QUE ROSTO!
O rosto não é um invólucro exterior àquele que fala, que pensa ou
que sente. A forma do significante na linguagem, suas próprias unidades
continuariam indeterminadas se o eventual ouvinte não guiasse suas
escolhas pelo rosto daquele que fala ("veja, ele parece irritado...", "ele não
poderia ter dito isso...", "você vê meu rosto quando eu converso com
você...", "olhe bem para mim..."). Uma criança, uma mulher, uma mãe de
família, um homem, um pai, um chefe, um professor primário, um policial,
não falam uma língua em geral, mas uma língua cujos traços significantes
são indexados nos traços de rostidade específicos. Os rostos não são
primeiramente individuais, eles definem zonas de freqüência ou de
probabilidade, delimitam um campo que neutraliza antecipadamente as
expressões e conexões rebeldes às significações conformes. Do mesmo
modo, a forma da subjetividade, consciência ou paixão, permaneceria
absolutamente vazia se os rostos não formassem lugares de ressonância que
selecionam o real mental ou sentido, tornando-o antecipadamente conforme
a uma realidade dominante. O rosto é, ele mesmo, redundância. E faz ele
mesmo redundância com as redundâncias de significância ou freqüência, e
também com as de ressonância ou de subjetividade. O rosto constrói o
muro do qual o significante necessita para ricochetear, constitui o muro do
significante, o quadro ou a tela. O rosto escava o buraco de que a
subjetivação necessita para atravessar, constitui o buraco negro da
subjetividade como consciência ou paixão, a câmera, o terceiro olho.
(...)
G. Deleuze e F. Guattari in Mil Platôs, vol 3
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