo para chegar a essa conclusão. Ela promete que o Brasil volta a crescer nos próximos meses. No mesmo tom, Lula declarou aos blogueiros amestrados que não existe alma viva mais honesta do que ele. Não é recomendável entrar nessas discussões estúpidas. Não estou seguro nem se o Lula é realmente uma alma viva.
A troca de Levy por Barbosa está sendo vista como uma luta entre keynesianos e neoliberais. Pelo que aprendi de Keynes, na biografia escrita por Robert Skidelsky, é forçar um pouco a barra acreditar que sua doutrina é aplicável da forma que querem no Brasil de hoje. É um Keynes de ocasião, destinado principalmente a produzir algum movimento vital na economia, num ano em que o País realiza eleições municipais. É o voo da galinha, ainda que curtíssimo e desengonçado como o do tuiuiú.
O Brasil precisa de uma década de investimentos vigorosos, para reparar e modernizar sua infra. Hoje, proporcionalmente, gastamos nisso a metade do que os peruanos gastam.
O governo não tem fôlego para realizar essa tarefa. Isso não significa que não haja dinheiro no Brasil ou no mundo. Mas são poucos os que se arriscam a investir aqui. Não há credibilidade. O populismo de esquerda não é uma força qualquer, ele penetra no inconsciente de seus atores com a certeza de que estão melhorando a vida dos pobres. E garante uma couraça contra as críticas dos que “não querem ver pobre viajando de avião”.
Em 2016 largamos na lanterna do crescimento global. Dilma está estarrecida com isso e a mais honesta alma do Brasil diz “sai um lorde Keynes aí” como se comprasse cigarros num botequim de São Bernardo do Campo.
Aos poucos, o Brasil vai se dando conta da gravidade da epidemia causada pelo Aedes aegypti. Gente com zika foi encontrada nos EUA depois de viajar para cá. As TVs de lá martelam advertências às grávidas. Na Itália quatro casos de contaminação foram diagnosticados em viajantes que passaram pelo Brasil. O ministro da Saúde oscila entre a depressão e o entusiasmo. Ora exagera o potencial das campanhas preventivas, ora reconhece de forma fatalista que o Brasil está perdendo feio a guerra para o mosquito. Com nossa estrutura urbana, é quase impossível acabar com o mosquito. Mas há o que fazer.
Não se viu Dilma estarrecida diante da epidemia. Nem a mais honesta alma do Brasil articulando algo nessa direção. Solução que depende do tempo, a vacina ainda é uma palavra mágica.
No entanto, estamos nas vésperas da Olimpíada. Os líderes que a trouxeram para o Brasil, nos tempos de euforia, quase não tocam no assunto; não se sentam para avaliar como nos degradamos e como isso já é percebido com clareza lá fora.
A Economist publica uma capa com Dilma olhando para baixo e o título: A queda do Brasil. Na economia, área em que as coisas andam mais rápidas, não há mais dúvidas sobre o fracasso.
A segunda maior cidade do Rio, Estado onde se darão os Jogos, simplesmente quebrou. Campos entrou em estado de emergência econômica, agora que os royalties do petróleo parecem uma ilusão de carnaval.
O problema dos salvadores do povo é que não percebem outra realidade exceto a de permanência no poder. Quanto pior a situação, mais se sentem necessários. Os irmãos Castro acham que salvaram Cuba e levaram a um patamar superior ao da Costa Rica, por exemplo. O chavismo levou a Venezuela a um colapso econômico, marcado pelas filas para produtos de primeira necessidade, montanhas de bolívares para comprar um punhado de dólares. Ainda assim, seus simpatizantes dizem, mesmo no Brasil, que a Venezuela está muito melhor do que se estivesse em mãos de liberais.
O colapso, a ruína, a decadência, nada disso importa aos populistas de esquerda. Apenas ressaltam suas boas intenções e a maldade dos críticos burgueses, da grande mídia, enfim, de qualquer desses espaços onde acham que o diabo mora. O Lula tornou-se o símbolo desse pensamento. Na semana em que se suspeita de tudo dele, do tríplex à compra de caças, do petrolão às emendas vendidas, chegou à conclusão de que não existe alma viva mais honesta do que ele.
Aqueles que acreditam num diálogo racional com o populismo de esquerda deveriam repensar seu propósito. Negar a discussão racional pode ser um sintoma de intolerância. Existe uma linha clara entre ser tolerante e gostar de perder tempo. O mesmo mecanismo que leva Lula a se proclamar santo é o que move a engrenagem política ideológica do PT. Quando a maré internacional permitiu o voo da galinha, eles se achavam mestres do crescimento. Hoje, com a maré baixa, consideram-se os mártires da intolerância conservadora. Simplesmente não adianta discutir. No script deles, serão sempre os mocinhos, nem que tenham de atacar a própria Operação Lava Jato.
Considerando que Cuba é uma ditadura e a Venezuela chega muito perto disso com sua política repressiva, como explicar a aberração brasileira?
Certamente algum mosquito nos mordeu para suportarmos mentiras que nos fazem parecer otários. Não foi o Aedes aegypti. A tsé-tsé, quem sabe?

