sábado, 30 de janeiro de 2016

USAR PSICOFÁRMACOS?

Vinicius Lemos Reis: Como os tratamentos em saúde mental, em especial a terapia medicamentosa, podem se tornar um aprisionamento do sujeito, e não um alívio, revelando um biopoder sobre as subjetividades? 

Antonio Moura: Os psicofármacos constituem uma peça essencial do agenciamento psiquiátrico instituído. Sendo assim, em geral eles são mortificações do desejo, ou mais precisamente, produtores de subjetividades serializadas, padronizadas, normatizadas. No entanto, não são um “mal em si”, tampouco são uma “essência”, exatamente por se instituírem como um dispositivo prático, entre outros. Caso eles sejam utilizados em conexões com outros recursos terapêuticos (muitos a serem inventados) podem ser úteis, sim, notadamente em psicopatologias graves, quando há situações de grande risco para o paciente e/ou outros e em situações clínicas complexas. Contudo, esta não é a realidade mais comum, sendo os remédios químicos, como dito acima, mortificações do desejo, mormente em quadros não graves (neuróticos) quando o paciente costuma substituir seus sintomas por uma dependência abjeta aos antidepressivos, ansiolíticos, sedativos, hipnóticos, estabilizadores do humor, neurolépticos em doses pequenas, enfim, uma invalidação legalizada de suas potências, tudo isso louvado como a melhor das soluções possíveis. Desse modo, o conceito de “biopoder” expressa o corpo instituído como organismo consumidor da química que “naturalmente” lhe falta. Ao psiquiatra que quer fazer algo pelo paciente e não só farmacologizá-lo, toda essa realidade já chega pronta, definida, formatada, à qual ele deve se dobrar se quiser continuar sendo psiquiatra. Este é um ponto crucial de inflexão da minha prática clínica. Ser psiquiatra sem ser psiquiatra. Um paradoxo que escapa à racionalidade médica. Mas, ao mesmo tempo, uma estratégia de combate camuflada ao estilo do agente duplo.

Extraído de entrevista em  "O corpo" - Jornal de Popularização Científica, Ed nº 50 - Labedisco, Uesb, Vitoria da Conquista, novembro/2015.

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