ARTAUD
(...) O que Artaud propõe ao final não segue a lógica do dominado, é uma revolução ontológica, não é o avesso da ordem, nem a simples negação da mesma. Ele identifica nas religiões – principalmente abraânicas, na codificação jurídica – principalmente na tradição de Teodósio e Justiniano, e na formação social – principalmente européia; uma formação antropocêntrica do homem não coerente, um embuste com falhas e buracos tapados para que o sistema não caia. As poucas saídas como a loucura e o ritual são marginalizadas e socialmente impedidas de se desenvolverem. Artaud desiste de buscar uma saída, um buraco de escape, ele explode, ou melhor, implode o homem, e com ele todos os seus sistemas. É pelo devir animal, devir “micróbio” – como ele diz – que os órgãos voltam a servir ao homem e não o contrário. Os órgãos existem, mas em função de suas tarefas momentâneas, adquiridas durante seus diferentes papéis em cada rito e extintos, reabsorvidos, dispersos, logo após sua utilização. Ele o exemplifica através do erotismo imanente, onde suas zonas são determinadas pelos afetos. Todas as noções de Artaud foram completamente baseadas em experiências e esse pragmatismo auxiliou-o a manter-se sempre conectado com o mundo. Segundo suas últimas cartas ele confiava ao corpo sem órgãos o prazer de viver, não por dar sentido ou valor à vida, esta já se justificava por ela mesma. Para Artaud a vida valia por ela mesma. Ainda mais, em seu processo de esclarecimento, Artaud percebeu que o mais importante é não desistir de lutar contra qualquer coisa que retire da vida este valor, depositando-o em outro lugar – num mundo ideal ou espiritual – para depois prometer ou vender a realização de alcançar a única coisa que nunca nos falta: a própria vida.
Humberto Giancristofano, da Revista Eletrônica "Questão de Crítica", 19/03/2010
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