Fernando Gabeira - extraído do blog "Gabeira" em 29/01/2016

A GUERRA ACABOU, direção de Alain Resnais, 1966 (roteiro de Jorge Semprún)


JAPÃO NÃO CONSEGUE AUMENTAR A INFLAÇÃO


O banco central do Japão cortou inesperadamente a taxa de juros para território negativo nesta sexta-feira, surpreendendo os investidores com outra medida audaciosa para reanimar a economia num cenário em que os mercados instáveis e a desaceleração do crescimento global ameaçam seus esforços para superar a deflação.
Por cinco votos a quatro, o BC japonês decidiu apenas cobrar juros de 0,1% em depósitos de conta corrente selecionados que instituições financeiras mantiverem na instituição - o que, na prática, é o juro negativo. Essa política agressiva teve como pioneiro o Banco Central Europeu (BCE). Após a decisão, as bolsas subiram em toda a Ásia, o iene caiu e os títulos soberanos avançaram.
"O importante é mostrar às pessoas que o banco central está comprometido em alcançar inflação de 2% e que vai fazer o que for preciso para alcançar isso", disse o presidente do BC, Haruhiko Kuroda, em entrevista à imprensa após a decisão.
Ao adotar taxa de juros negativa, o Japão está lançando mão de uma nova arma em sua longa batalha contra a deflação, que desde a década de 1990 desencoraja os consumidores a fazerem grandes compras porque esperam que os preços caiam mais. A deflação é considerada como a raiz de duas décadas de mal-estar econômico. Em dezembro, a inflação ao consumidor ficou em apenas 0,1%, apesar dos três anos de impressão de dinheiro agressiva.
Kuroda disse que a terceira maior economia do mundo está se recuperando de forma moderada e que a tendência de preços está subindo de modo firme. "Mas existe o risco de que as recentes quedas nos preços do petróleo, incertezas sobre as economias emergentes, incluindo a China, e instabilidade nos mercados globais possam afetar a confiança empresarial e adiar a erradicação da mentalidade deflacionária do povo", disse ele. "O Banco do Japão decidiu adotar juros negativos (...) para prevenir que tais riscos se materializem."
(...)
Do Veja.com, 29/01/2016, 11:02 hs
A VERIFICAR

Uma reportagem publicada nesta quinta-feira no site da revista científica Nature destacou um levantamento no qual pesquisadores do grupo de estudos latino-americano ECLAMC (Estudo Colaborativo de Malformações Congênitas) questionam o surto de microcefalia no Brasil.
De acordo com os pesquisadores Ieda Maria Orioli, que é professora UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), e Jorge Lopez-Camelo, o aumento de casos da doença poderia ser atribuído ao fato de, após o aparecimento dos primeiros relatos, ter crescido a atenção a problemas de nascença, como a microcefalia, e também por diagnósticos errados.
Segundo os pesquisadores afirmaram à publicação, pelos dados epidemiológicos que eles analisaram, é impossível estabelecer o tamanho real do surto de microcefalia.
A visão deles é contestada por outros especialistas, pelo governo e por órgãos internacionais.
(...)
BBC Brasil, 28/01/2016

WILLIAM TURNER


As mulheres são feitas para serem amadas, não para serem compreendidas.

Oscar Wilde
TAL VERDADE QUAL MENTIRA

A linguagem não foi feita para comunicar e/ou informar mas, antes, para mandar e comandar. Tal premissa está nos desenvolvimentos teóricos de Foucault e Deleuze-Guattari, entre outros. Assim, a categoria "verdade" não é o mais importante como elemento linguístico. No universo político brasileiro, por exemplo, a MENTIRA está tão incorporada, embutida, azeitada como pressuposto discursivo implícito, que é quase impossível ao cidadão em geral saber o que se passa, do que se trata... E se juntarmos a esses dados o discurso midiático povoado de imagens fetichistas e mistificadoras do real, fica a impressão de que vivemos, nós, brasileiros, num mundo à parte, o dos bestializados, para usar o termo de J. Murilo de Carvalho. Ou, como diria Spinoza, afetos tristes envenenando as populações.

A.M.

LUIZ MELODIA - Que Loucura


Menino chorando na noite
Na noite lenta e morna, morta noite sem ruído, um menino chora.
O choro atrás da parede, a luz atrás da vidraça
perdem-se na sombra dos passos abafados, das vozes extenuadas.
E no entanto se ouve até o rumo da gota de remédio caindo na colher.
Um menino chora na noite, atrás da parede, atrás da rua,
longe um menino chora, em outra cidade talvez,
talvez em outro mundo.
E vejo a mão que levanta a colher, enquanto a outra sustenta a cabeça
e vejo o fio oleoso que escorre pelo queixo do menino,
escorre pela rua, escorre pela cidade (um fio apenas).
E não há ninguém mais no mundo a não ser esse menino chorando.

Carlos Drummond de Andrade
COMO FUNCIONA A COISA

Dado que uma sociedade, segundo Smith, não é feliz quando a maioria sofre...é necessário concluir que a infelicidade da sociedade é a meta da economia política. As únicas engrenagens acionadas pela economia política são a avidez pelo dinheiro e a guerra entre aqueles que padecem disso, a concorrência.
(...)
Karl Marx
Só agora a Folha descobriu tudo isso? Huumm...estranho...

Eu aguardo. Mas não espero nada.

Jacques Lacan

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016


O CÉREBRO NÃO MENTE

Nesse momento , de um integrante da equipe da Operação Triplo X.
Ele disse o seguinte: "A Lava Jato atingiu o sistema nervoso central da lavagem de dinheiro no Brasil, com conexões internacionais. É maior que o petrolão."

Extraído do site "O Antagonista" em 28/01/2016, às 21:24 hs
O SOLITÁRIO

Entrou num bar
e permaneceu
três horas
conversando apenas
com a boca de um copo.

Depois
com as bocas de algumas garrafas.

E aqueles objetos
entendiam tudo perfeitamente
-o que é mais grave.


Luis Sérgio dos Santos
QUE ROSTO!

