Vinicius Lemos Reis: Como os
tratamentos em saúde mental, em especial
a terapia medicamentosa, podem se tornar um aprisionamento do sujeito,
e não um alívio, revelando um biopoder
sobre as subjetividades?
Antonio Moura: Os psicofármacos
constituem uma peça essencial do
agenciamento psiquiátrico instituído. Sendo
assim, em geral eles são mortificações
do desejo, ou mais precisamente, produtores
de subjetividades serializadas, padronizadas,
normatizadas. No entanto, não
são um “mal em si”, tampouco são uma
“essência”, exatamente por se instituírem
como um dispositivo prático, entre outros.
Caso eles sejam utilizados em conexões
com outros recursos terapêuticos (muitos
a serem inventados) podem ser úteis, sim,
notadamente em psicopatologias graves,
quando há situações de grande risco para
o paciente e/ou outros e em situações
clínicas complexas. Contudo, esta não é a
realidade mais comum, sendo os remédios
químicos, como dito acima, mortificações
do desejo, mormente em quadros não
graves (neuróticos) quando o paciente
costuma substituir seus sintomas por
uma dependência abjeta aos antidepressivos,
ansiolíticos, sedativos,
hipnóticos, estabilizadores do humor,
neurolépticos em doses pequenas, enfim,
uma invalidação legalizada de suas potências,
tudo isso louvado como a melhor das
soluções possíveis. Desse modo, o conceito
de “biopoder” expressa o corpo instituído como organismo consumidor da química que “naturalmente” lhe falta. Ao
psiquiatra que quer fazer algo pelo paciente
e não só farmacologizá-lo, toda essa
realidade já chega pronta, definida, formatada,
à qual ele deve se dobrar se quiser
continuar sendo psiquiatra. Este é um
ponto crucial de inflexão da minha prática
clínica. Ser psiquiatra sem ser psiquiatra.
Um paradoxo que escapa à racionalidade
médica. Mas, ao mesmo tempo, uma estratégia
de combate camuflada ao estilo
do agente duplo.
Extraído de entrevista em "O corpo" - Jornal de Popularização Científica, Ed nº 50 - Labedisco, Uesb, Vitoria da Conquista, novembro/2015.
Legítima luta!!
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