O rosto não é um invólucro exterior àquele que fala, que pensa ou que sente. A forma do significante na linguagem, suas próprias unidades continuariam indeterminadas se o eventual ouvinte não guiasse suas escolhas pelo rosto daquele que fala ("veja, ele parece irritado...", "ele não poderia ter dito isso...", "você vê meu rosto quando eu converso com você...", "olhe bem para mim..."). Uma criança, uma mulher, uma mãe de família, um homem, um pai, um chefe, um professor primário, um policial, não falam uma língua em geral, mas uma língua cujos traços significantes são indexados nos traços de rostidade específicos. Os rostos não são primeiramente individuais, eles definem zonas de freqüência ou de probabilidade, delimitam um campo que neutraliza antecipadamente as expressões e conexões rebeldes às significações conformes. Do mesmo modo, a forma da subjetividade, consciência ou paixão, permaneceria absolutamente vazia se os rostos não formassem lugares de ressonância que selecionam o real mental ou sentido, tornando-o antecipadamente conforme a uma realidade dominante. O rosto é, ele mesmo, redundância. E faz ele mesmo redundância com as redundâncias de significância ou freqüência, e também com as de ressonância ou de subjetividade. O rosto constrói o muro do qual o significante necessita para ricochetear, constitui o muro do significante, o quadro ou a tela. O rosto escava o buraco de que a subjetivação necessita para atravessar, constitui o buraco negro da subjetividade como consciência ou paixão, a câmera, o terceiro olho. 
(...)
G. Deleuze e F. Guattari in Mil Platôs, vol 3
DORES DE CIFRAS - II

Em um ano marcado pela recessão na economia e pelo pagamento das chamadas "pedaladas fiscais", as contas do governo tiveram forte deterioração e registraram um rombo recorde de R$ 114,98 bilhões, ou 1,94% do Produto Interno Bruto (PIB), informou a Secretaria do Tesouro Nacional nesta quinta-feira (28).
Foi o segundo ano seguido de déficit fiscal primário - que considera apenas receitas e despesas, sem contar juros da dívida. Este foi, de longe, o pior resultado das contas públicas desde o início da série histórica, em 1997, ou seja, em 19 anos. Até então, o pior saldo havia sido registrado em 2014, quando foi contabilizado um déficit primário de R$ 17,21 bilhões, ou 0,3% do PIB. Os números mostram que a piora do resultado, de 2014 para 2015, foi de R$ 97,77 bilhões.
As receitas totais do governo subiram 2,1% em todo ano passado. Já as despesas totais cresceram 11,6% em 2015, ou seja, mais que o cinco vezes a expansão das receitas.
(...)
Alexandro Martello, Do G1, em Brasília, 28/01/2016,  12:13 hs

JOÃO BOSCO - Quilombo, Tiro de Misericórdia, Escadas da Penha


DESAUTORIA

Sabemos agora que um texto não é feito de uma linha de palavras a produzir um sentido único, de certa maneira teológico (que seria a “mensagem” do AutorDeus), mas um espaço de dimensões múltiplas, onde se casam e se contestam escrituras variadas (...) Uma vez afastado o Autor, a pretensão de “decifrar” um texto se torna totalmente inútil. Dar ao texto um Autor é impor-lhe um travão, é provê-lo de um significado último, é fechar a escritura. 
(...)
Roland Barthes

GRANDES ESCRITOS


DORES DE CIFRAS

O Brasil encerrou 2015 com taxa de desemprego de 6,9%, segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O porcentual é maior que o de dezembro de 2014, quando a taxa de desocupação foi de 4,3%.
A taxa de 6,9% é a mais alta para o mês de dezembro desde 2007, quando chegou a 7,4%, segundo o IBGE. A taxa de desocupação média de janeiro a dezembro foi estimada em 6,8% no ano passado e em 4,8% em 2014. Essa elevação de dois pontos porcentuais, de acordo com o IBGE, foi a maior de toda a série anual da pesquisa e também interrompeu a trajetória de queda, registrada desde 2010.
Em 2015, o número médio de desocupados foi de 1,7 milhão de pessoas, volume 42,5% maior que o registrado em 2014, quando a média de pessoas sem ocupação profissional foi de 1,2 milhão. A despeito do aumento, o número de 2015 ainda é menor que o de 2003, quando a média de desocupados foi de 2,7 milhões de pessoas. Entre 2003 e 2015, o número de pessoas sem trabalho caiu 35,5%, o equivalente a 940.000 pessoas.
A renda média dos trabalhadores também caiu no ano passado. O recuo entre 2014 e 2015 foi de 5,8%, passando de 2.373 reais para 2.235 reais. Houve queda em todos os segmentos apurados pelo IBGE: Empregados com carteira de trabalho assinada no setor privado (-3,3%), empregados sem carteira no setor privado (-5,1%), militares ou funcionários públicos estatutários (-1,8%), trabalhadores por conta própria (-4,1%) e empregadores (-6,2%).
(...)
Da Veja.com, 28/01/2016, 09:55 hs
HIPERCONTROLE

A ditadura perfeita terá a aparência da democracia, uma prisão sem muros na qual os prisioneiros não sonharão sequer com a fuga. Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e ao divertimento, os escravos terão amor à sua escravidão.
(...)
Aldous Huxley
O sexo é sujo? Só se for bem feito.

Woody Allen

JONAS GERARD


Seis ou Treze Coisas que Aprendi Sozinho

1
Gravata de urubu não tem cor.
Fincando na sombra um prego ermo, ele nasce.
Luar em cima de casa exorta cachorro.
Em perna de mosca salobra as águas se cristalizam.
Besouros não ocupam asas para andar sobre fezes.
Poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina.
No osso da fala dos loucos têm lírios.

3
Tem 4 teorias de árvore que eu conheço.
Primeira: que arbusto de monturo agüenta mais formiga.
Segunda: que uma planta de borra produz frutos ardentes.
Terceira: nas plantas que vingam por rachaduras lavra um poder mais lúbrico de antros.
Quarta: que há nas árvores avulsas uma assimilação maior de horizontes.

7
Uma chuva é íntima
Se o homem a vê de uma parede umedecida de moscas;
Se aparecem besouros nas folhagens;
Se as lagartixas se fixam nos espelhos;
Se as cigarras se perdem de amor pelas árvores;
E o escuro se umedeça em nosso corpo.

9
Em passar sua vagínula sobre as pobres coisas do chão, a
lesma deixa risquinhos líquidos...
A lesma influi muito em meu desejo de gosmar sobre as
palavras
Neste coito com letras!
Na áspera secura de uma pedra a lesma esfrega-se
Na avidez de deserto que é a vida de uma pedra a lesma
escorre. . .
Ela fode a pedra.
Ela precisa desse deserto para viver.

11
Que a palavra parede não seja símbolo
de obstáculos à liberdade
nem de desejos reprimidos
nem de proibições na infância,
etc. (essas coisas que acham os
reveladores de arcanos mentais)
Não.
Parede que me seduz é de tijolo, adobe
preposto ao abdomen de uma casa.
Eu tenho um gosto rasteiro de
ir por reentrâncias
baixar em rachaduras de paredes
por frinchas, por gretas - com lascívia de hera.
Sobre o tijolo ser um lábio cego.
Tal um verme que iluminasse.

12
Seu França não presta pra nada -
Só pra tocar violão.
De beber água no chapéu as formigas já sabem quem ele é.
Não presta pra nada.
Mesmo que dizer:
- Povo que gosta de resto de sopa é mosca.
Disse que precisa de não ser ninguém toda vida.
De ser o nada desenvolvido.
E disse que o artista tem origem nesse ato suicida.

13
Lugar em que há decadência.
Em que as casas começam a morrer e são habitadas por
morcegos.
Em que os capins lhes entram, aos homens, casas portas
a dentro.
Em que os capins lhes subam pernas acima, seres a
dentro.
Luares encontrarão só pedras mendigos cachorros.
Terrenos sitiados pelo abandono, apropriados à indigência.
Onde os homens terão a força da indigência.
E as ruínas darão frutos

Manoel de Barros
DEPOIS

As relações humanas nunca funcionavam mesmo. Só as duas primeiras semanas tinham alguns "tchans"; a partir daí, os parceiros perdiam o interesse. Caíam as máscaras e as verdadeiras pessoas começavam a aflorar: maníacas, imbecis, dementes, vingativas, sádicas, assassinas.
(...)
Charles Bukowski

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

José Simão sobre a praça dos três poderes: 

1. Se gradear, vira zoológico. 
2. Se murar, vira presídio. 
3. Se cobrir com lona, vira circo. 
4. Se botar luz vermelha, vira puteiro. 
5. Se der a descarga, não sobra ninguém.

P.S. -Atual
PSIQUIATRIA CLÍNICA NO CAPS

Num território clínico encharcado pelo uso generalizado de psicofármacos, como fazer a diferença? O próprio paciente quer fármacos, pede isso, mais e mais,naturalizando a função de psiquiatra com a de “passador de remédios”. Mas não só o paciente. “Todos” pedem mais remédios químicos para, entre outros objetivos, manter a Ordem no serviço. Trata-se de um legado do antigo hospital que se mantém atuante como necessidade de haver um psiquiatra. São argumentos variados. Vejamos:1-clínicos: as psicoses são consideradas como as patologias mentais mais graves; por isso, só um psiquiatra estaria capacitado para tratá-las, pelos menos num primeiro instante; 2-morais: os transtornos mentais levam os seus portadores a condutas socialmente inadequadas, às vezes violentas; o psiquiatra deve ser chamado;3-jurídicos: o psiquiatra é médico e esse dado implica num poder jurídico estabelecido, o que o diferencia dos demais técnicos; 4-institucionais: a relação de poder psiquiatra-paciente fornece o modelo de atendimento que se reproduz como verdade da clínica. Ora, se pretendemos outro tipo de trabalho, a função-psiquiatra deve ser estilhaçada, fragmentada, e é desse modo que tentamos a inserção no caps.A escuta do paciente e o movimento dialógico  até os demais técnicos são linhas técnicas que podem fazer surgir um trabalho singular. Ou nada.

A.M.

LIANNE LA HAVAS - Green & Gold


sábado, 16 de janeiro de 2016

A PRODUÇÃO DA MAIS VALIA

(...) (...) O produto, de propriedade do capitalista, é um valor-de-uso, fios, calçados etc. Mas, embora calçados sejam úteis à marcha da sociedade e nosso capitalista seja um decidido progressista, não fabrica sapatos por paixão aos sapatos. Na produção de mercadorias, nosso capitalista não é movido por puro amor aos valores-de-uso. Produz valores-de-uso apenas por serem e enquanto forem substrato material, detentores de valor-de-troca. Tem dois objetivos. Primeiro, quer produzir um valor-de-uso, que tenha um valor-de-troca, um artigo destinado à venda, uma mercadoria. E segundo, quer produzir uma mercadoria de valor mais elevado que o valor conjunto das mercadorias necessárias para produzi-la, isto é, a soma dos valores dos meios de produção e força de trabalho, pelos quais antecipou seu bom dinheiro no mercado. Além de um valor-de-uso quer produzir mercadoria, além de valor-de-uso, valor, e não só valor, mas também valor excedente (mais valia).
(...)
K. Marx
OUTRO PROCESSO

Devemos participar também de todo o sofrimento que nos cerque. O que cada um de nós possui não é um corpo, mas um processo de crescimento que nos leva a experimentar todo tipo de dor. Assim como uma criança evolui através de todos os estágios da vida, até à velhice e à morte (cada um desses estágios aparentemente inatingível a partir do outro, seja por medo ou frustrado desejo), também evoluímos nós (não menos profundamente ligados à humanidade do que a nós mesmos) através de todo o sofrimento deste mundo. Não há lugar para justiça ao longo desse processo, da mesma maneira que não há para o medo da dor ou a atribuição de qualquer mérito a ela.
(...)
Franz Kafka

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

ALEXEY SLUSAR


Sexo não é obsceno. Guerras são obscenas.

Henry Miller
CONTOS DE TERROR 


A profusão de escândalos que atormenta o contribuinte brasileiro, deu ao Orçamento da União a aparência de um cartapácio que discrimina a receita e relaciona as despesas públicas que vão sair pelo ladrão no decorrer do ano. Nesta sexta-feira, o Diário Oficial circula com o Orçamento da União para o ano de 2016. Sancionada por Dilma Rousseff sem vetos, a peça contém uma excentricidade. Inclui na coluna das receitas um tributo fantasma: a CPMF.

Na improvável hipótese de tudo ocorrer como previsto no Orçamento, o governo espera obter uma receita de R$ 2,954 trilhões. Estão incluídos nessa conta R$ 10,15 bilhões que seriam providos pela coleta da CPMF, um imposto que o Congresso se recusou a aprovar em 2015. Não há no horizonte evidências de que deputados e senadores mudarão de ideia.

Fica entendido que, num instante em que o Brasil está mergulhado em pessimismo, o otimismo tornou-se a última delirante forma de esperança do governo. Dilma acredita que, em pleno ano eleitoral, os parlamentares, muitos deles candidatos a prefeito, recriarão um tributo refugado pela sociedade. Quem acredita piamente em algo assim, perde o direito de piar quando a fantasia for suplantada pela realidade.

O Orçamento contém outras fábulas. Por exemplo: com as contas públicas em desalinho, o governo se compromete a entregar no final do ano um superávit primário de 0,5% do PIB. Para que isso ocorra, a União terá de economizar R$ 24 bilhões e rezar para que Estados e municípios poupem R$ 6,5 bilhões, perfazendo uma cifra consolidada de R$ 30,55 bilhões. Não é sem razão que a turma do mercado financeiro, escaldada pelo histórico perdulário da gestão Dilma, estima um déficit de 0,9% do PIB para 2016.

Numa evidência de que a conjuntura não comporta ingenuidades, o Orçamento fulmina o discurso de Dilma segundo o qual seu governo conservará os investimentos sociais a salvo da crise. Por exemplo: estima-se que os gastos com o programa Minha Casa, Minha Vida serão de R$ 6,9 bilhões em 2016, um valor quase três vezes inferior aos R$ 19,2 bilhões aplicados no ano passado. E vem aí o já anunciado reajuste das prestações para a clientela de contratos novos.

Dilma tentará manter a mística da vocação social da sua gestão com o programa Bolsa Família, para o qual o Orçamento preservou verbas de R$ 28,2 bilhões. Mas o lero-lero será envenenado pelos efeitos que a inflação exerce sobre os benefícios repassados às famílias pobres, maiores vítimas da corrosão de uma carestia que roda na casa dos dois dígitos. Com uma inflação acima de 10%, onde comem dois, já não come nem um.

Pouca gente reparou. Mas o célebre PAC, outra menina dos olhos das administrações petistas, sumiu da retórica oficial. O Orçamento ajuda a explicar o sumiço: reservaram-se R$ 16,8 bilhões para aplicar no Programa de Aceleração do Crescimento em 2016. É menos da metade dos R$ 38,9 bilhões anotados no Orçamento de 2015. Natural. Aceleração e crescimento são vocábulos que não ornam com o ambiente recessivo. No seu segundo mandato, Dilma padece os efeitos da ruína que herdou de si mesma. Com uma agravante: depois de 13 anos de PT no poder, a presidente já não pode recorrer à tática de chutar FHC. Soaria ridículo.

De resto, como ocorre em todo início de exercício fiscal, o governo já prepara o decreto com o contingenciamento (pode me chamar de facão) de verbas orçamentárias. Em petição de miséria, os ministros serão informados sobre os cortes que terão de executar nos borderôs de suas respectivas pastas. O déficit de credibilidade da administração Dilma, potencializado pela troca de Joaquim Levy por Nelson Barbosa no comando da Fazenda, impõe o manuseio implacável da adaga. Devem ser passados na lâmina inclusive dispêndios de áreas estratégicas como Educação e Saúde.

Do Blog do Josias de Souza,15/01/2016, 03:17 hs
Alguém dentro de mim
mente para me proteger.
Não sei quem tem razão
sobre meus desastres.
Se permaneci em excesso
e não varei a outra margem.
Se me deixei fora por muito tempo
e esqueci o endereço.

Quando estamos próximos de dizer
é que não estamos mais aqui.


Fabrício Carpinejar

GRANDES ESCRITOS


ARTAUD

(...) O que Artaud propõe ao final não segue a lógica do dominado, é uma revolução ontológica, não é o avesso da ordem, nem a simples negação da mesma. Ele identifica nas religiões – principalmente abraânicas, na codificação jurídica – principalmente na tradição de Teodósio e Justiniano, e na formação social – principalmente européia; uma formação antropocêntrica do homem não coerente, um embuste com falhas e buracos tapados para que o sistema não caia. As poucas saídas como a loucura e o ritual são marginalizadas e socialmente impedidas de se desenvolverem. Artaud desiste de buscar uma saída, um buraco de escape, ele explode, ou melhor, implode o homem, e com ele todos os seus sistemas. É pelo devir animal, devir “micróbio” – como ele diz – que os órgãos voltam a servir ao homem e não o contrário. Os órgãos existem, mas em função de suas tarefas momentâneas, adquiridas durante seus diferentes papéis em cada rito e extintos, reabsorvidos, dispersos, logo após sua utilização. Ele o exemplifica através do erotismo imanente, onde suas zonas são determinadas pelos afetos. Todas as noções de Artaud foram completamente baseadas em experiências e esse pragmatismo auxiliou-o a manter-se sempre conectado com o mundo. Segundo suas últimas cartas ele confiava ao corpo sem órgãos o prazer de viver, não por dar sentido ou valor à vida, esta já se justificava por ela mesma. Para Artaud a vida valia por ela mesma. Ainda mais, em seu processo de esclarecimento, Artaud percebeu que o mais importante é não desistir de lutar contra qualquer coisa que retire da vida este valor, depositando-o em outro lugar – num mundo ideal ou espiritual – para depois prometer ou vender a realização de alcançar a única coisa que nunca nos falta: a própria vida.

Humberto Giancristofano, da Revista Eletrônica "Questão de Crítica", 19/03/2010

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

PARADOXOS

Em oposição aos meus apaixonados sentimentos de justiça e deveres sociais, sempre experimentei a total ausência de me aproximar dos homens e das sociedades humanas. Apraz-me sentir-me só. Nunca me entreguei de corpo e alma a um círculo de amigos, ao Estado, nem à minha própria família. Pelo contrário, sempre senti nesses laços o indefinível sentimento de ser um estranho em seu desejo de solidão.
(...)
Albert Einstein

TOM ZÉ - Se O Caso É Chorar


Do amor conheço os sintomas e os hematomas.

Paulo Leminski
O QUE É A POESIA?

Entendo que a poesia é negócio de grande responsabilidade, e não considero rotular-se de poeta quem apenas verseje por dor-de-cotovelo, falta de dinheiro ou momentânea tomada de contato com as forças líricas do mundo, sem SE entregar aos trabalhos cotidianos e secretos da técnica, da leitura, da contemplação e mesmo da ação. Até os poetas se armam, e um poeta desarmado é, mesmo um ser a mercê de inspirações fáceis, dóceis às modas e compromissos.

Carlos Drumond de Andrade
MAIS AMAR

O amor é uma espécie de preconceito. A gente ama o que precisa, ama o que faz sentir bem, ama o que é conveniente. Como pode dizer que ama uma pessoa quando há dez mil outras no mundo que você amaria mais se conhecesse? Mas a gente nunca conhece.
(...)
Charles Bukowski

IRENE SHERI


DESTINO

Imagina tu, leitor, uma redução dos séculos, e um desfilar de todos eles, as raças todas, todas as paixões, o tumulto dos Impérios, a guerra dos apetites e dos ódios, a destruição recíproca dos seres e das coisas. Tal era o espetáculo, acerbo e curioso espetáculo. A história do homem e da Terra tinha assim uma intensidade que lhe não podiam dar nem a imaginação nem a ciência, porque a ciência é mais lenta e a imaginação mais vaga, enquanto que o que eu ali via era a condensação viva de todos os tempos. Para descrevê-la seria preciso fixar o relâmpago. Os séculos desfilavam num turbilhão, e, não obstante, porque os olhos do delírio são outros, eu via tudo o que passava diante de mim,— flagelos e delícias, — desde essa coisa que se chama glória até essa outra que se chama miséria, e via o amor multiplicando a miséria, e via a miséria agravando a debilidade. Aí vinham a cobiça que devora, a cólera que inflama, a inveja que baba, e a enxada e a pena, úmidas de suor, e a ambição, a fome, a vaidade, a melancolia, a riqueza, o amor, e todos agitavam o homem, como um chocalho, até destruí-lo, como um farrapo.
(...)
Machado de Assis
Isto sim é que e Congresso eficiente! Ele mesmo rouba, ele mesmo investiga, ele mesmo absolve.

Millôr Fernandes
DESNATURAL

Não aceites o habitual como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar.
(...)
Bertolt Brecht

LULA 1989 - PARA ESQUECER


JACARTA TAMBÉM É PARIS

Pelo menos sete pessoas morreram, entre elas cinco agressores e dois civis, após um ataque com explosivos que foi seguido por um tiroteio nesta quinta-feira no centro de Jacarta, a capital da Indonésia. A polícia detalhou que o ataque foi cometido por um gripo de dez a catorze homens armados e que dois deles teriam se explodido. A primeira detonação aconteceu ao meio-dia do horário local (03h00 de quarta-feira, em Brasília) em um posto de polícia, segundo a emissora DetikTV, que exibiu imagens divulgadas nas redes sociais onde é possível ver pelo menos o corpo de um oficial estirado na rua.
Após a explosão, teve início um intenso tiroteio seguido por mais explosões, que feriram vários agentes e pelo menos três civis. A troca de tiros continuou em um cinema e em uma loja da rede Starbucks, situados no centro comercial Sarinah, que fica no bairro de Jalan Thamrin, próximo do palácio presidencial e do escritório da Organização das Nações Unidas (ONU). A polícia isolou a área ao redor do centro comercial, onde estariam pelo menos seis agressores e onde continuam os tiroteios.
(...)
Da Veja.com - Mundo, 14/01/2016, 07:40 hs
CRIMES. BR

Numa só jogada de boliche, o delator Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobrás e da BR Distribuidora, mira três ex-presidentes e balança a presidente Dilma Rousseff. É intrigante, ou pior, angustiante confirmar a desenvoltura e a sofreguidão com que a BR Distribuidora foi tomada de assalto pelo poder político, tanto quanto a própria Petrobrás, hoje campeã mundial de endividamento, e os fundos de pensão, que viraram pau para toda obra. O que sobra, afinal?
A BR, ou Petrobrás Distribuidora S.A., é uma sociedade anônima de capital fechado, subsidiária integral da Petrobrás. Criada em setembro de 1971, é a maior rede de postos de distribuição de derivados de petróleo do país. Hoje, está presente em todo o território nacional com cerca de 7.500 postos de serviços e mais de 10 mil grandes clientes entre indústrias, termoelétricas, companhias de aviação e frotas de caminhões, tratores e carros.
Em seu site oficial, a companhia se gaba de ser “uma das empresas brasileiras que mais valoriza o seu capital humano”. E continua: “Faz isso porque sabe que é impossível alcançar seus resultados financeiros, de produtividade, de tecnologia, sem valorizar as pessoas que nela trabalham”. A questão é quem é valorizado. Ou melhor, quem manda lá.
Toda essa potência virou um joguete político. Caiu no colo de um sujeito já mais do que conhecido como Fernando Collor, foi manipulada pelo braço direito dele, Pedro Paulo Leoni Ramos, assaltada por políticos de diferentes partidos e vilipendiada de vários modos. Exemplo contundente do que virou: Lula embrulhou em papel de presente a diretoria mais sensível da BR, a de Finanças e Serviços, e, segundo ele, a deu como mimo para Nestor Cerveró - que é quem é.
Em suas delações e em documentos sobre elas encontrados pela Polícia Federal no gabinete do senador Delcídio Amaral (então líder do governo e atualmente na cadeia), Cerveró fala genericamente de propina de US$ 100 milhões “ao governo FHC” na compra de uma empresa petrolífera na Argentina. Também diz que ganhou de presente de Lula uma diretoria da BR - justamente a de Finanças! - por ter facilitado uma operação do banco Schahin para o PT. Revela que Lula teria ofertado todas as diretorias da BR para Fernando Collor e propôs reunião da cúpula da empresa com ele e arremata contando que Dilma teria avalizado a decisão.
É ou não de tirar o fôlego? Se mentir, Cerveró corre o risco de perder todas as vantagens da delação premiada e cair no pior dos mundos e na pior das penas. Lembram-se de Marcos Valério, do mensalão? É por isso que os investigadores levam os depoimentos de Cerveró a sério e é por isso que Delcídio Amaral morria de medo das revelações que ele faria. A ponto de cair como um patinho na rede do filho do ex-gerente da Petrobrás e acabar sendo preso não pelas roubalheiras, mas por tentar planejar a fuga de Cerveró para bem longe do Brasil, da Lava Jato e dele próprio.
Nos relatos sobre a bilionária roubalheira no setor de petróleo do Brasil, a BR Distribuidora aparece como um joguete de mão e mão, roubada por diretores, funcionários e clientes, ao sabor da conveniência política. E o mais grave é que ela não era e não é um caso isolado, mas apenas parte de um esquema que emerge a cada dia da Lava Jato em estatais, bancos públicos, agências de governo. Você está estarrecido? Pois não fique. Vem muito mais por aí, isso está longe do fim.
(...)
Eliane Cantanhêde, Estadão. Política,13/01/2016,03:00 hs

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

CLÁUDIO ZOLI - Cada um, cada um


PARA ALÉM DO EU

Ao tomar uma decisão de menor importância, eu descobri que é sempre vantajoso considerar todos os prós e contras. Em assuntos vitais, no entanto, tais como a escolha de um companheiro ou profissão, a decisão deve vir do inconsciente, de algum lugar dentro de nós. Nas decisões importantes da vida pessoal, devemos ser governados, penso eu, pelas profundas necessidades íntimas da nossa natureza.
(...)
Sigmund Freud
marcatempo



– olha a passarinhada

– onde?

– passou


Charles

CERVERÓ


MINISTRO TORCEDOR

Ao anunciar nesta quarta-feira que as pesquisas para criação de uma vacina contra o zika começarão ainda no primeiro semestre deste ano, o ministro da Saúde, Marcelo Castro, aproveitou para fazer uma brincadeira envolvendo o vírus associado a mais de 3.500 casos de microcelafia em bebês no país. Ele disse que torceria para que mulheres se contaminem pelo zika antes da idade fértil. O comentário foi feito quando Castro falava sobre os projetos de desenvolvimento de vacina contra o vírus, que chegou ao Brasil no ano passado e já circula em 20 Estados.
O ministro disse que o imunizante, uma vez desenvolvido, seria fornecido para parte da população considerada mais suscetível. "Não vamos dar vacina para 200 milhões de brasileiros. Mas para pessoas em período fértil. E vamos torcer para que mulheres antes de entrar no período fértil peguem a zika, para elas ficarem imunizadas pelo próprio mosquito. Aí não precisa da vacina", disse, em tom de brincadeira.
(...)
Da Veja.com, 13/01/2016, 16:36 hs
O JOGO

A diferença não é redutível às categorias da representação. Assim objetivada, a sua crucificação é fatal. Comumente, acontece;  isso é o normal natural, naturalizado.  Ou seja, não há como acessá-la ( e principalmente vivê-la) conforme as ferrramentas do senso comum, do bom senso, do eu, da identidade, da individualidade, e para dizer numa palavra, da consciência. A diferença não é a consciência, ela não tem consciência. Trabalhar com ela, buscá-la, amá-la, mormente numa experiência psicoterápica ou em qualquer área da vida, é (ou deveria ser)  a prática do devir. O que é isso? Ora, o devir é o processo do desejo, o conteúdo do desejo. Daí não ter uma forma, não ser visível, não se fazer notar, exceto se estivermos num registro de sensibilidade para os afetos que circulam loucos. No entanto, quem suporta tantas intensidades urdidas pelo jogo dos acasos? 

A.M.

JONAS GERARD


O QUE É O QUE É

A morte é antes de tudo a forma derradeira do problemático, a fonte dos problemas e das questões, a marca de sua permanência acima de toda resposta: o Onde e o Quando? que designa este (não)-ser em que toda afirmação se alimenta.
(...)
G. Deleuze in Diferença e Repetição
QUAL  LIBERDADE?

A liberdade não é uma reação, nem tão pouco uma escolha. É pretensão do ser humano achar que, por ter escolha, ele é livre. A liberdade é pura observação sem direção, sem medo de punição e recompensa. A liberdade é sem nenhum motivo, a liberdade não está no fim da evolução humana, mas se encontra no primeiro passo da sua existência. Pela observação, a pessoa começa a descobrir a falta de liberdade. A liberdade é encontrada no estar atento, sem escolha, à nossa existência e atividades diárias.
(...)
Jiddu Krishnamurti

BILL EVANS - Like Someone in Love


terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Retrato Quase Apagado em que se Pode Ver Perfeitamente Nada

I

Não tenho bens de acontecimentos.
O que não sei fazer desconto nas palavras.
Entesouro frases. Por exemplo:
- Imagens são palavras que nos faltaram.
- Poesia é a ocupação da palavra pela Imagem.
- Poesia é a ocupação da Imagem pelo Ser.
Ai frases de pensar!
Pensar é uma pedreira. Estou sendo.
Me acho em petição de lata (frase encontrada no lixo)
Concluindo: há pessoas que se compõem de atos, ruídos, retratos.
Outras de palavras.
Poetas e tontos se compõem com palavras.

II
Todos os caminhos - nenhum caminho
Muitos caminhos - nenhum caminho
Nenhum caminho - a maldição dos poetas.

III
Chove torto no vão das árvores.
Chove nos pássaros e nas pedras.
O rio ficou de pé e me olha pelos vidros.
Alcanço com as mãos o cheiro dos telhados.
Crianças fugindo das águas
Se esconderam na casa.

Baratas passeiam nas formas de bolo...

A casa tem um dono em letras.

Agora ele está pensando -

no silêncio Iíquido
com que as águas escurecem as pedras...

Um tordo avisou que é março.

IV
Alfama é uma palavra escura e de olhos baixos.
Ela pode ser o germe de uma apagada existência.
Só trolhas e andarilhos poderão achá-la.
Palavras têm espessuras várias: vou-lhes ao nu, ao
fóssil, ao ouro que trazem da boca do chão.
Andei nas pedras negras de Alfama.
Errante e preso por uma fonte recôndita.
Sob aqueles sobrados sujos vi os arcanos com flor!

V
Escrever nem uma coisa Nem outra -
A fim de dizer todas
Ou, pelo menos, nenhumas.
Assim,
Ao poeta faz bem
Desexplicar -
Tanto quanto escurecer acende os vaga-lumes.

VI
No que o homem se torne coisal,
corrompem-se nele os veios comuns do entendimento.
Um subtexto se aloja.
Instala-se uma agramaticalidade quase insana, 
que empoema o sentido das palavras.
Aflora uma linguagem de defloramentos, um inauguramento de falas
Coisa tão velha como andar a pé
Esses vareios do dizer.

VII
O sentido normal das palavras não faz bem ao poema.
Há que se dar um gosto incasto aos termos.
Haver com eles um relacionamento voluptuoso.
Talvez corrompê-los até a quimera.
Escurecer as relações entre os termos em vez de aclará-los.
Não existir mais rei nem regências.
Uma certa luxúria com a liberdade convém.

VII
Nas Metamorfoses, em 240 fábulas,
Ovídio mostra seres humanos transformados 
em pedras vegetais bichos coisas
Um novo estágio seria que os entes já transformados
falassem um dialeto coisal, larval,
pedral, etc.
Nasceria uma linguagem madruguenta, adâmica, edênica, inaugural
- Que os poetas aprenderiam -
desde que voltassem às crianças que foram
às rãs que foram
às pedras que foram.
Para voltar à infância, os poetas precisariam também de reaprender a errar
a língua.
Mas esse é um convite à ignorância? A enfiar o idioma nos mosquitos?
Seria uma demência peregrina.

IX
Eu sou o medo da lucidez
Choveu na palavra onde eu estava.
Eu via a natureza como quem a veste.
Eu me fechava com espumas.
Formigas vesúvias dormiam por baixo de trampas.
Peguei umas idéias com as mãos - como a peixes.
Nem era muito que eu me arrumasse por versos.
Aquele arame do horizonte
Que separava o morro do céu estava rubro.
Um rengo estacionou entre duas frases.
Uma descor
Quase uma ilação do branco.
Tinha um palor atormentado a hora.
O pato dejetava liquidamente ali.


Manoel de Barros